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5.3 O trabalho do aluno

5.3.3 Aprender a usar a palavra

Como propostas para utilizar a palavra pesquisada, foram selecionadas duas atividades: a única que consta do livro didático dos alunos, na seção Vamos Brincar (FERRONATO; SILVA, 2011, p.63) e a atividade “Na borda do campo lexical”, do Guia Dicionários em Sala

de Aula (RANGEL, 2012, p.65).

A atividade do livro didático propõe a produção de frases com os diferentes sentidos do verbo “tocar”, contextualizada na Unidade temática Curtindo um som. Como os alunos não estavam estudando esta unidade durante o período de coletas de dados, a atividade foi adaptada para o tema “carta”, gênero que estava sendo apresentado aos alunos na época.

Figura 4 - Verbete e frases produzidas com a palavra “carta”

Apesar da contextualização, aos moldes que o livro didático propõe, a maioria dos alunos teve dificuldades na realização dessa tarefa por não conseguirem articular as duas

Fonte: Caderno da aluna T., em 13/02/2015. Cópia do verbete “carta” (FERREIRA, 2001) e frases formadas com os sentidos enumerados no verbete como 1, 3 e 5.

89 comandas: identificar sentidos diferentes no mesmo verbete e utilizar a mesma palavra nas frases produzidas. O que se observa em grande parte dos cadernos são frases em que o autor está atento ao sentido e se esquece de utilizar a palavra indicada ou então utiliza a palavra em frases diferentes, mas não consegue variar os sentidos. Nas frases da aluna T. (Figura 4), fica evidente esse conflito no período numerado como 3, em que a aluna identifica no verbete o sentido de carta como cardápio, mas não utiliza a palavra carta na frase produzida.

Como defende Antunes (2012), é preciso propor uma abordagem textual-discursiva do léxico, que não é possível em um irrelevante exercício de formar frases soltas, pois não representa uma ação de linguagem e, justamente por serem soltas, não constituem gênero algum, nem respondem a determinado núcleo semântico. Ainda segundo a autora, esse tipo de atividade evidencia uma concepção equivocada da língua, em que o professor ainda vê a atividade da linguagem fora da forma textual, sem tomar por referência de ensino os usos reais da língua.

No trecho abaixo, no diálogo entre as alunas P. e J. (5ºA), é possível observar a artificialidade com que essas frases foram produzidas por não se vincularem a nenhuma situação factual de comunicação, já que “a unidade real da língua não é a enunciação monológica, individual e isolada, mas a interação de pelo menos duas enunciações, isto é, o diálogo” (BAKHTIN, 2006, p.122).

P: ((lendo)) comunicação manuscrita ou impressa/ en-de-re-ça-da a uma

ou várias pessoas” ((demonstrando não entender o que leu))

J: tá aqui no dicionário/ menina/

P: ENDEREÇADA/ tá certo/ endereçada a uma ou várias pessoas (+)

então a gente pode colocar assim’ ó/ minha mãe recebeu /.../

J: põe assim’ ó: /minha prima mais velha /.../

P: minha prima mais velha recebeu uma carta ontem de manhã/ pronto o

número um/ ((referindo-se ao primeiro significado de carta presente no dicionário; as duas escrevem a frase no caderno e após 0:47seg voltam a conversar))

J: outra aqui/ 2/ diploma/ vamos fazer assim (+) ó / eu ganhei o meu

primeiro diploma/ não/ não pode/ tem que ser com carta né”/ e se for assim/ eu recebi uma carta falando que eu ganhei um diploma”

P: não (+) vamos ver o outro (+) ((lendo)) folha onde se registram os

cardápios nos restaurantes/

J: ah::” é a três”

P: é a três/ nós vamos fazer a três/ eu e minhas amigas fomos ao

restaurante e vimos a carta com vários tipos de comidas/.../ ((a aluna utiliza corretamente as concordâncias verbal e nominal))

90 A atividade aparentemente simples, não se relaciona a nenhum contexto real de comunicação, por isso, torna-se vaga, imprecisa, e a aparente liberdade na produção das frases mais confunde que direciona as alunas que não possuem critérios para produzi-las: o quê, como, quando, para que se escreve? Esse tipo de exercício escolar, de formar frases soltas, Geraldi (2006) classifica como uma simulação da modalidade escrita, em que o sujeito não se utiliza de sua palavra, apenas se exercita no uso da escrita para teoricamente preparar-se para utilizá-la no futuro. Partindo de tais considerações, é possível concluir, em concordância com o que ressalta Corrêa (2011, p. 158), que “tirar um verbete de dicionário do isolamento e colocá-lo a serviço da interpretação ou da produção de um texto envolve um exercício de abstração, de análise e inserção do texto na realidade”.

A atividade “Na borda do campo lexical” também trabalha com frases, porém, a proposta é mostrar ao aluno que não existem sinônimos perfeitos, o que se faz de forma lúdica e produtiva. São apresentadas algumas palavras, sempre com letras faltando, que os alunos deverão completar com a ajuda do dicionário, tendo como dica apenas que são palavras relacionadas entre si:

Figura 5: “Na borda do campo lexical”

91 A tarefa agradou muito aos alunos pela ludicidade, um jogo de letras em que ‘uma palavra puxa a outra’. Primeiro é preciso se arriscar tentando decifrar um dos enigmas. Por exemplo, se o aluno começa pela palavra de número 9, porque encontrou no dicionário o verbete - “líber sm. Bot. Tecido condutor da seiva orgânica” (FERREIRA, 2001, p.425) – perceberá o equívoco porque a definição não permite completar nenhuma outra palavra. Já se procurar pelo verbete trabalho, tentando completar o enigma de número 3, encontrará tarefa,

serviço e labuta, que completam respectivamente as lacunas 2, 4 e 5; em labuta encontrará labor e se utilizará das remissivas até completar todas as palavras.

Até aqui foram trabalhadas as palavras em “estado dicionário” (ANTUNES, 2012, p.137), no entanto, conforme as considerações de Gomes (2011), o uso da sinonímia é apenas um momento de uso do dicionário e não deve ser entendido como o objetivo principal. As colaborações dos estudos de Krieger (2011a) sobre o ensino do léxico indicam que exercícios focados na mera substituição de palavras nem sempre são úteis, já que não há sinônimos perfeitos em uma língua. Na segunda etapa desta atividade surge sua melhor contribuição para a progressão lexical do aluno, ao propor que se completem frases com esses ‘sinônimos’, em que, dependendo do contexto da frase, o aluno perceberá que uma palavra é mais adequada que outra.

92 Figura 6 – Frases da atividade “Na borda do campo lexical”

São raras as divergências entre as respostas dos alunos porque, como explica Antunes (2012), a escolha das palavras não é aleatória, se rege por critérios da “costumeira vizinhança”, formando uma espécie de conjunto recorrente em que as palavras tendem a ter suas companhias preferidas. Assim, dificilmente um aluno completaria a primeira frase com as palavras ofício, cargo ou ainda labor. Da mesma forma ninguém diz que “Medicina é uma

Fonte: Caderno da aluna M.E. (5ºB), em 18/05/2015. A letra “d” refere-se a versos do hino oficial do município, portanto, era conhecido dos alunos. Na letra “g” guiaram-se pela rima.

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labuta respeitada” ou que “Minha profissão em casa é alimentar o gato”, embora, em “estado

dicionário” sejam todas palavras sinônimas.

Despertando para tais nuances lexicais, o aluno assimilará essas características de forma a transferi-las para o foco principal do ensino de língua, a produção discursiva, em que o aprendiz demonstra efetivamente se aprendeu a usar a palavra.