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PARTE I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.3 Currículo versus Currículo Específico Individual

Com a finalidade de tornar mais clara a leitura do estudo que aqui se apresenta, optámos por fazer a análise de conceitos que atravessam o trabalho empírico deste estudo. Deste modo, currículo e currículo específico individual são os conceitos chave a clarificar neste ponto.

Realizaremos uma breve contextualização das principais perspetivas conceptuais de currículo, invocando alguns teóricos cuja influência foi preponderante nesse processo, para de seguida esclarecermos o conceito de CEI.

O conceito de currículo não é novo. Este é também um campo onde se têm registado alterações ao longo das décadas, tendo por base fatores como a sociedade, os saberes científicos e o aluno, que se articulam entre si (Roldão, 1999b). De acordo com Roldão, o currículo surge como uma construção social, uma vez que é a partir de valores, conceções, necessidades sociais, políticas e económicas, num dado friso temporal, que se organizam as respostas da escola, que, por sua vez, são refletidas no currículo escolar proposto. Assim, para Roldão (1999b), “da dinâmica curricular entre estes diversos fatores e do peso relativo de cada um resulta a dinâmica evolutiva dos currículos escolares em cada contexto” (p. 16).

Até à década de 70, o conceito de currículo não era mais do que a soma das disciplinas impostas pelo plano de estudos e trabalhadas individualmente por cada professor. Dado que a escola era frequentada por uma elite, o “currículo limitava-se ao conjunto das matérias a ensinar e à estrutura organizativa dessa transmissão” (Leite, 2003, p. 60), que correspondia às necessidades da época.

Todavia, após a Revolução de 1974, verificaram-se alterações profundas no campo curricular e Portugal teve acesso a uma diversidade de correntes teóricas do domínio curricular, entre as quais a anglo-saxónica, cuja aceitação terá sido fundamental para a participação do nosso país em reuniões de trabalho e em projetos da OCDE (Freitas, 2000).

Em 1986 foi publicada a LBSE (Lei nº 46/86, de 14 de outubro) e deu-se início à Reforma Curricular que se prolongou pela década de 90. Advertia-se

então para o excesso de disciplinas e avançou-se com a ideia da escola introduzir em área específica as aprendizagens que, não cabendo nas disciplinas “tradicionais”, fossem consideradas desejáveis para a formação integral do aluno. Surgiu então a tão discutida “área-escola” (Freitas, 2000). Assistiu-se, assim, a uma rotura do currículo entendido, até ao momento, como igual para todos os alunos, sem atentar às suas particularidades.

A ideia de “uma escola para todos e em que todos são diferentes” (Leite, 2003, p. 85) implicava um esforço acrescido por parte dos professores, de forma a responder à heterogeneidade dos discentes. Posto isto, assistimos, nos princípios do século XXI, à busca de novos caminhos para os currículos dos ensinos básico e secundário. Com a gestão flexível dos currículos, cujo projeto teve início em 1996, iniciou-se o processo de reorganização curricular, orientando o currículo para uma formação integral do aluno, a promoção de uma escola inclusiva e para o desenvolvimento de competências intrínsecas ao desempenho de uma cidadania ativa (Leite, 2003).

O conceito de currículo é efetivamente um conceito complexo e ambíguo, sendo por Goodson também considerado ilusório e multifacetado na medida em que se trata “num certo sentido, de um conceito ‘escorregadio’, na medida em que se define, redefine e negoceia numa série de níveis” (Goodson, 1997, pp. 17-18). Ribeiro (1996) comunga da opinião de Goodson, afirmando que o mesmo não possui um sentido unívoco, situando-se “na diversidade de funções e de conceitos em função de perspetivas que se adotam, o que vem a traduzir- se, por vezes, em alguma imprecisão acerca da [sua] natureza e âmbito” (p. 11). De qualquer modo, Roldão (1999a) acrescenta que o currículo não é um fim em si mesmo, mas um meio para alcançar a finalidade pretendida. Por conseguinte, ele corresponde ao “conjunto de aprendizagens que, por se considerarem socialmente necessárias num dado tempo e contexto, cabe à escola garantir e organizar” (Roldão, 1999b, p. 24). No entanto, tal como nos dá conta esta autora, currículo é “um conceito passível de múltiplas interpretações no que ao seu conteúdo se refere e quanto aos inúmeros modos

e variadas perspetivas acerca da sua construção e desenvolvimento” (Apple25,

1997; Ribeiro26, 1990, citados por Roldão,1999b, p. 23-24).

Currículo também pode ser entendido como “a ‘configuração’ das

experiências desejáveis para os alunos” (Skilbeck, 198427, citado por

Rodrigues-Lopes,1989). Skilbeck (1984) refere ainda que o currículo deve ser aplicado com intuito de produzir as experiências de aprendizagem dos alunos, uma vez que estas são expressas em finalidades, objetivos, e planos de aprendizagem.

Outra forma de entender a noção de currículo poderá ser por referência “a um plano de estudos, ou a um programa, muito estruturado e organizado na base de objetivos, conteúdos e atividades e de acordo com a natureza das disciplinas” (Pacheco, 2001, p. 16). Estaremos então perante o que Pacheco considera uma noção restrita de currículo, que ainda é recorrente nas conceções de muitos docentes.

Encontramos também no Decreto-Lei nº 74/2004, de 26 de março, e no que respeita ao ES, a definição de currículo como o “conjunto de aprendizagens a desenvolver pelos alunos de cada curso de nível secundário de acordo com os objetivos da Lei de Bases do Sistema Educativo” (artigo 2º), e no artigo 2º, do Decreto-Lei nº 139/2012, de 5 de julho, a ideia que este respeita ao “conjunto de conteúdos e objetivos que, devidamente articulados, constituem a base da organização do ensino e da avaliação do desempenho dos alunos, assim como outros princípios orientadores que venham a ser aprovados com o mesmo objetivo”, o que confirma a ambiguidade deste conceito.

Depois de nos termos detido no conceito de Currículo, importa agora clarificar o que é um Currículo Específico Individual (CEI).

25 A obra do referido autor, citada por Roldão (1999b) é: Apple, M. (1997). Os Professores e o Currículo: Abordagens

Sociológicas. Lisboa: Educa.

26 A obra do referido autor, citada por Roldão (1999b), é: Ribeiro, A. (1990). Desenvolvimento Curricular. Lisboa: Texto Editora.

27 A obra do referido autor, citada por Rodrigues-Lopes (1989), é: Skilbeck, M. (1984) School-based curriclum

development. London: Harper & Row.

No âmbito do Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, e de acordo com o seu artigo 21º, esta é uma opção curricular “que, mediante o parecer do conselho de docentes ou conselho de turma, substitui as competências definidas para cada nível de educação e ensino” (artigo 21º, ponto 1). Esta medida pressupõe alterações significativas no currículo comum, podendo as mesmas traduzir-se na introdução, substituição e ou eliminação de objetivos e conteúdos conducentes à autonomia pessoal e social do aluno. O CEI dá ainda prioridade ao desenvolvimento de atividades de cariz funcional centradas nos contextos de vida, à comunicação e à organização do processo de transição para a vida pós-escolar, visando-se “sobretudo a aquisição de competências que possibilitem uma vida o mais autónoma possível e com a máxima integração familiar, social e profissional” (Pereira et al., 2012, p. 5). Tanto os objetivos, como os conteúdos e as atividades devem, por conseguinte, ser pensados em função do nível de funcionalidade da criança ou do jovem. A responsabilidade de orientar e assegurar o desenvolvimento do CEI é da direção da escola ou agrupamento e do departamento de educação especial.

De acordo com Costa, Leitão, Morgado e Pinto (2006), os currículos funcionais fazem parte integrante das políticas de inclusão, dado que contribuem para o acesso de todas as crianças à vida escolar, atenuando as diferenças e proporcionando a todos uma aprendizagem com objetivos e metas para a criança alcançar de acordo com o seu ritmo de aprendizagem.

Neste contexto, é importante sublinhar que o Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, definiu a população de alunos para os apoios especializados como sendo os alunos “com limitações significativas ao nível da atividade e da participação num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de caráter permanente” (nº 1 do artigo 1º). Este dispositivo legal definiu também o objetivo da própria educação especial, que é o da “inclusão educativa e social, o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, uma adequada preparação para o prosseguimento de estudos ou uma adequada preparação para a vida profissional e para uma transição de escola para o emprego das crianças e dos jovens com NEE” (nº 2 do artigo 1º).

Desta forma, a partir da publicação do Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, o conceito de Educação Especial sofre alterações muito significativas e obriga a uma nova cultura organizacional.