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Capítulo 3 – Os periódicos Nature e Science 100 

3.7. Considerações finais do capítulo 135 

A história de Nature e Science como publicações híbridas de revista e periódico, onde emergem conteúdos científicos com a fluidez e atração do jornalismo, a avaliação por pares realizada por cientistas de prestígio internacional, que lhes confere prestígio e credibilidade, seções que trazem artigos científicos escritos por cientistas ao lado de notícias sobre ciência escritas por jornalistas são as principais características responsáveis pelo sucesso de público profissional e não especializado dessas publicações. A essência de serem veículos que servissem a cientistas, ao progresso da ciência e ao público geral expressada nas primeiras edições ainda vigora.

Porém, neste mais de um século de história ambas as publicações puderam experimentar inúmeras combinações de composições de equipe, financiamentos, públicos e conteúdos para chegar ao formato atual, considerado bem-sucedido, tendo em vista o grande número de assinantes das edições impressas e online e sua repercussão nos meios de comunicação de massa internacionais, bem como o impacto que as pesquisas e temas por elas tratadas adquirem na comunidade científica, considerando o grande volume de citações que recebem, o fator de impacto em relação aos demais periódicos, além da repercussão que os temas nelas publicados recebem em publicações, eventos e políticas científicas. Com a digitalização das informações, por meio da internet, a partir dos anos 1990, o alcance dessas publicações sofreu uma globalização, que pode ser notada pelo contínuo decréscimo das assinaturas de edições impressas versus os acessos das edições online, como foi retratado neste capítulo. Essa talvez seja a principal e mais poderosa mudança que esses veículos de comunicação científica enfrentaram desde sua criação,

potencializando seu papel como retrato do cenário da ciência mundial, muito embora por mundial deva ser entendido como a ciência desenvolvida nos Estados Unidos e Europa, sobretudo. Outra grande mudança foi a promoção desses periódicos com a ênfase dada à cientometria, que torna as competições mais acirradas, tanto para aqueles que optam por submeter seus artigos, quanto para que os periódicos melhorem “suas marcas” a cada ano, buscando, para isso, articulistas e trabalhos que possam gerar mais interesse, mais polêmica, mais citações, mais impacto, mais visibilidade. Nature e

Science representam, assim, uma mudança no papel dos periódicos científicos, de modo

geral. Criaram um estilo híbrido de comunicação científica que demanda agilidade, rigor e interesse, nem sempre nas mesmas proporções, mas que causam polêmica, crítica, debate, curiosidade, visibilidade. Sua parceria com o jornalismo amplia o alcance ao público acadêmico, dialoga com a sociedade, ao mesmo tempo em que promove os periódicos.

Um prestígio conscientemente construído desde sua concepção. Sua história de credibilidade científica, cercada por profissionais reconhecidos e que gozam de status internacional, construiu a imagem de veículos que lidam com a verdade científica – apesar dos casos de fraude e plágio já registrados –, com a inovação e ineditismo de pesquisas, e arena de debates sobre o que há de mais importante na ciência que resultou em fontes de informações essenciais para os jornalistas de ciência, que comodamente contribuem para deixar seus títulos em evidência, bem como o fazem os cientistas colaboradores ou que têm seus trabalhos aprovados. Fato que ficará mais claro no próximo capítulo.

Se, por um lado, Nature e Science adquiriram um status e autoridade que poucos veículos conquistaram na academia, por outro, possuem características que, a meu ver, poderiam ser absorvidas pelos outros periódicos para que passassem a ser mais interessantes aos seus leitores e ampliassem seu papel de atuação na comunidade de especialistas e até na sociedade. Para tanto, o exemplo de equipes profissionais trabalhando com exclusividade no trabalho de edição e de redação de artigos, certamente tem muito a agregar à qualidade dos conteúdos e à agilidade de atuação, bem como em atrair cientistas para um nicho profissional pouco explorado, no que diz respeito ao Brasil, mas também a outras nações. Função essa que pode ainda ser melhor executada quando os editores desenvolvem suas habilidades jornalísticas ou comunicativas, com o diferencial de conhecerem os meandros do fazer científico.

Certamente, Nature e Science têm servido de modelo para alguns periódicos, sobretudo por meio da família de publicações que a partir delas foi gerada, e que pressionam para ampliar o diálogo junto ao público não especializado, porém interessado em ciência ou científico. Esses periódicos de alto impacto também servem de modelo para que se dobre os cuidados em relação a pesquisas sensacionalistas, fraudulentas, plagiadoras ou de má qualidade, já que as atenções estão bem voltadas a eles e, portanto, há revisão por pares (por meio dos leitores) também após a publicação dos artigos, que cuida de olhar os detalhes e a abrangência das pesquisas que os pareceristas e editores – sobretudo na sede de encurtar os prazos de avaliação e publicação – não foram capazes de verificar.

É preciso atenção, no entanto, para o fato de representarem um estreito funil que abarca apenas algumas áreas do conhecimento e de sua influência marcar a perigosa percepção de que a ciência ali publicada tem mais valor que as demais. A fragilidade está em se tornarem o centro do debate, da visibilidade, do jornalismo de ciência, com grande influência na definição de uma agenda política de C&T. Esse é o quadro que os demais periódicos, sociedades científicas e veículos de comunicação precisam visualizar para fortalecer outras visões, atuações, contribuições. As limitações de Nature e Science devem ser sanadas, sobretudo, pelo fortalecimento e valorização dos demais periódicos, como tem paulatinamente ocorrido e a minimização da importância e impactos de

Science e Nature.

Apesar de sua supervalorização em termos acadêmicos para aqueles que em suas páginas conseguirão publicar suas ideias e seus trabalhos, Science e Nature contribuem para o debate da ciência com mais sucesso do que a maioria dos periódicos científicos, graças a sua ampla visibilidade, seja provocando o debate sobre o conteúdo que publica ou sobre os acontecimentos em que ambos periódicos acabam se vendo envolvidos (casos de plágios, alta citação, FI, fraudes, sensacionalismo, entre outros), que – ao contrário – pararam no tempo e continuam centrados no formato tradicional de periódicos científicos (geralmente com editorial, artigos, revisões, resenhas e, por vezes, cartas ao editor).

É preciso lembrar, ainda, que apenas um público restrito tem condições, inicialmente, de ter uma pesquisa que se enquadre no escopo dessas publicações; desses, um rol ainda menor consegue ter um trabalho aprovado (menos de 10%); as publicações neles divulgadas devem ser, normalmente, republicadas de forma mais detalhada e expandida

em outra publicação, uma espécie de autoplágio159 autorizado, pelo pouco espaço disponível em Nature e Science, mas, sobretudo, por seu perfil. Fica aqui mais claro o caráter de veículo de comunicação rápida, informativa ou jornalística à comunidade científica internacional. Portanto, a valorização desses periódicos deve ser minimizada frente aos demais periódicos, sem desmerecer seu valor, mas reconhecendo que suas características são muito distintas das demais publicações para serem a elas comparadas, incluindo, sobretudo, os índices cientométricos.

159

O autoplágio é uma prática em que o próprio autor do trabalho duplica parte substancial de seu artigo e o republica em outro periódico. “É lícito mostrar diversos aspectos de uma mesma pesquisa em periódicos distintos (e que usualmente estão voltadas a leitores distintos), mas não se pode considerar lícito publicar artigos idênticos em mais de um periódico”, afirma o editorial de Información Tecnológica, Vol.19, no.4, 2008. Normalmente, os artigos publicados em Science e Nature, como resultado do espaço reduzido são posteriormente publicados em outros periódicos acrescentando-se cálculos, detalhamentos de metodologias e conclusões, antes não abordados.