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Capítulo 2 – Comunicação científica 55 

2.2. O surgimento dos periódicos científicos 58 

2.2.1. A escolha de um periódico 75 

Dentre os principais motivos que levam os autores a escolherem o periódico em que desejam publicar está o prestígio da publicação, o público leitor e as chances de seu trabalho gerar citações, a presença de sua área de pesquisa e a chance de seu trabalho ser aceito. A análise foi publicada no Jama, em 1994, enfatizando que os fatores de escolha fortalecem um círculo vicioso que prejudica os periódicos iniciantes a se manterem: baixo fator de impacto gera baixa visibilidade, baixa adesão de autores e trabalhos de qualidade que, por sua vez, resultam em baixo fator de impacto. A

performance insatisfatória também diminui as chances do periódico conseguir

financiamento. O edital lançado no final do ano passado pelo CNPq e Capes (58/2008) de incentivo à editoração e publicação de periódicos científicos brasileiros, por

exemplo, exigia que os periódicos candidatos a parte da verba de R$5 milhões tinham que ser indexados no SciELO ou estar classificado com nota máxima de qualidade – à época A-Nacional, atualmente A1 e 2 – no Qualis da Capes, além de ter abrangência nacional e internacional quanto a autores, corpo editorial e conselho científico. O Qualis é uma listagem de periódicos usados pelos programas de pós-graduação para publicar da produção intelectual stricto sensu nacional, com o papel de avaliar a qualidade dos mesmos e que tem estabelecido o padrão de qualidade de periódicos científicos nacionais, alvo de inúmeras críticas, que será investigado mais a frente.

Imagem 3 – “A maioria dos cientistas considera o novo processo de revisão por pares como ‘uma certa melhoria’”. Cartoon retirado da internet, site www.cartoonstock.com

Pesquisa de Tenopir & King (2001) com base em estudos no período da década de 1970 até 2001 com cientistas, principalmente dos Estados Unidos, indicou que os periódicos científicos são os principais veículos de obtenção de informação e são amplamente lidos. A média de leitura de artigos científicos aumentou de 120 por ano na década de 1990 para 130 a partir do século XXI, sendo que os cientistas premiados leem mais, na média, do que os aqueles que nunca receberam um prêmio. A maioria lê entre 18 e 26 periódicos por ano. Segundo os autores, “o volume de conhecimento científico registrado em periódicos científicos dobra a cada 15 ou 17 anos”78. Artigo recente de Renear & Palmer (2009) concluem que os cientistas estão cada vez mais “escaneando” um número maior de artigos e diminuindo a leitura completa desses documentos. Em 1990, os cientistas liam cerca de 50 artigos por ano e escaneavam em torno de outros 180, enquanto no ano 2000 a leitura completa teria caído para cerca de 40 artigos e os olhos correram sobre mais de 220 artigos por ano; e em 2005, esses números teriam caído para cerca de 30 e superado 280, respectivamente.

Esses dados indicam que conforme multiplica-se o número de publicações científicas e, portanto, o volume de informação disponível, aumenta a competição e a importância de se ter visibilidade, tanto para os periódicos, quanto para os autores que querem que seus trabalhos sejam lidos e tenham alguma repercussão. Cria-se, assim, a atmosfera ideal para uma parceria com a mídia, uma ferramenta poderosa, diária e gratuita (no sentido do cientista não precisar pagar para divulgar seu trabalho) para potencializar a divulgação, a visibilidade e o impacto das pesquisas, resultados e descobertas científicas.

Os recursos digitais da internet também poderão promover, em breve, a forma de publicação periódica dos artigos, como sinalizou o editorial da Nature Chemistry79. Por que continuar a ser publicados semanalmente ou mensalmente se a internet permite a publicação diária? “Sem os fascículos, o que acontecerá com as imagens de capa?”, provoca o texto.

Além de entender as mudanças que a internet provocou na forma e no acesso às informações científicas e, portanto, nos periódicos científicos, é preciso compreender as mudanças que ocorreram no comportamento dos cientistas em relação a tão valiosa e

78

Tenopir e King (2001), p.18.

recorrente fonte de conhecimento. Em artigo publicado em julho de 2008 na Science, James Evans polemizou ao concluir que quanto maior o número de periódicos disponíveis online, menor é o número de periódicos e artigos citados e as citações se concentram num número reduzido de artigos. Outra armadilha da era digital seria, segundo o autor, apesar dela ter melhorado a questão da indexação e busca por informações, acabou facilitando a busca por opiniões predominantes e contribuindo para o consenso científico e, ao mesmo tempo, ideias e descobertas que não sejam rapidamente consensuais são rapidamente esquecidas. Uma das razões para esse resultado é que os cientistas estariam usando ferramentas de busca online com mais frequência do que fazendo buscas manuais (por exemplo, diretamente em periódicos disponíveis na biblioteca ou de assinaturas pessoais), através das quais se encontraria literatura mais marginal. Com isso, eles chegariam a artigos mais citados ou acessados rapidamente. Evans analisou cerca de 34 milhões de artigos, as citações que receberam (de 1945 a 2005) e sua disponibilidade online (de 1998 a 2005), por meio de acesso ao banco de dados WoS.

Embora interessante e sedutor, os resultados de Evans foram refutados por Larivière et

al (2008), que usaram a mesma base de dados e analisaram os dados frente a três

metodologias, uma delas equivalente à utilizada no trabalho anterior ao deles. Dentre os métodos utilizados, os pesquisadores franceses constataram que as citações não estão ficando mais concentradas, mas estão cada vez mais dispersas, demonstrando que o sistema científico está cada vez mais eficiente no uso do conhecimento publicado e mais democrático. A análise foi realizada nas 4 áreas do conhecimento de forma separada (ciências naturais e engenharias; ciências sociais; humanas e ciências médicas) e traz um certo alívio em relação ao trabalho de produção científica, indo ao encontro de uma expectativa criada com a era digital que facilitaria o acesso à informação científica e democratizaria o conhecimento.

Mas há outros elementos que influenciam as citações de artigos, como enfatizaram Haque & Ginsparg (2008) que analisaram uma correlação entre a ordem e horário em que os artigos são divulgados por meio de anúncios enviados diariamente por email, RSS ou do próprio site, e seu impacto de citação. Tomando como exemplo a área de astrofísica, os artigos anunciados primeiro receberam, em média, um número de citações 83% superior aos anunciados em posições posteriores. Os autores atribuem o resultado a uma maior visibilidade recebida pelos artigos e que acaba gerando maior

número de leitores e, posteriormente, resultando em maior número de citações. Apenas os dois primeiros artigos ficam visíveis na tela do computador e é necessário rolar a barra lateral para ter acesso aos demais. Os autores identificaram um pico de submissões que ocorre das 16hs às 16h10, cinco vezes mais artigos do que nos horários fora do intervalo 16h-16h30. Trata-se, segundo eles, de uma intenção de autopromoção por parte dos autores, que sabendo da política de publicação que disponibiliza os artigos no dia seguinte, por ordem de recebimento, a partir das 16hs (horário do leste dos EUA, ou EST/EDT) se organizam para submeter seus artigos no horário inicial. Mas há ainda o efeito da visibilidade, naturalmente provocado pelos artigos que acidentalmente são publicados nas primeiras posições, ou seja, aparecem na parte superior do site do arXiv e, portanto, recebem mais destaque. O artigo ainda lembra outros fatores que podem contribuir com o aumento no número de citações de um artigo, entre eles, um número maior de co-autores, o número de páginas e fatores de visibilidade proporcionada pela cobertura da mídia ou o destaque na capa do periódico.

Não há dúvida, no entanto, que o rápido crescimento da rede mundial da internet, que no Brasil ocorreu a partir de 1994, permitiu o acesso a uma gama imensa de informações científicas, e impulsionou a divulgação da produção científica e sua visibilidade. “Resgata-se, neste instante, a importância da comunicação científica como veículo propulsor da troca de informações e de cooperação entre pares, na construção e evolução rápida do conhecimento e edição de periódicos científicos, que representam o registro oficial, sendo a sua preservação essencial para a continuidade do ciclo evolutivo” (Fachin & Hillesheim, 2006).

Atualmente, os objetivos buscados pelos periódicos científicos têm sido descritos por muitos autores, podendo variar singelamente de acordo com cada um deles, e se modificam ao longo dos anos. A definição de Severino (2000)80 consegue abarcar boa parte das metas mais importantes:

(...) O papel das revistas científicas é fundamentalmente a comunicação dos resultados dos trabalhos de pesquisa à comunidade científica e à própria sociedade como um todo. Elas promovem normas de qualidade na condução da ciência e na sua comunicação. Consolidam critérios para avaliação da qualidade da ciência e da produtividade dos indivíduos e das instituições. Consolidam subáreas de conhecimento. Garantem a memória da ciência. Representam o mais importante meio de disseminação do conhecimento em escala. São instrumentos de grande

80

Severino, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 21 Ed. São Paulo: Cortez, 2000. Apud Fachin e Hillesheim (2006), p.23.

importância na constituição e institucionalização de novas disciplinas e disposições especificas.

Miranda e Pereira (1996), em revisão da literatura sobre periódicos científicos, acrescentam ainda o papel de constituírem um importante arquivo público, de estabelecerem prioridades da descoberta científica, além de cumprirem “funções que permitem ascensão do cientista para efeito de promoção, reconhecimento e conquista de poder em seu meio”. Embora este último papel não seja assumido pelos cientistas, fica patente sua crescente importância na atualidade, dado o aumento das demandas por publicações e em periódicos de prestígio, como acaba determinando a exigência por quantidade de artigos e qualidade, medida, sobretudo, por meio do fator de impacto (FI) dos periódicos.

As entrevistas conduzidas, nesta tese, com cientistas ligados a instituições brasileiras que publicaram na Science e Nature, deixarão claro que esse pode não ser um objetivo declarado, mas é, na prática, uma consequência tomada como positiva.