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A escolaridade obrigatória anterior à Lei nº 85/2009, de 27 de agosto

PARTE I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.2 A escolaridade obrigatória em Portugal: anterior e posterior à Lei nº 85/2009, de

1.2.1 A escolaridade obrigatória anterior à Lei nº 85/2009, de 27 de agosto

Tendo sido alvo de diversas reformas ao longo das décadas, o sistema educativo português sofreu a sua primeira reforma estrutural a partir da mudança do regime em 1974, com a LBSE, que data de 1986.

Todavia, o conceito de obrigatoriedade escolar é muito anterior a esse período, tendo sido introduzido com a Carta Constitucional de 182620, que

instituía a frequência da Instrução Primária para todos os cidadãos portugueses. Contudo, só em 1835, através do Decreto do Ministro e Secretario d’ Estado dos Negócios do Reino, de 7 de setembro, se estipulou que o ensino primário deveria ser gratuito para todos e que a obrigatoriedade do cumprimento da frequência escolar deveria acontecer a partir dos sete anos de idade.

Passos Manuel, com o Decreto da Secretaria d’Estado dos Negócios do Reino, de 15 de novembro de 1836, determinou expressamente nesse sentido o seguinte:

todos os pais de família têm rigorosa obrigação de facilitarem a seus filhos a instrução das escolas primárias. As municipalidades, os párocos, os próprios professores empregarão todos os meios prudentes de

persuadir ao cumprimento desta obrigação os que nela forem descuidados. (artigo 33º)

Apesar da frequência escolar não ter correspondido ao esperado, a gratuitidade continuou por largos anos expressa no campo legislativo (Pires, E., 1991), tal como aconteceu na Carta de Lei de 2 de maio de 1876, com o intuito de abarcar toda a população em idade escolar. Consideravam-se exceções quanto à obrigatoriedade de frequência escolar apenas os que viviam em pobreza extrema ou os que fossem considerados incapazes por um júri oficial (capítulo II, artigo 5º).

A nova exigência na obrigatoriedade escolar apresentou-se, na época, através do Decreto nº 8, de 24 de dezembro de 1901, com exigência do exame do 1º grau para o acesso a lugares públicos.

O alargamento da escolaridade básica, obrigatória e gratuita, foi sempre uma preocupação dos sucessivos governos. Embora o ensino das três primeiras classes do ensino primário fosse já obrigatório no fim do século XIX, nessa altura a sua legitimidade constitucional ainda não existia, tendo sido a

20 A referida Carta Constitucional de 1826 pode ser consultada em: http://debates.parlamento.pt/Constituicoes_PDF/II%20Carta%20Constitucional.pdf

Constituição de 1911, no número 11 do seu artigo 3º, que estabeleceu o ensino primário elementar como obrigatório e gratuito.

Segundo E. Pires (1991), em 1919, com a introdução da reforma

educativa, a obrigatoriedade alargou-se para cinco anos. Por sua vez, a

Constituição de 1933, além de legitimar o aparecimento do Estado Novo, alterou a aplicação dos conceitos de obrigatoriedade e gratuitidade: a obrigatoriedade aplicou-se ao ensino primário elementar de três anos, tal como no início da república, e abriu mão da responsabilidade da gratuitidade atribuída ao estado.

No Decreto-Lei nº 45 810, de 9 de julho de 1964, foi introduzido o prolongamento da escolaridade obrigatória para seis anos21, que compreendia

o ensino básico gratuito nas escolas públicas.

Já em 1973, com a reforma de Veiga Simão22, que foi descrita por alguns

autores como uma nova e inovadora conceção de escola, que pretendeu a modernização do sistema e demonstrou preocupação com a formação do indivíduo enquanto pessoa humana, preconizou-se a igualdade de oportunidades e a democratização do ensino.

Esta reforma foi considerada uma referência na história da educação, ao ponto de se afirmar que “a dinâmica introduzida pela reforma de Veiga Simão constitui um marco de referência na história da educação” (Lopes, 2001, p. 13). Esta foi uma iniciativa que fomentou a educação pré-escolar, prolongou a escolaridade obrigatória, reconverteu o ensino secundário, expandiu e diversificou o ensino superior. Esta reforma visava, sobretudo, provocar alterações significativas no plano do ensino básico. A escolaridade básica prologar-se-ia por oito anos, que seriam quatro no ensino primário e outros quatro no ensino preparatório. O sistema educativo passaria ainda “a abranger a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação permanente. A educação escolar compreendia o ensino básico, obrigatório” (Carvalho, 1996, p. 809).

21Sobre esta temática, deverá consultar-se Eurico Lemos Pires (1991). Génese e Institucionalização da Educação Escolar. In J. Formosinho, A. Fernandes & E. Pires, A Construção Social da Educação Escolar, pp. 80-91. Edições Asa. 22Sobre esta temática, deverá consultar-se a Lei nº 5/73, de 25 de julho. Diário do Governo nº173/ 1973 – I Série. Presidência da República.

Em suma, “a obra de Veiga Simão na Educação Nacional representou um inigualável progresso” (Carvalho, 1996, p. 812). No entanto, não podemos deixar de registar que vários obstáculos impediram a concretização desta reforma. Assim, à conhecida oposição do regime, que vigorava, acresciam as dificuldades de recursos humanos e materiais e a incapacidade de concretização dos apoios sociais previstos para o acesso de todas as crianças à escolaridade. A reforma de Veiga Simão veio a culminar com a aprovação da LBSE, em 1986.

Na LBSE, de 1986, ficou declarado o direito à educação e à cultura para todas as crianças, foi alargada para nove anos a escolaridade obrigatória, garantiu-se a formação de todos os alunos para a vida ativa, o direito a uma efetiva igualdade de oportunidades, a liberdade de aprender e ensinar, a formação de jovens e adultos e a melhoria do nível educativo de toda a população. Iniciou-se então uma nova organização do sistema educativo, que passou a compreender a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extraescolar. No que respeita à educação escolar, os 7º, 8º e 9º anos passaram a constituir o terceiro ciclo.

Com o Decreto-Lei nº 286/89, de 29 de agosto, estabeleceu-se uma reestruturação curricular para o ensino básico e secundário, com efeito a partir do ano letivo de 1989/90.

Assistiu-se, posteriormente, ao desenvolvimento dos discursos educativos em torno das potencialidades educativas, sustentados por conceitos como o de justiça. Para Estêvão (2002), em qualquer democracia, este conceito articula- se

com outros conceitos, como o de igualdade, de equidade, de liberdade, de mérito, de poder e autoridade, que vão condicionar também o modo como pensamos a educação e o modo como as escolas devem organizar- se para cumprirem as suas finalidades. (p. 117)

É que, tal como deu conta Sturman (1997)23, citado por Estêvão (2002), “no

contexto escolar, a justiça social não é algo diferente de educação” (p. 117).

23 A obra do referido autor citada por Estêvão (2002) é: Sturman, A. (1997). Social Justice in Education.Camberwell: Acer Press.

As décadas de 80 e 90, no nosso país, foram fortemente marcadas por valores economicistas, onde o acentuado apelo à modernização enfatizava a necessidade de estreitamento das relações entre a escola e a vida ativa (Cabral, 1981). Com esta reorganização do campo educativo pretendeu-se contribuir para o efetivo cumprimento da escolaridade obrigatória, tendo o tecido empresarial apoiado a escola através de formações profissionalizantes.

1.2.2 A escolaridade obrigatória posterior à Lei nº 85/2009 de 27