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Capítulo 2 – Comunicação científica 55 

2.1. Aproximando e afastando a academia e o público 55 

Michael Faraday, químico e físico inglês, proferindo palestra para público, então diretor do Laboratório da Royal Institution, em série de 19 palestras de Natal iniciadas em 1825, com foco no público jovem. Iniciativa seria seguida por outras instituições

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis48 emocionou 2,5 mil pessoas na Aula da Inquietação, promovida pela UnB em agosto de 2009. “Como hóspede inquieto, meu primeiro ato de inquietação será descer do palanque e conversar ao lado de vocês”, disse. Foto: Roberto Fleury/UnB Agência

Os periódicos científicos são o principal meio de comunicação formal acadêmica e a eles é atribuído o peso de determinar a produtividade de indivíduos, instituições e nações, como tratado no capítulo anterior. De um meio de comunicação para impulsionar o fluxo de informações e avanços científicos eles passaram, nos últimos 50 anos, a também medir o crescimento dessa própria ciência e a apontar, por meio dos índices cientométricos e visibilidade, áreas sensíveis para investimentos. Do final do século XVIII ao XXI o número de periódicos explodiu, colocando, num primeiro momento, o termo “publicar ou perecer” em evidência, e, posteriormente, acentuando a necessidade de um novo desafio: “ser citado ou perecer”. Em outras palavras, a quantidade deixou de ser essencial para ceder lugar à qualidade e esta, por hora, é medida por meio da visibilidade, traduzida em número de citações que um artigo recebe. Na prática, é isso que tem ocorrido, embora críticas efusivas apontem que nem sempre ser citado significa ter qualidade, como o caso de artigos que apenas são reconhecidos por contribuir tardiamente em relação à data de publicação, como o clássico exemplo de Johann Gregor Mendel49. Há também o argumento que nos leva a refletir sobre os temas científicos da “moda” que acabam atraindo maior atenção tanto dos cientistas quando dos governos e, consequentemente, do público, e terminam por

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Nicolelis é chefe do laboratório de neuroengenharia da Universidade de Duke, Estados Unidos

49 Mendel (1822-1884) trabalhou com hereditariedade em cruzamentos que realizou com

ofuscar outras áreas prioritárias para o desenvolvimento da ciência, como foi o caso dos pesados investimento aos inúmeros projetos genoma, que prometeram, sobretudo a partir dos anos 1990 no Brasil, a solução para problemas de grande dimensão econômica – como a conclusão do genoma do causador da doença amarelinho, a Xylella

fastidiosa, – e de saúde – como o genoma do câncer, para citar apenas dois exemplos,

que embora tenham avançado o conhecimento, ainda não entregaram os produtos prometidos.

Por hora, o que temos são índices que nos dão pistas – muito mais do que mostram – sobre a produtividade e a qualidade desta. Índices esses que tanto mobilizam a melhoria de periódicos nacionais, como será tratado mais adiante, quanto condenam outros a encerrarem suas atividades, por quebra de periodicidade ou falta de boas contribuições diante da severa competição. Mas os considero como necessários, embora haja um exagero relativo à sua real importância.

Nesse cenário, a mídia aparece como importante ferramenta para disseminar a informação, meio alternativo de chegar ao pesquisador, motivar seu interesse, leitura e menção em uma próxima pesquisa, sobretudo a partir dos anos 1980 quando, no Brasil, a mídia passa a ter mais interesse pelos assuntos da ciência e investe em veículos e profissionais especializados. Para reforçar a relação mídia-academia está um cientista mais consciente e atuante, seja por acreditar que seu envolvimento é parte de um processo democrático e que leva a circulação do conhecimento e a mudanças de atitudes sociais e/ou seja por saber da importância da visibilidade para o seu trabalho. De outro lado, a supervalorização dos índices que medem a produtividade – dos quais o fator de impacto, o número de citações de um artigo e o fator h estão entre os mais frequentes – tem levado cientistas a escolherem seus periódicos pelo fator de impacto, prioritariamente, e a buscarem a mídia para anunciar os resultados de suas pesquisas, de modo a otimizar sua visibilidade, mas também como forma de levar a informação para a sociedade. Atitude essa que deve ser comemorada por jornalistas e divulgadores de ciência, mas com o devido cuidado para apurar os interesses em jogo e os fatos anunciados que, quase sempre, por se tratar de uma descoberta que passou por avaliação por pares em periódico conceituado, são simplesmente tomados como verdade incontestável50.

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Um dos casos recentes mais notáveis é o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) que anunciou em 2007 Que as mudanças climáticas eram causadas pelos seres humanos.

Mas não foi sempre assim. No século XIX, a comunicação pública da ciência era parte do dever acadêmico, atividade que estava no bojo das sociedades científicas. Mas a intensa especialização do conhecimento afastou a academia da sociedade, talvez como resposta, por um lado, à necessidade de otimizar o tempo gasto na seleção e análise de informações relevantes e, por outro lado, para se voltar, cada vez mais, para as demandas de produção individual. Dentre as consequências, a atividade de divulgação científica passou a ser mal vista entre acadêmicos até meados do século XX51, o que fomentou a profissionalização de jornalistas de ciência. Cientistas e jornalistas tornaram-se avessos ao papel que o outro desempenhava na divulgação científica, sem que houvesse a preocupação do diálogo para entendimento da função fundamental que ambos deveriam desempenhar.

Com os mecanismos de busca digitalizados, os bancos de dados de indexação de publicações, o grande número de alunos ligados a docentes como massa intelectual produtiva, as colaborações e parcerias intra-institucionais e internacionais possibilitaram multiplicar as ações dos cientistas, sem perda em produtividade ou desatualização nas informações. Em outra frente, as superespecialidades científicas buscam abordagens mais contextualizadas, integradas e multidisciplinares, como resposta a questões cada vez mais complexas que necessitam de inúmeros olhares. Com isso, cresce a necessidade de investimentos em pesquisa, o número de parcerias e, consequentemente, a demanda e dever por esclarecimentos por meio do debate junto à sociedade.

A era da informática permitiu que a informação científica fosse mais bem gerida, facilitando o acesso a fontes, avaliações e colaborações antes dificultosas. A linguagem digital aproximou público de especialistas e motivou o acesso destes a canais de divulgação e crítica a sua especialidade ou a qualquer outra que lhe apeteça, sem a formalidade de antes. Em resumo, a comunicação informal (hoje representada por emails, mensagens de blogs, páginas pessoais, tweets52 e conversas, por exemplo) ganhou relevância e, muitas vezes, se confunde com a formal (artigos, conferências, Relatório este produzido por mais de uma centena de cientistas de instituições de pesquisa reconhecidas e que passa a ser contestado apenas neste ano com o anúncio de erros que foram cometidos por alguns dos autores.

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Até os dias atuais, alguns cientistas ainda não veem com bons olhos colegas que se aparecem ou contribuem com à mídia, sobretudo quando se trata da televisão.

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Segue as definições de termos usados: Blog (1997) – página digital que trata sobre um tema de interesse do(s) seu(s) autor(es) e que permite a publicação de comentários de seus visitantes. Tweets – mensagens com até 140 caracteres que são enviadas ao longo do dia para o Twitter (2006) – rede social que agrega mini-blogs.

etc), pois faz uso das mesmas ferramentas tecnológicas. Os formatos de periódicos e revistas de divulgação da ciência também se mesclaram, a exemplo do que ocorria no século XVIII em que não havia distinção clara entre um e outro. Segundo Meadows (1998, p.13), as mudanças no conteúdo dos periódicos são uma simples resposta à necessidade de se manter o fluxo de informações, quando o volume de comunicação cresce constantemente.

Neste capítulo, faz-se um histórico sobre os periódicos científicos, seu papel e suas transformações ao longo de quase 350 anos. Em meio a montanhas de artigos publicados, a visibilidade passou a ser palavra de ordem, contribuindo para a abertura da academia para a sociedade. A hipótese aqui levantada é de que os periódicos contemporâneos começam a resgatar o espírito dos primeiros, enfocando a divulgação para públicos mais amplos, utilizando, para tanto, canais de comunicação alternativos aos tradicionalmente usados, muito embora os objetivos e motivações sejam diferentes. Os periódicos aqui examinados, Science e Nature, saem na frente com propósitos bastante claros de disseminarem amplamente a informação científica, manterem a visibilidade e o impacto, seja em favor da ciência e/ou da sobrevivência destes próprios veículos. Trata-se de publicações que lançam tendências e inspiram o formato e estratégias de outros periódicos. Portanto, a análise das transformações e movimentos vivenciados por Nature e Science, tendo como exemplo as contribuições de cientistas ligados a instituições brasileiras, darão boas pistas sobre o futuro da comunicação científica e sobre as mudanças no papel dos periódicos na academia.