• Nenhum resultado encontrado

2. UMA PESQUISA-EXPERIÊNCIA E SUAS

2.1 A escolha de um método

A pesquisa inicialmente aconteceria em Blumenau/SC, com jovens residentes no Bairro Progresso. Escolhi esta cidade como campo de investigação pelo fato de nela haver residido durante quase trinta anos; e o Bairro Progresso por envolver três conjuntos habitacionais destinados a famílias de baixa renda.

A pesquisa com os jovens do bairro Progresso, mesmo em fase inicial, passou por fortes adaptações com base no diálogo (ou na ausência dele) entre pesquisadora e jovens. Verifica-se que o estreitamento deste diálogo poderia ocorrer ao longo da realização da pesquisa, no entanto, um fato importante deveria ser considerado: a mudança para a cidade de Jaraguá do Sul, ocorrida no início de 2013, por motivos pessoais.

Tendo em vista que o objetivo de pesquisa era investigar como os jovens caracterizam a política em suas relações com as cidades, quais os espaços, trajetos e circuitos percorridos, optei por modificar o campo de pesquisa para a cidade de Jaraguá do Sul6, buscando assim uma estreita vivência com o campo a ser pesquisado.

6

48

Neste momento, surgiu uma nova possibilidade: a de conhecer a cidade ainda desconhecida, a partir do olhar desses jovens. Abrindo-se, a possibilidade do estranhamento, característico da pesquisa etnográfica. Encontrava-me na condição de estrangeira, em uma cidade estranha, em uma situação até o momento estranha para mim – a condição de pesquisadora.

Portanto, assim como Magnani (2009, p. 141), consideramos o estranho uma condição importante no decurso de uma pesquisa etnográfica, pois, “para quem é introduzido pela primeira vez num meio que lhe é estranho, tudo é significativo, nada pode ser previamente hierarquizado numa escala de valores entre o insignificante e o relevante: tudo é digno de observação e registro”.

A imersão nesse novo contexto foi pautada por um olhar para o sensível, para aquilo que emerge dos encontros e dos afetos, sem dicotomias e polarizações, trabalhando com os discursos em uma perspectiva dialógica, pois, “o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico” (BAKHTIN, 2011, p. 400, grifo do autor).

A partir desta concepção os procedimentos foram escolhidos no decorrer da pesquisa, conforme fui estreitando os laços com os jovens. Portanto, inicialmente utilizei o recurso de observação-participante das vivências dos jovens na cidade, que foi minha principal fonte de informações. A observação, tal como compreende-se, “[...] provoca a instituição de olhares para além do contexto imediato, reportando uma busca histórica de modo a reconstituir cenários e problematizar o supostamente conhecido [...].” (ZANELLA; SAIS, 2008, p. 683).

Concomitante ao processo de observação-participante, que na verdade permeou toda a pesquisa, inicei o que denomino de encontros coletivos. Estes se caracterizaram por conversas “sobre assuntos diversos, sem roteiro, sem norma, sem rotina” (Diário de campo, 09/06/2013). Criando assim, “um ambiente propício para que histórias, fábulas, devaneios emergissem desses encontros” (ALMEIDA, 2013, p. 34).

Uma conversa bem livre e espontânea, com alguns questionamentos tanto de curiosidade minha, como de interesse para a pesquisa. Desta forma, pude conhecer um pouco mais os jovens que já conhecia e eles puderam assim estabelecer certa

proximidade com a gente7. (Diário de campo, 09/06/2013).

Segundo Assis (2011), a utilização de encontros conjuntos (termo que a pesquisadora utiliza para falar de entrevistas coletivas) remete à dimensão do outro, à relação com a diversidade, tornando o diálogo mais rico e possibilitando assim análises mais profundas. Nessa perspectiva, os contatos não se reduziram a simples trocas de perguntas previamente preparadas. Eles aconteceram na relação entre sujeitos, de forma dialógica, em um processo onde

os sentidos são criados na interlocução e dependem da situação experienciada, dos horizontes espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado. As enunciações acontecidas dependem da situação concreta em que se realizam, da relação que se estabelece entre os interlocutores, depende de com quem se fala (FREITAS, 2002, p. 29).

Além dos encontros coletivos, decidi realizar também algumas entrevistas individuais. Estas entrevistas funcionaram como conversas informais, com foco nos objetivos da pesquisa. As perguntas foram cunhadas durante o processo, na dinâmica dos encontros, balizadas pelo olhar da pesquisadora sobre as vivências com esses jovens. Cada jovem escolheu o local em que gostaria de nos encontrar. Alguns nos convidaram para ir até suas casas e depois da filmagem ficávamos conversando, bebendo, tocando violão, trocando idéias. Em alguns casos eles convidaram outras pessoas para se integrar ao círculo.

Dentre os recursos empregados para registro das informações, como sugerido, estão as anotações em diário de campo. Inicialmente utilizei o diário como espaço para descrição das atividades realizadas. Os registros eram feitos em casa e já traziam certo distanciamento do vivido/experienciado. No entanto, aos poucos a própria escrita foi se modificando e estabelecendo assim um relato mais subjetivo, pautado a partir das vivências da pesquisadora com os jovens.

7

Quando relato sobre a inserção no campo de pesquisa, apresento o verbo no plural, pois nesses momentos contei com a participação constante de Ana Russi como auxiliar de pesquisa e responsável pelas gravações audiovisuais.

50

Para Larrosa (2002, p. 21), as palavras nomeiam quem somos, o que pensamos, o que fazemos, produzindo sentidos.

As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. Outro recurso para registro das informações foi a gravação audiovisual. As gravações compõem os materiais brutos utilizados para análise e escrita dessa dissertação. Nos encontros com os jovens (sejam coletivos ou individuais), estávamos sempre munidas de câmeras de vídeo e gravador mp3.

Durante toda a pesquisa de campo, contei com o auxílio de Ana Russi para a realização das gravações audiovisuais e fotografias. Para tal, utilizamos uma câmera fotográfica Nikon Coolpix P500, full HD movie 36x zoom; uma câmera filmadora Sony Hybrid DCR – SR45, 40x zoom óptico; e um gravador de áudio Sony IC Record ICD ux71. Nos encontros, coletivos ou individuais, a pesquisadora estabelecia uma conversa com os jovens, enquanto Ana Russi era a responsável pela gravação audiovisual. Em alguns momentos, a pesquisadora também realizou algumas filmagens e fotografias.

A partir das gravações audiovisuais, e ao final da escrita da dissertação, realizamos a edição de um documentário. Importante ressaltar que este não foi material de pesquisa analisado, sendo considerado produto da mesma, como meio de socialização da pesquisa em uma linguagem outra, que não a acadêmica.

A edição (no decorrer da pesquisa) de dois vídeos sobre as Manifestações ocorridas em Jaraguá do Sul também funcionou como recurso para a pesquisa. Eles também não foram material de análise da mesma, porém serviram como forma de divulgação dessas manifestações e como recurso para aproximação com os jovens. Outros procedimentos utilizados foram o contato via rede social Facebook, as entrevistas individuais e o recurso da fotografia, que receberão maior atenção no item 2.3.

As edições audiovisuais, seja dos vídeos ou do documentário, contaram também com a participação de Ana Russi, uma vez que a pesquisadora não possui domínio dos programas necessários para tal finalidade. É importante destacar que o roteiro definitivo, que conduz a direção do documentário e dos vídeos – a escolha das cenas, das falas, a linha mestra dos mesmos – foi de responsabilidade da pesquisadora, tendo em vista que estes resultam de sua pesquisa. Assim, o acabamento estético, a finalização da obra se realizou sob a ótica desta autora/artista/pesquisadora.

A escolha dos procedimentos foi um processo concomitante à pesquisa, direcionado de acordo com os anseios que emergiam a cada encontro. Segundo Freitas (2003), “[...] não se cria artificialmente uma situação para ser pesquisada, mas vai-se ao encontro da situação no seu acontecer, no seu processo de desenvolvimento" (p. 28).

Sob o olhar destes jovens, busquei conhecer suas singularidades e contextos, voltando o olhar para os sentidos produzidos por eles nas suas relações com as cidades, para que com a mediação dos procedimentos utilizados eles se (re)conheçam, se (re)inventem enquanto sujeitos ativos na construção de suas histórias. Desta forma, pensar a pesquisa com os jovens em um contexto urbano é pensar nas contradições vividas por eles e também nas tensões que aparecem durante o caminhar da mesma.

2.2 A fotografia, o documentário, os vídeos e o Facebook como