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Capítulo 1 – Produção científica 22 

1.4. Considerações finais do capítulo 51 

Não há dúvidas de que os indicadores sobre a produção científica brasileira evidenciam um salto qualitativo, nos últimos 40 anos, período em que o país formou um número significativo de cientistas com produção científica crescente em qualidade internacional, estruturou-se sistemicamente, priorizou C&T como estratégia de governo, reservando recursos financeiros em todos os níveis, medindo seu progresso e planejando a gestão e execução de projetos. Agora, para que o progresso científico adquira impacto internacional, como tem sido a meta de gestores, tomadores de decisão e cientistas, o foco deve ser, mais do que aumentar ainda mais os investimentos e proporção per

capita de especialistas, otimizar e alavancar o potencial da estrutura da ciência nacional

O cenário atual indica que há plena percepção de que quantitativamente o país está colado aos desenvolvidos e parte das dificuldades de acesso dos brasileiros em periódicos científicos se daria em função de preconceitos dos editores científicos em relação a cientistas de países em desenvolvimento. A análise dos aspectos envolvidos nessa escolha, acredito, está muito mais ligada a um pré-conceito de editores e revisores do que atrelado ao fato de um autor fazer parte ou não de uma rede social da academia do que pelo simples preconceito cultural. Ou seja, o artigo é avaliado, por seu conteúdo, mas também por seus autores e instituições a que pertencem, que funcionariam como um histórico de procedência. Exemplo disso são os autores brasileiros que, após conseguirem publicar na Nature e Science, acreditam que seu acesso a novos aceites nestes e em outros periódicos de alto impacto é facilitado, como será mostrado no capítulo 4. Outro ponto a ser enfatizado é a qualidade dos artigos submetidos e, posteriormente rejeitados. As rejeições ocorrem não apenas por falta de qualidade, mas por forte competitividade ou por significarem quebra de paradigmas e, portanto, podem significar um risco aos revisores e editores. No entanto, parte das rejeições ocorre por falta de qualidade, é preciso um olhar crítico dos autores e a prática de ações que possam significar uma avaliação do artigo antes mesmo de sua submissão, de modo a fortalecer os argumentos e melhorar a qualidade dos trabalhos, ao mesmo tempo em que cada artigo deve ser escrito de acordo com o perfil de cada periódico. Minha experiência na edição de uma revista científica, hoje voltada à divulgação da ciência, mas com longa tradição de periódico e que recebe submissões da academia, indica que é grande a falta de cuidado dos leitores em adequar seu artigo ao escopo de cada publicação. Acredito que as submissões são feitas simultaneamente a vários periódicos, na tentativa de multiplicar as chances de aceite, mas a estratégia acaba revelando-se justamente mais propensa a resultar em rejeição. Em periódicos de alto impacto, como os aqui analisados, o cuidado deve ser triplicado, pelo alto número de submissões e espaço reduzido de publicações.

É possível, em pouco tempo, que o Brasil conquiste posição em desenvolvimento de C&T similar ao posto que ocupa na economia mundial – 8a do ranking –, mas é preciso um salto qualitativo que não tenha apenas como meta a melhora dos índices cientométricos, mas especialmente das bases do fazer científico, aqui postos como a educação superior, com ênfase na qualidade da formação de pós-graduandos, e que está diretamente relacionada às condições da carreira científica e docente atuais, e da simplificação dos trâmites necessários para o trabalho cotidiano nos laboratórios e no

campo. É necessário ainda recuperar os valores da ciência brasileira como meio de melhorar rapidamente o desenvolvimento social, que está ainda distanciado da realidade científica. Dados de 2009 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) indicam que o Brasil amarga a 75a posição no ranking de países com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (0,813), atrás da Coreia do Sul (26a), Chile (44a), Argentina (49a), Uruguai (50a), Cuba (51a), México (53a), Costa Rica (54a), Venezuela (58a) entre outros. Muito embora este valor de índice seja considerado de elevado desenvolvimento humano, é preciso esforços voltados para a área social tão apaixonados quanto os que a área científica e tecnológica têm presenciado. O mesmo vale para a performance do país na educação básica. Em relação ao restante do mundo, o Brasil ocupa a 88a posição no Índice de Desenvolvimento de Educação para Todos criado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).

Para tanto, deve-se mudar o enfoque do debate quantitativo para o qualitativo, com esforços para que a cultura científica seja para oferecer educação e formação de qualidade, melhores condições de trabalho, incentivando jovens cientistas e seniores a produzirem e contribuírem com ciência, produtos e instituições de melhor qualidade para, consequentemente, produzirmos índices melhores, e não o caminho contrário. É preciso valorizar o cientista brasileiro, dando incentivos de trabalho para desenvolver pesquisas mais ousadas e originais, sem a pressa de fragmentá-la em inúmeros artigos de baixo impacto e para que possa formar melhores cientistas e profissionais. A supervalorização da publicação de artigos, em primeiro lugar, e em periódicos de alto impacto é uma estratégia frágil e que despeja a ciência em publicações, muitas vezes, desinteressantes e que ficarão, cada vez mais, à margem da tão desejada ciência que se quer internacional e desenvolvida.

A filosofia dos institutos de pesquisa do final do século XIX que conseguiram com algum sucesso inovar cientificamente na área da saúde, agricultura e geologia, para citar alguns exemplos, tendo a economia, cultura e sociedade brasileiras como sua meta serve como fonte de inspiração para as instituições que visam atingir patamares de país desenvolvido, muitas vezes com o mesmo foco internacional. O desafio é inovar nas pesquisas, querer que a ciência nacional se iguale a do mundo desenvolvido, sem que haja uma profunda reestruturação do ensino superior, que seja capaz, a curto e médio prazo, de formar futuros cientistas mais criativos, questionadores e motivados a

contribuir para melhorar, inclusive, o quadro burocrático e político da ciência, que atualmente cerceiam a agilidade do fazer científico e comprometem a qualidade da pesquisa produzida. A mudança, em outras palavras, deve ser mais profunda do que na melhoria dos números de artigos indexados publicados, das citações recebidas em relação ao restante do mundo, na quantidade de cientistas e doutores per capita. Deve incluir abertura de postos nas universidades públicas para não sobrecarregar docentes, melhor remuneração para os pesquisadores de institutos de pesquisa e estabelecimento de prioridades de investimento – sendo este último parte de projetos já em prática por agências de fomento como o CNPq e FAPESP.

Não se quer aqui minimizar a importância das parcerias internacionais, nem tampouco de se investir em pesquisas de ponta para que o país não se torne dependente das tecnologias estrangeiras. Mas é preciso esforços para que a melhoria dos índices de produção acadêmica contribua para mudar o cenário de desenvolvimento social, sobretudo educacional do país, a exemplo do propósito de atuação dos institutos de pesquisa do final do século XIX e início do XX. Recentemente, a situação dos institutos foi foco de matérias jornalísticas que relataram as dificuldades financeiras45 da carreira de pesquisador46, a frágil situação de infraestrutura do Instituto Butatan que, nos últimos anos, priorizou a produção de vacinas, deixando a pesquisa básica para último plano e sofreu um incêndio que destruiu sua coleção de cobras, aranhas e escorpiões47.

No próximo capítulo investigarei a história dos periódicos científicos, a mudança de seu papel ao longo do tempo e os principais entraves atuais que emperram a qualidade da produção científica nacional. Os periódicos são o principal veículo de comunicação científica e meio de medir a produtividade individual, institucional e das nações. São parte constitutiva da institucionalização da ciência e, portanto, absolutamente fundamentais para entendermos a crescente exigência por produtividade e os resultados que ela tem produzido.

45

Institutos de pesquisa buscam autonomia para crescer”, Ciência e Cultura, Vol.56, no.3, 2004. 46

A situação precária dos pesquisadores”, na revista Caros Amigos (março de 2010). 47

“Incêndio destrói mais de 500 mil amostras do Instituto Butantan”, jornal o Estado de S.Paulo, (15/5/2010). “Guardar cobra é "bobagem", diz ex-presidente do Butantan”, jornal Folha de S.Paulo