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Políticas e Resistências: paradoxos e tensões

A palavra política possui sua origem na expressão grega: ta

politika, que deriva da palavra grega polis (cidade), a qual define uma

comunidade de homens livres e iguais que possuíam dois direitos fundamentais: isonomia (igualdade perante a lei) e isegoria (direito de expor suas ideias em relação às atividades das cidades) (CHAUÍ, 1994).

Para Chauí (1994), o termo política pode ser utilizado para significar as atividades de certas pessoas (os políticos) ou atividades coletivas (feitas por membros da sociedade, dirigidas ao Estado), ou ainda, no campo institucional, para significar a maneira como uma instituição define sua direção, o modo como ocorre a participação dos funcionários nas decisões da empresa, quais suas ações prioritárias, onde empregar os recursos, entre outras decisões relativas à gestão.

Consoante com essa mesma perspectiva, Sousa (2005, p. 264) destaca que

A modernidade apreendeu o conceito de política como uma atribuição profissional que ocorre no espaço institucional, como uma administração própria e que legitima a representação da cidadania nas chamadas sociedades democráticas. Desenvolvida na lógica da divisão social do trabalho, a política foi consagrada ao longo dos tempos como uma conquista pelo seu campo de conhecimento da sociedade e pelos seus efeitos práticos de proteção. Sua definição, como forma de atividade ou praxes humana, está estreitamente ligada ao conceito de poder – como meio de domínio entre os homens e o elemento político,

desta forma, colocado como um ramo da administração no qual os indivíduos agem como autoridade e dinamizam instituições.

Portanto, a política é sustentada por diversos paradoxos e se apresenta como tensões existentes entre os muitos significados que a ela são atribuídos (CHAUÍ, 1994). Podemos relacionar os paradoxos que a autora apresenta aos estudos de Rancière (1996b) sobre a polícia e a política. Para o filósofo, a polícia é considerada um conjunto de normatizações que estabelecem a gestão dos corpos e criam uma racionalidade na gestão da vida. Encontra-se em contraposição à política, que para o autor é compreendida como um conjunto de atos que reconfiguram as normatizações da polícia.

É necessário compreender a subjetividade como eixo central na análise e planejamento daquilo que buscamos compreender como política, buscando superar a dicotomia entre razão e emoção, público e privado, pois a política não é algo externo à subjetividade. Ela se faz no encontro entre diferentes corpos, entre potências de ação, onde

há uma variação que se refere a uma variação de minha força de existir, da minha potência de agir, que fazem do corpo uma potência que não se reduz ao organismo e do pensamento uma potência que não se reduz à consciência. [...] Cada indivíduo é um grau de potência que corresponde a certo poder de afetar e ser afetado, de ter paixões e ações (Neves, 2010, p. 197).

Portanto, as práticas políticas são reinventadas a todo tempo, não sendo mais possível caracterizá-las pelas concepções clássicas. Paralelamente, as pesquisas que relacionam jovens e política também vêm, “cada vez mais, defendendo a definição de política para além daquilo que tradicionalmente fora compreendido em relação a este objeto de estudo, ou seja, a política institucionalizada" (Gomes e Maheirie, 2011, p. 362).

A subjetividade não pode ser pensada como totalizante, predeterminada ou até mesmo fixa, mas sim como descentrada, em conflito consigo mesma, em constante transformação. Consideramos importante repensar a visão identitária sobre a constituição das subjetividades (CASTRO; MENEZES, 2006; GUATRARI; ROLNIK,

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2010), a partir do reconhecimento das possibilidades de resistências que são produzidas na diferença, “na demarcação de novos possíveis e, fundamentalmente, na afirmação da vida e do singular que se tece e entretece na relação com outros e na convivialidade que precisa igualmente ser reinventada” (Zanella et al., 2012a, p. 250).

Assim como a subjetividade, é necessário também repensar a política, sem reduzi-la a uma prática ou uma posição social. A política “se atualiza nas relações sociais, nos vínculos que estabelecemos/rechaçamos e, sendo assim, articula intrinsecamente os termos da subjetividade (que depende da alteridade para se constituir) e da política [...]" (CASTRO; MENEZES, 2006, p. 13).

Considerando as problematizações apresentadas, a política pode ser reconsiderada a partir de sua dimensão antagônica, característica da sociedade, não podendo assim ser considerada determinada por uma ou outra esfera específica. Portanto, ao pesquisar com jovens, na contemporaneidade, é preciso atentarmos para as formas como esses se reinventam e se relacionam de diversas maneiras com o cotidiano que para eles se apresenta (GOMES; MAHEIRIE, 2011; CASTRO; MENEZES, 2006; ZANELLA et al.. 2012a; PRADO, 2002; RANCIÈRE, 2009).

Nessa perspectiva, é preciso compreender o conceito de política a partir da perspectiva do dissenso, que Rancière (1996b, p. 368) nos apresenta como a “divisão do núcleo mesmo do mundo sensível que institui a política e sua racionalidade própria”. Faz-se necessário superar a visão de que a política é apenas uma condição para conquista e manutenção do poder, sem capacidade transformadora, mero saber técnico que se encontra em contradição com aquilo que é subjetivo.

Portanto, conforme apresentamos no capítulo anterior, a política pode ser considerada como potência de existir e resistir que se estabelece nas relações entre sujeitos e contextos e que se encontra envolta por aquilo que me afeta e afeta o outro. “Através de criações que afirmam a potência de cada existência, os jovens resistem às formas de sujeição e submissão que lhes são imputadas, ao esquecimento e à condição de margem a que são relegados. Lutam, criam, insistem. Re- eXistem” (Zanella et al., 2012a, p. 257).

Pesquisas demonstram, como já destacado no capítulo anterior, que alguns jovens têm apresentado uma postura de descontentamento com relação aos rumos tomados pela política (BOGHOSSIAN; MINAYO, 2009; BORELLI; OLIVEIRA, 2010; BORELLI; ROCHA, 2008; SPOSITO, 2009; CASTRO, 2008). Este descontentamento se

estende aos destinos seguidos pelos movimentos sociais – muito ligados aos partidos políticos e em sua maioria comandados sempre pelas mesmas pessoas. Assim, existe a compreensão dos jovens acerca da necessidade de um novo agir político, que transforme a esfera da política, pois,

a política é sentida como uma forma de vida e de compreensão das relações sociais. Situar suas ações no horizonte da política significa para esses jovens dar novo sentido às experiências cotidianas à luz de outros entendimentos, que ampliam o raio de determinação dos acontecimentos. (CASTRO, 2008, p. 262).

No entanto, é preciso diferenciar a política que se faz na disputa do poder – que busca a homogeneização, a categorização, o alinhamento ao instituído para que se consiga governar de forma clara e tranqüila – da política que se apresenta na disputa entre os contrários que, em tensão, constroem o novo, conforme apresentado por Rancière (2009; 1996a; 1996b).

Essas duas perspectivas demonstram a diferença que existe entre aquilo que chamaremos de “política instituída e instituinte” e “política em processo e constituinte”. Nesta pesquisa, optamos por trabalhar com a política em processo, que dá espaço para as diversidades e que não institui nem impõe um único modo de pensar.

Consideramos possível e necessário uma modificação daquilo que é singular, visível, dizível, contável. Essa modificação se dá na prática do dissenso, nas tensões existentes que configuram o que é (com)partilhado dialogicamente (RANCIÈRE, 2009). E, também, com base no que Deleuze nos apresenta, essa modificação se faz nas pequenas ações de cada sujeito em relação com outros que o constituem. “É ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a um controle” (DELEUZE, 2008, p. 218). Não há como avaliarmos e estabelecermos um jeito ideal de fazer política, ela se realiza nos acontecimentos, nos encontros, na criação dos sujeitos e nos processos de subjetivação: “nesse mundo dos encontros, os corpos ganham a potência de produzir novos enunciados, sempre coletivos, inventam outros corpos, maquinam alegria e dor, engendrando outras subjetividades e seus próprios objetos” (Neves, 2010, p. 199).

Consideramos importante as micropolíticas, as possibilidades de partilha dos afetos, do sensível, na busca de outras formas de sentir e de

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se relacionar com os espaços e com outros sujeitos (DELEUZE, 2008; RANCIÈRE, 2009). Como afirmam Zanella et al. (2012a), é nas resistências que os jovens anunciam suas possibilidades de subverter os modelos homogeneizantes que negam e silenciam sujeitos e, desta forma,

evidenciam modos de intervir na cidade nem sempre orientados por um projeto de futuro, mas que se caracterizam pela condição aberta e agenciadora de possíveis no presente; que não declaram uma oposição e sim afirmam uma necessidade de existir, uma diferença (p. 137).