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5.2 Orientações ao professor

5.2.2 A escolha do livro didático

Entre pesquisadores e linguistas, há nuances e opiniões distintas sobre o livro didático, dividindo aqueles que defendem sua adoção e aqueles que desconsideram a eficácia desse artefato como apoio didático. Para Geraldi (2010), o livro didático é um material pretensioso, centrado no ensino e não na aprendizagem, como deveria ser. Possenti (1994) articula que o grande mal do livro didático é a resposta certa, a leitura baseada na autoridade e não no trabalho interpretativo, leitura única para todos os alunos da mesma série, no mesmo ano, no mesmo país.

Já Rojo (2007) defende que o professor que se coloca em diálogo com o livro não perde sua autonomia e para os alunos é um dos poucos materiais escritos que terão em casa como base de práticas letradas. Para Bunzen e Rojo (2008), o livro didático não é o simples suporte de um conjunto de textos desalinhados, é um gênero do discurso onde há unidade discursiva, autoria e estilo. Embora estejamos de acordo com a perspectiva dos autores em tomar o livro didático como gênero discursivo, cabe lembrar que esse material é, na maioria das vezes, utilizado nas escolas de forma fragmentada, intercalando-se com outros materiais prescritos das esferas estaduais e municipais. Sendo assim, quebra-se a unidade discursiva proposta pelo autor do livro didático que passa a ser utilizado simplesmente como um suporte de textos didatizados oriundos de diversas esferas de circulação.

74 Além disso, Bunzen e Rojo (2008) destacam que o livro didático é um gênero altamente submetido a controles e que, desde seu surgimento até hoje, atende a interesses de sua esfera de produção e circulação. Atualmente, no âmbito do PNLD, um desses interesses que orientam o discurso de autores é a adequação aos descritores das avaliações externas como o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) e a Prova Brasil, em que as escolas visam alcançar metas numéricas. Cientes disso, as próprias editoras divulgam seus títulos ressaltando tais características. A Editora Saraiva18, por exemplo, destaca na divulgação de suas coleções atividades e testes alinhados à Prova Brasil e ao SARESP.

Consideramos o livro didático como um recurso eficiente ao processo pedagógico, desde que não seja tomado como único instrumento regulador da prática, e que preveja seleções e adaptações. No entanto, independente de seu próprio posicionamento quanto ao livro didático, a cada triênio o professor depara-se com a tarefa de escolher qual a melhor proposta para seus objetivos de ensino, tendo como parâmetros para essa escolha o currículo oficial, a seleção de conteúdos, a ordem em que se apresentam, abordagem tradicional ou contextualizada, unidades organizadas por eixos temáticos ou por gêneros discursivos... Além da tentativa de articular esse material a outras propostas que adentram a escola: avaliações externas, olimpíadas, livros paradidáticos, programas de ensino apostilados, dicionários, entre outros.

Na última escolha do PNLD - para o triênio 2016, 2017, 2018 – o MEC pré-selecionou dezesseis opções de livros didáticos de língua portuguesa para alunos de 4º e 5º anos. Deste modo, abre-se um leque de opções ao professor em que surgem diferentes perspectivas do ensino de língua materna e diferentes propostas de organização de conteúdos. Embora, essas obras sejam pré-selecionadas, a tarefa concedida ao docente sobre a decisão final deixa uma falsa sensação de liberdade sobre sua prática: o professor pode escolher a abordagem que considerar mais adequada, desde que esteja dentro dos limites pré-estabelecidos pelo MEC para essa escolha.

Embora nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o MEC conceba a leitura e a escrita como sub-blocos complementares em um processo de letramento, entendido como práticas discursivas produto da atividade social (BRASIL, 1998), o conceito sobre o ensino da

18 <http://www.saraivaeduca.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=185&Itemid=1>. Acesso

75 língua pretendido não se mantém uniforme no Guia PNLD para escolha de livros didáticos para as séries iniciais do EF, que se divide em duas categorias. A primeira parte do Guia apresenta as coleções destinadas ao Ciclo de Alfabetização (1º ao 3º ano do EF) e são nomeadas como Alfabetização e Letramento. Os livros destinados a alunos de 4º e 5º anos são nomeados como livros de Língua Portuguesa. Ora, se o aluno de ensino médio está também em processo de letramento (KLEIMAN, 2007), que se estende por toda a vida, entendemos que as atividades do livro didático, que pressupõem o uso da língua escrita, sejam eventos de letramento e, assim, não se justifica a dupla classificação dos livros, a não ser que se limite ao embate de alfabetizar versus letrar.

Sobre as opções de abordagem linguística, o Guia (BRASIL, 2015, p.151) traz indicações nas resenhas sobre as obras aprovadas do tipo: “a ênfase dada ao conteúdo gramatical é motivada pelo gênero textual”, ou “os recursos linguísticos são explorados considerando-se a construção de sentidos” (p.154), ou ainda, “ênfase normativa, referente a regras do uso formal da língua e classificação de elementos gramaticais” (p.156), entre outras acepções encontradas na descrição das obras, que permitem ao professor uma escolha consciente do tratamento a ser dado aos aspectos linguísticos na aulas de língua portuguesa.

Sobre atividades que articulem livro didático e dicionários é feita uma menção sobre os dicionários de Tipos 1 e 2, porém, sem muita ênfase nesse aspecto a ser analisado durante o processo de escolha. Talvez, porque essas atividades, hipoteticamente, constem de maioria das obras do PNLD/2016, mesmo que ainda de forma insatisfatória. As nuances para a utilização do dicionário variam da mais fragmentada à mais integrada, e são citadas também quando não abarcadas pela obra: “Ao final, há uma ‘Unidade suplementar’, voltada para o uso do dicionário” (BRASIL, 2015, p. 149), ou “A coleção investe sistematicamente em atividades que levam o aprendiz a conhecer a organização e o funcionamento do dicionário, além de estimularem o seu uso” (p.152), “agrega propostas lúdicas de jogos e estímulo ao uso do dicionário” (p.158), ou então, “a coleção não auxilia o aluno a explorar o uso do dicionário” (p. 171).

Algumas descrições indicam a abordagem do léxico restrita aos glossários geralmente situados ao lado ou abaixo do texto sob análise. Para Carvalho (2012), esses pseudoverbetes são versões redutoras e limitadas de um dicionário, apesar de sua aparente semelhança com o gênero lexicográfico, pois tiram do leitor a oportunidade de tentar resolver suas dúvidas, em função do contexto que tem diante de si. Esse tratamento dado ao vocabulário de um texto

76 está devidamente detectado nas descrições do Guia PNLD (BRASIL, 2015, p.88): “a coleção inclui também um ‘Glossário’ que acompanha alguns textos”; “são apresentados ao lado dos textos, glossários com palavras supostamente desconhecidas dos alunos” (p.99); “a coleção limita-se à apresentação de um breve glossário com palavras possivelmente distantes do repertório linguístico dos alunos” (p.200).

Como se vê, apesar das limitações do PNLD como programa, o Guia dirigido à escolha das obras pré-selecionadas descreve tanto pontos fortes quanto falhas destas obras. É possível identificar, por exemplo, entre os livros didáticos disponíveis, aqueles que apresentam uma abordagem mais adequada quanto ao tratamento dado ao léxico, porém, geralmente o uso do dicionário não está entre as prioridades elencadas pelo professor para a análise do livro didático. Como destaca Carvalho (2012), ainda falta, no Brasil, uma maior conscientização do professor e do aluno quanto ao papel que o dicionário pode exercer na vida escolar cotidiana, por tratar-se de uma obra de conteúdo gramatical, semântico, cultural, que pode ser uma valiosa fonte de informações e, no entanto, permanece pouco explorada.

Apesar da pouca ênfase dada ao ensino do léxico em cursos de formação inicial e continuada para docentes, é possível desenvolver em sala de aula um trabalho produtivo com o uso de dicionários. As atividades sugeridas pelo Guia que acompanha os acervos lexicográficos apresenta-se como um bom ponto de partida, como se verificou nas intervenções realizadas com os alunos.