• Nenhum resultado encontrado

A escolaridade obrigatória posterior à Lei nº 85/2009 de 27 de agosto

PARTE I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.2 A escolaridade obrigatória em Portugal: anterior e posterior à Lei nº 85/2009, de

1.2.2 A escolaridade obrigatória posterior à Lei nº 85/2009 de 27 de agosto

Embora a realidade educativa em Portugal tivesse sofrido bastantes alterações ao longo dos anos, a obrigatoriedade da escolaridade de nove anos manteve-se até à implementação da Lei nº 85/2009, de 27 de agosto, que estabeleceu o regime da escolaridade obrigatória de 12 anos para crianças e jovens que se encontrassem em idade escolar (Ponto 4) e consagrou a universalidade da educação pré-escolar para crianças a partir dos 5 anos de idade (artigo 2º). A escolaridade universal, obrigatória e gratuita tem, atualmente, a duração de 12 anos. Não obstante, verificou-se um período de transição, que foi sendo complementado com nova legislação, de que constitui exemplo o Decreto-Lei nº 176/2012, de 2 de agosto, que regula o regime de matrícula e de frequência das crianças e jovens com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos e que estabelece as medidas que devem ser adotadas, pelas escolas, na prevenção do insucesso e abandono escolares, ou a Lei nº 47/2012, de 29 de agosto, que procedeu à alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, por forma a adequá-lo à Lei nº 85/2009, de 27 de agosto.

Decorrido o período transitório para a implementação do cumprimento da escolaridade obrigatória de todas as crianças e jovens até aos 18 anos de idade ou à obtenção do diploma de curso conferente de nível secundário, remetemo-nos à nossa pergunta de partida, ou seja, estará a escola pública, ao nível do ensino secundário, preparada para incluir jovens com NEE de caráter permanente, que beneficiem da medida educativa de adequação do processo de ensino e de aprendizagem CEI?

Nos diplomas já referidos, a explicitação dos moldes em que os alunos com NEE deverão prosseguir a sua escolaridade nunca foi, no entanto, uma questão totalmente resolvida. Algumas dúvidas tornaram-se um pouco diluídas com a publicação da Portaria nº 275-A/2012, de 11 de setembro, que veio orientar as escolas na construção dos currículos específicos individuais e dos planos individuais de transição, salientando a flexibilidade necessária a uma abordagem individualizada capaz de respeitar e responder às especificidades de cada aluno. Nesse sentido, a referida portaria assume como finalidade “potenciar a última etapa da escolaridade como espaço de consolidação de competências pessoais, sociais e laborais na perspetiva de uma vida adulta autónoma e com qualidade” (Portaria nº 275-A/2012, de 11 de setembro, p. 5196-(2)).

Apesar de Portugal só agora ter dado um grande passo com o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano ou 18 anos de idade para todos os alunos, sem exceção, e tal como já foi referido no ponto 1.1, do capítulo 2, de acordo com o Decreto-Lei nº 139/2012, de 5 de julho, artigo 6º, o ES português apresentar diversos caminhos possíveis a seguir a temática do alargamento da escolaridade obrigatória já vem sendo debatida nos últimos anos. A este propósito, o Conselho Nacional de Educação (CNE) tinha já emitido o Parecer nº 1/2003, de 14 de março, citado no Parecer nº 3/2009, de 26 de junho, considerando esta

uma opção política generosa, inscrita no esforço que o país tem realizado para recuperar um atraso estrutural muito vincado, mas é também uma opção que comporta riscos sociais e económicos, que é preciso acautelar previamente, que implica uma transformação profunda do nível

secundário, de modo a acolher todos os portugueses, sem exceção, e que exige um esforço financeiro que importa calcular de antemão. (p. 24962)

Também no Parecer nº 2/2004, de 18 de fevereiro, citado na mesma fonte (Parecer nº 3/2009, de 26 de junho), o CNE alertou para a necessidade da “sua

extensão a 12 anos […] ser acompanhada, forçosamente, de medidas

tendentes a prevenir abandonos precoces e fenómenos de marginalização daí decorrentes” (p. 24962). O CNE afirmou ainda no mesmo documento, acreditar que o alargamento da escolaridade obrigatória e a sua universalização exigiria

políticas interministeriais comuns, de articulação entre educação e formação, e que à medida que se avançasse na escolaridade deveriam coexistir percursos diversos de formação de modo a capacitar cada jovem a gerir com sucesso o seu percurso pessoal e profissional ao longo da vida.

Efetivamente, o prolongamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano ou 18 anos de idade é visto como

uma vontade social em irmos mais longe, como Nação, na nossa

capacidade coletiva de escolarizarmos e qualificarmos adequadamente as novas gerações, num momento em que o conhecimento constitui cada vez mais um fator distintivo das pessoas, dos povos e das economias. (Recomendação nº 3/2012, de 23 de julho, ponto 1)

Na mesma Recomendação que acabámos de mencionar, refere-se, através dos resultados de um inquérito realizado pelo CNE, que os diretores das escolas demonstraram preocupação perante a iminente falta de motivação dos alunos, o aumento da indisciplina e do absentismo, assim como alertaram para a necessidade de rever e reforçar o apoio social escolar e ainda a possível resistência das famílias em situação de pobreza. Outra apreensão apresentada no mesmo documento ao alargamento da escolaridade obrigatória é referente à inadequação entre a oferta da escola e a necessidade de criar oportunidades educativas de qualidade para todos, assim como às “sérias limitações de recursos escolares em matéria de orientação escolar e vocacional, de mediação familiar e de apoio especializado a alunos com necessidades educativas especiais” (ponto 8).

Todavia, as escolas com ensino secundário ouvidas pelo CNE afirmavam sentir-se “motivadas e capacitadas para acolher o novo prolongamento da escolaridade obrigatória” (Recomendação nº 3/2012, de 23 de julho, ponto 9).

No mesmo documento não deixa, no entanto, de advertir-se para o facto de que “a gravidade da crise económica que Portugal atravessa […] irá criar dificuldades inesperadas e particularmente gravosas ao prolongamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano ou até aos 18 anos” (Recomendação nº 3/2012, de 23 de julho, ponto 16). Considera-se, por conseguinte, que tanto no que diz respeito às famílias quanto à obrigatoriedade de proceder à matrícula dos seus educandos, como no que concerne ao Ministério da Educação e

Ciência a respeito do cumprimento das suas obrigações em reforçar recursos, oportunidades e condições para o efeito, “se não houver as condições e a capacidade para gerar um leque variado, atrativo e qualificado de oportunidades educativas para todos, o objetivo do prolongamento de escolaridade não se cumprirá” (Idem, ponto 11).

É, pois, neste sentido também, que se considera necessária uma gestão curricular exigente, tanto em termos de flexibilidade como de autonomia e diferenciação curricular, de modo a construir “as melhores oportunidades para todos os jovens” (Idem, ponto 12).

Assim, considera o CNE que cabe ao Governo, neste contexto socioeconómico, lançar

medidas sensatas e enérgicas no sentido de dotar as escolas de meios e as famílias mais carenciadas dos necessários apoios para que seja possível cumprir universalmente o prolongamento da escolaridade, tornar esse benefício acessível a todos e realizar o aumento de três anos de escolarização e qualificação de todos os jovens, com dignidade

institucional e qualidade escolar”. (Idem, ponto 17)

Nesse sentido, cabe ao Governo e a toda a sociedade a mobilização de todos os recursos necessários para que o estipulado na Lei nº 85/2009, de 27 de agosto, possa ser cumprido com equidade e justiça, tal como se encontra referido no ponto 26 do mesmo documento. O CNE alerta, ainda, para a necessidade de alteração da idade legal de acesso ao trabalho, uma vez que o alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos de idade ou ao 12º ano leva a que esta já não se deva situar nos 16 anos, sendo necessário encontrar as melhores soluções educativas que garantam o acesso ao trabalho que, a existir antes dos 18 anos, se deverá realizar em contexto formativo e com intencionalidade educativa (Idem, ponto 26, alínea s).

Na sequência do disposto na Recomendação que acabamos de referir, a Assembleia da República, no que respeita ao acesso ao trabalho antes dos 18 anos de idade, procedeu à quarta alteração ao Código do Trabalho publicando a Lei nº 47/2012, de 29 de agosto, por forma a adequá-lo à Lei nº 85/2009, de 27 de agosto. Assim, atualmente, e segundo a quarta alteração do Código de Trabalho,

só pode ser admitido a prestar trabalho o menor que tenha completado a idade mínima de admissão, tenha concluído a escolaridade obrigatória ou esteja matriculado e a frequentar o nível secundário de educação e

disponha de capacidades físicas e psíquicas adequadas ao posto de trabalho. (Lei nº 47/2012, de 29 de agosto, artigo 68º, ponto 1)

Com efeito, ao longo das últimas décadas Portugal desenvolveu um esforço muito significativo tendo em vista a recuperação dos défices de educação e de formação e o aumento das qualificações da população portuguesa.

Na sequência das medidas legais já referidas, as escolas do ES viram-se assim confrontadas com uma nova realidade, no que concerne à necessidade de desenvolver currículos individuais que privilegiassem a componente funcional, uma vez que os alunos com NEE, e que usufruem da medida CEI, também passaram a estar abrangidos pela frequência deste nível de ensino. Este facto suscitou dúvidas nas escolas em relação ao ensino dos alunos com CEI no ES, o que levou o MEC a dar uma resposta através da Portaria nº 275- A/2012, de 11 de setembro, que regula o ensino destes alunos em processo de transição para a vida pós-escolar.24

A Portaria supracitada procede, também,

à definição de uma matriz curricular que se pretende estruturante, de modo a garantir que os currículos individuais integrem as áreas

curriculares consideradas fundamentais, mas simultaneamente dotada da flexibilidade necessária a uma abordagem individualizada capaz de

respeitar e responder às especificidades de cada aluno. (p. 5196-(2)) Face a esta realidade, interessa-nos perceber, por conseguinte, como se vai processar a inclusão de alunos com CEI no ES, uma vez que estes apresentam dificuldades cognitivas, motoras, sensoriais ou multideficiências, que vão de níveis mais ligeiros até muito graves. Ou seja, a questão fundamental é: como se vai fazer cumprir a escolaridade obrigatória para todos os alunos?

24Procede-se à transição para a vida pós-escolar dos alunos com NEE mediante a implementação do Plano Individual de Transição (PIT), que, de acordo com o disposto no artigo 14º do Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, deve iniciar- se três anos antes da idade limite da escolaridade obrigatória.