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2 ESTRATÉGIA COMO PRÁTICA

2.4 Considerações finais

O discurso tem sido o principal insumo para a pesquisa na área, reforçado ainda mais, de acordo com Costa e Antônio (2012), com a necessidade de se considerar a importância do discurso para a melhor compreensão da prática, mesmo porque são os aspectos linguísticos e de discurso que orientam as práticas.

Dentre os estudos brasileiros que evidenciam o discurso em suas análises, destacam-se Rosa et al. (2006), que abordam as práticas discursivas, a construção de sentidos e o construcionismo social aplicados à análise organizacional. O discurso socioambiental é abordado por Carrieri e da Silva (2007), em uma empresa de telecomunicações que adota práticas discursivas persuasivas do discurso ambiental e ecológico e o mesmo discurso incorporado na responsabilidade social (CARRIERI ET AL., 2009). A pesquisa de Souza e Carrieri (2012) apresenta uma proposta teórico-metodológica para estudos organizacionais, identidade e práticas discursivas. É um trabalho de campo que trata da formação identitário-discursiva dos garçons na cidade de Belo Horizonte, considerada a capital dos bares na América Latina (DINIZ ET AL., 2013).

Quanto às práticas discursivas, Murta et al. (2010) observam a escassez de estudos que contemplem essa temática e nos apresentam a importância de se considerarem as práticas discursivas na formação das estratégias em organizações gastronômicas.

De tal modo, concluímos que a produção, principalmente nacional, neste campo, ainda carece de mais estudos empíricos, aplicação de diferentes abordagens e análises em diferentes campos e setores da economia, como o apresentado neste trabalho, a administração pública, especificamente, em instituições públicas de ensino superior.

Contudo, mesmo considerando a predominância das técnicas qualitativas na condução desta abordagem, foi possível observar a ausência das entrevistas em profundidade em muitos estudos. Portanto, além de buscar empiricamente novos contextos para aplicação da teoria, a mesma foi conduzida e explorada com metodologias incipientes no campo de estudos organizacionais, principalmente no campo das estratégias, como a entrevista em profundidade não estruturada, a pesquisa fotográfica e a análise crítica do discurso, além de contemplar os sujeitos praticantes da estratégia em outros níveis, e não somente os profissionais, no topo da organização, responsáveis pela administração superior da universidade como a Reitoria e Pró-Reitoria de Planejamento, diretamente, ligado ao processo formal de constituição do Plano de Gestão, coo tem sido comum nas pesquisas de estratégia como prática, segundo as análises de Okayama, Gagg e Oliveira (2014) que apontaram a maioria das pesquisas nesta abordagem ainda com o foco no topo da organização. Cabe destacar o que apontou os estudos de Cardoso e Lavarda (2015), os níveis intermediários de uma organização poderão usar do seu conhecimento prático na tomada de decisões, determinando a dinâmica nas estratégias formais podendo inclusive redirecioná-las, após as ações cotidianas possibilitarem o surgimento de estratégias e, assim, reservando a outros níveis organizacionais a função de articular também asa estratégias organizacionais, além das deliberações no topo da organização.

Verificamos que as pesquisas no campo da Estratégia como Prática Social têm trabalhado com as técnicas qualitativas da observação não participante e da análise documental. Quanto aos estudos etnográficos, questionários e conversas informais e da ACD, tais usos ainda são incipientes neste campo. De acordo com a análise da produção científica da abordagem realizada por Okayama, Gagg e Oliveira (2014), apenas dois artigos utilizaram a ACD com referência para análise da estratégia como prática, os trabalhos ainda

são muito analisados considerando as teorias: institucional, da estruturação, da prática, da visão baseada em recursos, identificando um redirecionamento para perspectivas mais interpretativistas. Quanto a necessidade de mais estudos no campo da estratégia como prática por meio da análise do discurso, Jaynes (2015) argumenta que a linguagem e o discurso tem papel central na formação da estratégia em diferentes níveis e demonstram a importância da prática discursiva como legitimidade para proceder mudanças estratégicas. Embora, encontre poucos estudos que contemplem as análises discursivas com foco nas estratégias.

Outro dado importante, conforme destaca Walter e Augusto (2012), e reforça o que apresentamos, muitos trabalhos ainda focam nos praticantes do topo organizacional, um foco criticado por Whittington (2006) e Jarzabkowski e Spee (2009); por isso a necessidade de se abrangerem os demais níveis. De modo, que nosso trabalho evidenciou as práticas sóciodiscursivas dos diversos sujeitos sociais atuantes na docência, na pesquisa, nos laboratórios, nos trabalhos de nível superior, médio e operacional das áreas técnicas e administrativas.

Quanto ao locus, foi possível identificar trabalhos empíricos nos contextos de organizações de saúde, de hospitais, companhias áreas, consultoria e universidades, porém o foco na realidade universitária ainda é incipiente ou inexistente quando se verificam determinadas abordagens, recortes e metodologias, como no caso proposto nesta investigação, de uma perspectiva sócio-histórica e política. De acordo com as análises de Okayama, Gagg e Oliveira (2014), embora Educação, além das Finanças são os setores mais estudados pela estratégia como prática. Consideramos os trabalhos com a perspectiva histórica, o realismo crítico e ACD aplicados concomitantes a realidade de universidades federais brasileiras inexistente na literatura.

Portanto, as possibilidades de pesquisa na área têm sido incentivadas como novas e alternativas abordagens, como ocorrem em Jarzabkowski e Spee

(2009) ao indicarem, por exemplo, a etnometodologia como uma das alternativas eficientes para a investigação da prática social.

Igualmente, alguns estudos têm considerado alternativas também na escolha dos suportes e dos materiais artefactuais de Tureta (2007) e Kaplan (2011), verificando o uso das apresentações em power point como instrumento para consumo do discurso e meio de ressignificar determinadas práticas de estratégia.

Apresentamos um caminho, em particular, para desvelar os elementos com base nas atividades cotidianas sóciodiscursivas, com a finalidade de contribuir para o preenchimento das lacunas entre a teoria e a prática, no campo da Estratégia como Prática, considerando a realidade de uma instituição federal de ensino superior, ao contemplarmos o processo de transferências de saberes e práticas cotidianas na formação das estratégias. Isso, de modo que, ao buscarmos essas possibilidades de pesquisa, contribuímos com o conjunto de novas realidades e conhecimentos no campo da Estratégia como Prática.

A contribuição teórica, por meio dos resultados empíricos, para o campo da Estratégia como Prática minimiza as críticas que são direcionadas a essa abordagem, até mesmo pelos próprios pesquisadores os quais adotam essa perspectiva, como são os casos de Langley (2010), Carter et al. (2008) e Hodgkinson e Wright (2006). Eles questionam a validade do conhecimento desenvolvido até o momento, conduzindo, dessa forma, para melhorias significativas para as práticas dos estrategistas e dos atores sociais participantes dessa prática organizacional. Recentemente, os pesquisadores brasileiros Maciel e Augusto (2013), chegaram a questionar se, de fato, ocorreu uma practice turn no campo dos estudos em estratégia.

Um importante trabalho foi realizado pelos pesquisadores Walter e Augusto (2012) sobre os delineamentos metodológicos utilizados em Estratégia como Prática. Mesmo apresentando um delineamento metodológico convergente

às perspectivas utilizadas e uma recorrência nos estudos longitudinais, os resultados apontaram possíveis desacordos entre os objetivos com que de fato o estudo foi realizado. A predominância dos atores sociais no topo da hierarquia organizacional, como sujeitos de pesquisa, também chamou atenção, desconsiderando-se os demais sujeitos praticantes da estratégia. Outra questão observada foi justamente a ausência do importante delineamento da metodologia utilizada, tão necessária, principalmente, nas pesquisas qualitativas. De modo que procuramos sistematizar esta etapa no capítulo de procedimentos metodológicos desta tese.

A perspectiva da Estratégia como Prática possibilita a adoção de várias metodologias de pesquisa, conforme destacou Whittington (2003), contudo sempre observando o destaque de Johnson et al. (2003) para o procedimento de uma análise do processo de formação da estratégia, considerando o contato mais próximo possível dos atores sociais da organização e a observação de como ocorre o trabalho estratégico.

Verificamos uma importante visualização da matriz de coautorias e o número de artigos publicados por pesquisadores, resultados do trabalho de Maciel e Augusto (2013) com as conexões em rede dos principais autores da Estratégia como Prática e gerados com o auxílio do programa Pajek de análise de redes sociais. A conclusão dos autores, com base na análise sociométrica matricial, é o forte componente principal na rede do número de publicações e conexões centralizados e altamente dependentes dos trabalhos dos dois principais pesquisadores na área: Richard Whittington, da Universidade de Oxford, e Paula Jarzabkowski, da Cass Business School da Universidade de Londres, ambos da Inglaterra.

Ainda, consultamos a segunda análise sociométrica de Maciel e Augusto (2013), a qual demonstra as orientações teóricas mais utilizadas pelos autores dos artigos teóricos e teórico-empíricos analisados. Dentre as teorias sociais que

mais embasaram os estudos, destacam-se, em primeiro plano, a teoria da estruturação de Giddens (1989), nos trabalhos de Whittington e Jarzabkowski; posteriormente, a teoria da atividade de Vygotsky (1978), em trabalhos produzidos principalmente por Jarzabkowski, que, de modo geral, legitima os conceitos ora empregados e consolida as utilizações de tais perspectivas, uma vantagem para os estudos da área. Contudo, Maciel e Augusto (2013) apresentam uma ressalva importante nessa discussão: a desvantagem que pode ser apresentada por determinadas limitações conceituais que não abarcam, em suas totalidades, as realidades pré-existentes, produzindo, assim, apenas small societies, de tal modo que alguns pesquisadores reconhecem a importância da apropriação de novos conceitos e vocabulários considerados na agenda de pesquisa sobre práticas.

Portanto, apesar dos avanços da abordagem, a agenda de pesquisa ainda apresenta algumas lacunas. Dentre elas, apresentamos a melhor compreensão de como são formadas as estratégias em termos de práticas discursivas, de identidades e de legitimidade, além dos processos hegemônicos e ideológicos presentes nos diversos contextos em que a instituição locus do nosso estudo se encontra considerando os seus aspectos sociais e históricos.

Cabe ressaltar que, quanto à identidade, Rasche e Chia (2009) já ressaltavam o fato de tal lacuna ser constitutiva dos praticantes como sujeitos, por não incorporar muitas considerações sobre o engajamento em práticas. Outra questão a ser observada é a predominância de alguns conceitos das abordagens tradicionais, utilizadas nas investigações na área de estratégia, em especial, da teoria institucional e da teoria da estruturação. Isso se vê tanto em estudos teóricos quanto teórico-empíricos, nos cenários das comunidades científicas internacionais e nacional, com um foco ainda muito delimitado nas explicações microssociais, como já apontado por Johnson et al (2003). Porém, carentes de contextualizações social, política, histórica, econômica e cultura, conforme

reconhece Whittington (2010), para tratar, mais especificamente, os detalhes e elementos da estratégia nos planos micro e macrossociais, com base em um contexto do campo social mais amplo e abstrato, mas com consequências em vários níveis.

Conforme Maciel e Augusto (2013), ainda são perifericamente abordados, até o momento, mesmo ao se considerar o grande potencial do campo investigativo na área de Estratégia como Prática. Portanto, segundo os autores, a teoria, ainda, carece de um necessário detalhamento no processo de formação das estratégias, principalmente em referência a, uma necessidade de se considerarem, adequadamente, as características de determinadas organizações, definidas como espaços de realizações de scripts dos atores sociais, por meio de uma confluência de atividades cotidianas materiais, imateriais, emoções e consumo das práticas discursivas as quais operam como guias de ação.