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―O tempo presente reclama que se olhe para outros horizontes, que muitos teimam em não querer ver‖.

Azevedo (2009, p.1)

Justino (2010, p.53) considera que ―se o valor da escola fosse reconhecido por todos, o Estado não tinha necessidade de determinar a escolaridade obrigatória‖. Neste sentido, e de acordo com o mesmo autor, existe uma enorme diferença entre o termo universalização, que pressupõe o facto de o cidadão se instruir e se formar em consequência da sua própria vontade, e o termo obrigatoriedade de ensino que resulta de um desígnio do Estado para o suposto benefício do cidadão e da sociedade em geral.

Guerra (2010, p.36) corrobora esta opinião ao afirmar que la escuela es una

institución de reclutamiento forzoso. Este autor considera que se trata de um autêntico

paradoxo que se obriguem as pessoas a frequentarem uma instituição para que ali aprendam a ser livres e participativas.

Canavarro (2004, p.339) recorda a importância e responsabilidade do papel do Estado e refere que a escolaridade obrigatória deve ser entendida como uma função mútua do Estado para com os indivíduos, destes e das suas famílias ―para o Estado, não

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esquecendo que a este último cabe proporcionar as condições adequadas para uma escolarização bem-sucedida‖.

Como sublinha Nóvoa (2005, p.25), o princípio da escolaridade obrigatória origina-se num ciclo histórico que ―vê no Estado-nação e no impulso industrial os elementos de progresso da sociedade‖. Começa, nesta altura, a prosperar a ideia de que será mais fácil governar uma nação instruída e civilizada do que um ―povo bárbaro e feroz‖.

Com efeito, o acesso e gratuitidade da escola datam já da Carta Constitucional de 1826 e, mais tarde, do Decreto de 7 de Setembro de 1935 que preconiza a obrigação dos ―pais de família‖ enviarem os seus filhos às escolas públicas a partir dos 7 anos de idade. Nas palavras do mesmo autor, só nesta altura é que se estabelece o primeiro corpo doutrinal e, um ano mais tarde se decreta que ―todos os pais de família têm rigorosa obrigação de facilitarem a seus filhos a instrução das escolas primárias‖. Posteriormente, outros diplomas fixam a obrigatoriedade da frequência da escola entre os 7 e os 15 anos (1844), tendo-se definido, em 1878, as idades compreendidas entre os 6 e os 12. A implantação da República, a 5 de Outubro de 1910, tal como refere Carvalho (1985, p.651), ―…trazia na bagagem revolucionária o decidido projecto de reformar a mentalidade portuguesa propondo-se executá-lo por diversas vias e, em situação de realce, pela via da instrução e da educação‖. Deste modo, o regime republicano concentrou-se nos já sobejamente conhecidos problemas do ensino como o analfabetismo, a insuficiente rede de escolas primárias e a deficiente preparação dos docentes e definiu que a escolarização deveria iniciar-se aos 7 anos e dividia-se em elementar, complementar e superior. O primeiro era de carácter obrigatório para todas as crianças de ambos os sexos entre os 7 e os 14 anos e tinha a duração de três anos. Após a conclusão, com aproveitamento, do então ensino elementar, o aluno poderia continuar a frequentar o ensino primário na fase complementar ou optar pelo ensino secundário. Seguir-se-ia o ensino superior para quem desejasse aperfeiçoar e aprofundar os conhecimentos adquiridos nas fases anteriores. Oito anos mais tarde, passa a ser de frequência obrigatória o denominado ―ensino primário geral‖, de cinco anos, não obstante as baixas taxas de escolarização que se verificava e a limitada rede de escolas primárias que ainda não conseguiam cobrir todo o território.

O período do Estado Novo foi preponderante no percurso do estado da educação em Portugal até aos dias de hoje. Nos anos que compreenderam o período de 1926 a 1939, vivia-se uma época em que, de acordo com Mónica (1978, p.133), se procurava,

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acima de tudo, incutir uma determinada ideologia no povo. Assim, Salazar vê e interpreta a sociedade como uma estrutura hierárquica imutável o que acaba, inevitavelmente, por conduzir a um papel diferente do papel da escola. Esta ―não se destinava a servir de agência de distribuição profissional ou de detecção do mérito intelectual, mas, sobretudo, de aparelho de doutrinação‖ (p.133). A autora vai mais longe e considera mesmo que para o antigo ditador não havia sequer razões que justificassem as desigualdades económicas uma vez que a sua existência era inevitável e instituída por Deus.

Embora consciente do perigo que significava, neste período, alargar a escolaridade, não era menos verdade que este alargamento teria as suas vantagens. Na opinião de Rosas e Brito (1996, p.46), Salazar terá optado pela alternativa de proporcionar a escola a todos, ―desde que o Estado exercesse apertado controlo sobre o que se lia. A escola seria, assim, um excelente veículo de propaganda político- ideológica, permitindo divulgar o ideário do novo regime‖ (p.46).

Neste cenário, e de acordo com Mendonça (2009, p.24), operam-se novas mudanças: por um lado, retoma-se a organização do ensino em classes e volta a reduzir- se o ensino obrigatório inicialmente para quatro e, mais tarde para três anos que integram o nível elementar. Para Nóvoa (2005, p.29), a reforma de 1947, para além de retomar a organização por classes, ―insiste na dimensão formativa, e não apenas informativa, do curso liceal‖.

A partir desta altura, foram várias as medidas que, segundo Mendonça (2009, p.24), contribuíram para a desqualificação da população e do próprio sistema de ensino, entre elas, a instituição do livro único e a diminuição da idade limite para a frequência escolar. A redução do ensino obrigatório acabou, também, por conduzir à extinção das escolas complementares por se considerar serem desnecessárias e sobrecarregarem o orçamento do estado. Por outro, diminuiu o investimento na formação dos professores, uma vez que também as exigências da educação eram menores, e foi introduzida a figura dos ―regentes escolares‖ já que agora se privilegiava a boa formação moral e intelectual acima de qualquer outra formação académica. A estes, ―bastava a obtenção da 4ª classe para ensinar a 4ª classe‖. (p.24).

Em 1952, o ministro Pires de Lima procura erradicar o analfabetismo através da publicação do Plano de Educação Popular que prevê a execução da escolaridade obrigatória para as crianças entre os 7 e os 12 anos. Uma vez que se previa concretizar o cumprimento da escolaridade obrigatória, procura-se persuadir a população através da

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aplicação de multas para os prevaricadores. De acordo com Rosas e Brito (1996), citado por Mendonça (2009, p.25), aos infratores seriam aplicadas ―multas pecuniárias (500 escudos) que poderiam ser convertidas em penas de prisão ou de prestação de trabalho em obras públicas‖.

Depois de algumas oscilações em torno dos anos de escolaridade obrigatória para o sexo masculino e feminino, fixou-se, em 1960, a frequência obrigatória da 4ª classe para ambos os sexos e quatro anos mais tarde, com a publicação do Decreto-Lei nº 45810, de 9 de Junho, aumenta a escolaridade e gratuitidade para os seis anos e o ensino primário passa a integrar um ciclo ―elementar‖ de quatro anos e um ―complementar‖.

Em Janeiro de 1970 o Ministério de Veiga Simão tenta lançar as bases de um sistema com um duplo objetivo: efetivar a escolaridade obrigatória e democratizar o ensino. Valente Sanches, citado por Stoer (1983, p.794), esclarecia as finalidades pretendidas: ―Educar todos os portugueses, educá-los promovendo uma efectiva igualdade de oportunidade, independentemente das condições sociais e económicas de cada um, é o objectivo desta batalha da educação‖. São, ainda, elencados os critérios sob os quais a educação se deve pautar, não ignorando aqueles que poderão ter algum destaque (p.803): ―a educação, esse «bem precioso», devia ser concedida a todos os portugueses, numa base meritocrática, para permitir aos mais capazes a integração na élite da Nação, independentemente de determinantes sociais e económicas‖.

Verifica-se, então, uma tentativa de reforma global do Sistema Educativo que é efetivada pela Lei nº 5/73, de 25 de Julho (mais conhecida como Reforma Veiga Simão) e que visava, sobretudo, provocar alterações significativas no plano do ensino básico, ao mesmo tempo que expressava, de forma clara, uma vontade política de modernização.

Neste quadro contextual, a escolaridade obrigatória alargou-se por um período de oito anos, que se subdividiram por quatro anos do então designado ensino primário e outros quatro anos ministrados nas escolas preparatórias da altura.

Contudo, o Decreto criado acabou por nunca ser regulamentado pelo que se mantiveram as disposições legais anteriores. Com a revolução de Abril e já depois de um longo período de forte agitação e de profundas alterações políticas, nomeadamente na área da educação, Portugal enveredou por um caminho de reformas sucessivas cuja principal preocupação era justamente a do aperfeiçoamento do sistema educativo. Foi com a aprovação da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro - a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) - que se deu início ao primeiro grande momento da Reforma

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Educativa pois determinou o ensino básico obrigatório, gratuito e universal, com a duração de nove anos, repartidos em três ciclos de ensino (art.º 6 n.º1), para todas as crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 15 anos (art.º 6 n.º 6). A LBSE tornou-se na grande referência para a criação das políticas educativas das últimas décadas. Por se tratar de um texto de orientação, originou inúmeras interpretações e conduziu a novas reformas e medidas entre a data da sua publicação e 1995. Contudo, e até à data, o conhecido atraso educativo português não tinha sido ultrapassado. Note-se que a escolaridade de quatro anos, como já destacámos atrás, só atingiu a sua universalização quase um século e meio depois das primeiras leis que determinaram a sua obrigatoriedade. Isto significa que, por um lado, e tal como sugere Justino (2010, p.55), o Estado, voluntária ou involuntariamente, não teve a capacidade de levar a cabo e fazer cumprir essa obrigatoriedade. Por outro lado, e segundo o mesmo autor, as escolas lutavam sistematicamente contra o abandono escolar e a baixa frequência dos alunos porque a educação formal não compensava o investimento que os pais faziam ao prescindir da mão-de-obra familiar. Portugal não se abstinha de se caracterizar como predominantemente rural, pobre e iletrado que mantém até meados do século XX e que conduz à ineficácia do cumprimento da escolaridade obrigatória.

Nesta linha de pensamento parece-nos oportuno lembrar as palavras de Nóvoa (2005, p.25) quando o autor sublinha que, efetivamente, Portugal foi dos primeiros países a legislar sobre a obrigatoriedade escolar. Contudo, foi ―dos últimos a cumpri- la‖. Mais ainda: toda a legislação que se foi produzindo em nada reproduzia a realidade. Limitava-se a ―condensar, num dado momento, as vontades ou intenções de certos grupos ou personalidades‖. Na verdade, em 1870, as taxas de escolarização rondavam os 10% da população em idade escolar o que nos afastava dos países mais próximos e bastante dos mais longínquos. Só a partir da segunda metade do século XX é que, ainda que ―imperfeitamente‖ todas as crianças acedem efetivamente à escola. Numa crónica acerca da escolaridade obrigatória Azevedo (s.d.) pronunciou-se acerca desta questão tendo constatado que apesar de Portugal ter sido um dos primeiros países a estabelecer este princípio de obrigatoriedade legal, em 1870 já se encontrava no último lugar (com 13%), quanto à capacidade real de universalizar o acesso da população à escola primária (a Espanha já atingia 42%). Um século depois este objetivo continuava a não ser atingido. Por oposição o autor lembra a Bélgica, por exemplo, que só em 1914 decretou esta obrigatoriedade sendo que a taxa de escolarização já rondava os 62%.

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Não deixa de ser verdade que, volvidos 25 anos desde a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo (1986) que, como já referimos, determinava a escolaridade obrigatória de nove anos, continua sem se conseguir atingir o pleno dos 100% de escolarização. Contudo, há que reconhecer o mérito do esforço feito até à data no sentido de combater o abandono escolar pois conseguiu-se tornar residual a proporção dos que não concluem o 9º ano de escolaridade. Como refere Justino (2010, p.41), num país que ―só há trinta anos concretizou a ideia de universalização da escola primária de quatro anos, não será despiciendo o facto de estar em vias de concretizar idêntico objetivo para a escolaridade dos nove anos‖. Todavia, o mesmo já não se poderá afirmar no que respeita à escolarização secundária que, de acordo com o mesmo autor, não irá muito além dos 60%. E, a este respeito note-se que a escolaridade aumentou para os 12 anos - Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto. A partir deste diploma, os alunos atualmente abrangidos pela escolaridade obrigatória (que passa a ser os 18 anos) que se matriculem no ano letivo de 2009-2010 em qualquer dos anos de escolaridade dos 1.º ou 2.º ciclos ou no 7.º ano de escolaridade passam a estar sujeitos ao limite da escolaridade obrigatória previsto nessa mesma lei, ou seja, os tais 12 anos. Também a este propósito Joaquim Azevedo (s.d.) se pronuncia argumentando que vamos ser agora um dos primeiros países do mundo a decretar a escolaridade obrigatória até ao 12º ano. Esquecemos, porventura que, pelo menos para já, somos o país da União Europeia com mais abandonos escolares na atual escolaridade obrigatória de nove anos e, também para já, somos o país mais atrasado da União Europeia e da OCDE quanto à escolarização da população com o nível secundário (o mesmo 12º ano). O autor identifica estes dois problemas ―que se agudizam continuamente‖ e para os quais não temos resposta, insistindo na ideia de que ―mas já sabemos que vamos decretar a

obrigatoriedade escolar até ao 12º ano‖ (s.p.).

No início desta reflexão abordámos o facto de a escolaridade ter lugar por imposição (obrigatória) ou por opção. Se por um lado transparece de imediato a ideia de que, em Portugal, a universalização, ou seja, a completa instrução e formação do indivíduo por opção, é uma utopia, por outro, reconhecemos que o nosso país, ao apresentar-se com uma elevada taxa de pobreza e com uma das maiores desigualdades de distribuição do rendimento na Europa, necessita de um Estado que imponha metas de escolarização e exerça poder para as fazer cumprir. Se atentarmos na possibilidade de tal não acontecer facilmente prevemos que o atraso do nosso país face aos restantes parceiros europeus seria, muito provavelmente, maior. E a razão para que tal se verifique é muito simples

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na opinião de Justino (2010, p.56): ―a maioria dos portugueses, durante várias gerações, não reconheceu à educação nem o investimento nem a oportunidade de valorização pessoal e social dos seus filhos‖. Deveremos, então e de acordo com este autor, reconhecer, que o alargamento da escolaridade obrigatória, para além de nos colocar lado-a-lado com os nossos parceiros europeus, também suscita nas famílias portuguesas um maior estímulo face ao aumento das expectativas de escolarização e do futuro dos seus filhos.

Posição contrária tem Azevedo (s.d.) que lembra que a triste história no nosso país a este respeito está sempre a repetir-se. ―A norma sempre primeiro e perfeita, a realidade esquecida, os problemas adiados, século após século‖. Este autor vai mais longe e equaciona a legitimidade do alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano. Em primeiro lugar, questiona se o objetivo é o de ―criar uma nova clivagem na sociedade portuguesa entre quem possui e quem não possui a ―nova escolaridade obrigatória‖ de 12 anos‖. Em segundo, interroga: ―Com que direito um Estado que não age nem induz os agentes sociais a agir perante esta degradação contínua, vai violentamente obrigar todos os cidadãos a ficarem fechados nestas instituições doentes, até aos 18 e 19 anos?‖. O autor finaliza a sua reflexão com o ―desabafo‖: ―Felizmente, há e continuará a haver abandono escolar‖.