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A escolha do método e dos instrumentos de pesquisa

CAPÍTULO 2 Estabelecendo alguns diálogos sobre o movimento hip-hop

3.2 A escolha do método e dos instrumentos de pesquisa

Os objetivos desta pesquisa fizeram com que ela se inserisse no campo das pesquisas qualitativas em educação, seguindo perspectivas etnográficas para se observar as práticas sociais de leitura e escrita (letramento) agenciadas pelo movimento cultural hip-hop em Ouro Preto.

Adotamos a abordagem qualitativa porque ela propicia ao pesquisador investigar mais detalhadamente as práticas linguísticas de um grupo social historicamente situado, neste caso, os eventos de letramento desenvolvidos por jovens ativistas sociais pertencentes ao grupo cultural A Rede.

A escolha por essa abordagem justifica-se também pelo fato de que, segundo Minayo, (2001, apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p.32), a pesquisa qualitativa em educação permite-nos compreender as simbologias, os fatos, os fenômenos, as crenças e os valores compartilhados pelo grupo pesquisado, ou seja, permite-nos apreender as especificidades dos fatos sociais. Este tipo de pesquisa, de acordo com Minayo (2000, p.16), possibilita-nos apreender a construção de diversificados sentidos e símbolos elaborados no campo a ser pesquisado. Ao discorrer sobre a pesquisa qualitativa nas Ciências Humanas e Sociais, Chizzotti (2010) também corrobora com essa afirmação. De acordo com esse autor, a pesquisa qualitativa auxilia o pesquisador a apreender a realidade dos sujeitos, “adotando multimétodos de investigação” com o objetivo de considerar a realidade dos fenômenos e dos fatos historicamente situados. (CHIZZOTTI 2010, p.28).

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Mediante a problemática de compreender quais são os eventos de letramento agenciados pelo movimento cultural hip-hop nas periferias de Ouro Preto, optamos por realizar um estudo de caso na perspectiva etnográfica. Souza (2009) justifica esse enfoque em pesquisas sobre letramento. Segundo essa pesquisadora, a adoção dessa perspectiva “possibilita compreender os papéis e lugares sociais ocupados, valores e atitudes envolvidos nas situações forjadas na e pela pesquisa”. (SOUZA, 2009, p.92).

Durante a abertura do I Colóquio Internacional sobre Cultura Escrita e Letramento, realizado em agosto de 2007, na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte (MG), o pesquisador Brian Strret discorda de afirmações de outros campos das ciências que afirmam que a etnografia está restrita aos estudos eminentemente antropológicos. Segundo Street (2010),

Para algumas pessoas, adotar uma perspectiva etnográfica nos níveis teórico, metodológico, conceitual e epistemológico parece já pertencer à disciplina Antropologia. Alguns antropólogos vão dizer “Isso é nosso; Etnografia não pode ser de vocês”. Dou aula numa faculdade de Educação, e alguns dos meus alunos fazem testes usando a Etnografia e têm muito medo de que os antropólogos fiquem bravos e digam “Vocês não podem fazer isso. Isso nos pertence”. Dois de nossos colegas aqui na plateia escreveram um artigo sobre a “Antropologia da e na Educação”, em que propõem uma distinção entre fazer uma Etnografia da forma que os antropólogos faziam e fazer uma etnografia nos moldes da que fiz no Irã. Muda-se para um lugar e vive-se por lá por dois ou três anos, aprende-se a língua, faz-se uma imersão na cultura. O que queremos dizer com adotar uma perspectiva etnográfica “é ter uma abordagem mais focada para fazer menos do que uma Etnografia abrangente, para estudar aspectos da vida diária e práticas culturais de um grupo social, tais como suas práticas de letramento”. O que é importante para as perspectivas etnográficas é o uso de teorias de cultura e práticas de pesquisa que vêm de disciplinas que usam teorias sociais. Mas isso não tem que ser só a Antropologia. Poderia ser a Linguística (STREET, 2010. p. 47).

Isso significa afirmar que, ao lançarmos mão de pressupostos metodológicos de cunho etnográfico não tivemos a intenção nem a pretensão de realizar o que Street descreve como “etnografia feita por antropólogos”, mas de realizarmos uma abordagem que tivesse como pressupostos metodológicos as perspectivas de cunho etnográfico de observação de práticas de letramento, com o objetivo de conhecer detalhadamente as singularidades das práticas de letramentos do movimento cultural investigado, o hip-hop.

Ainda segundo esse pesquisador, “investigar uma prática social não corresponde a fazer um inventário de perguntas e respostas” (STREET, 2010. p. 46). Assim, tivemos o cuidado de discutir e repensar as perguntas que nortearam as entrevistas realizadas; considerando que a linguagem é sempre dialógica, o que pressupõe um conflito de vozes nessa relação (entre

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pesquisadora e os demais sujeitos de dizeres) tensionado pelo lugar social ocupado pelos sujeitos do discurso (Souza, 2009). Conforme afirmam Bogdan e Biklen (1994),

quaisquer questões ou questionários, por exemplo, refletem os interesses daqueles que os constroem, o mesmo se passando nos estudos experimentais. Os investigadores qualitativos tentam reconhecer e tomar em consideração os seus enviesamentos, como forma de lidar com eles. (BOGDAN e BIKLEN ,1994, p.68).

Podemos depreender do excerto acima que a compreensão das análises dos dados perpassa as visões de mundo, as subjetividades, não só dos informantes, mas também do pesquisador, sendo que eles estão envolvidos por diversas relações sociais, são sujeitos singulares. A subjetividade do pesquisador deve ser repensada cautelosamente, de modo a ser levada em consideração na análise dos dados, visto que nenhum sujeito ou linguagem apresenta a neutralidade. Essa subjetividade está implícita nas opções teórico-metodológicas.

O pesquisador deve ser cuidadoso em relação a sua inserção no campo investigado. O indicado é que ele a faça de maneira gradual e o mais natural possível, tentando minimizar o que Bogdan e Biklen (1994) designam como “efeito do observador”. Isso significa afirmar que, a presença do observador no campo investigado altera as relações ali realizadas.

Os autores alertam para o cuidado que o pesquisador deve ter na elaboração das perguntas, quando esse trabalha com questionários ou entrevistas. Eles afirmam que o simples fato de pedir ao entrevistado que dê a sua opinião sobre algo, pode levá-lo a formular essa opinião, visto que pode ser que ele ainda não tivesse essa opinião totalmente elaborada (BOGDAN e BIKLEN ,1994, p.68). A sugestão dada pelos autores é de que o pesquisador se coloque no grupo gradualmente, para que sua presença não seja percebida como intromissão ou ameaça.

Portanto, optamos por uma observação participante com o intuito de criar momentos de negociações, de construção do conhecimento e de trocas de experiências. A etnografia tem por objeto de preocupação os aspectos culturais de grupos sociais específicos; segundo Chizzotti (2010, p.67) é essa premissa que a separa das ciências naturais e do evolucionismo.

A opção por essa metodologia se deu pela necessidade de inserirmo-nos nas rodas de conversa, realizadas pelo grupo observado, bem como estarmos presente nas mostras culturais por eles organizadas. Isso significa que os objetivos da pesquisa fizeram com que lançássemos mão, nas práticas de investigação, do que Bogdan e Biklen (1994) compreendem como observação participante. De acordo com esses autores, nessa estratégia de investigação

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o investigador introduz-se no mundo das pessoas que pretende estudar, tenta conhecê- las, dar-se a conhecer e ganhar a sua confiança, elaborando um registro escrito e sistemático de tudo aquilo de tudo aquilo que ouve e observa. O material assim recolhido é complementado com outro tipo de dados, como registros escolares, artigos de jornal e fotografia. (BOGDAN e BIKLEN , 1994, p.16).

Assim como Bogdan e Biklen (1994), creditamos que “as questões a investigar não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formuladas com o objetivo de investigar o fenômeno em toda a sua complexidade e em contexto natural”.

Portanto, assim como apontam esses autores, nossa pesquisa não teve como preocupação o objetivo de responder a questões pré-estabelecidas, nem de “testar hipóteses”, mas sim de priorizar “[...] essencialmente a compreensão dos comportamentos a partir das perspectivas dos sujeitos da investigação” (Bogdan e Biklen, 1994, p.16).

Assim sendo, as temáticas analisadas foram sendo estabelecidas no decorrer da investigação. Para tal, lançamos mão de uma abordagem empírica, com o intuito de verificar, por meio do enfoque interpretativo dos enunciados, como os agentes culturais se percebem e o modo como elaboram o discurso sobre o que é ser membro do movimento cultural hip-hop em Ouro Preto.

Na busca de compreender as práticas de leitura e escrita nas quais os atores dessa pesquisa estão envolvidos, além da observação participante, contamos também com a elaboração de entrevistas semiestruturadas. As perguntas que nortearam as entrevistas visavam à compreensão das práticas de leitura e escrita presentes na vida dos atores.

Tentamos compreender, por meio de suas narrativas, como eles se veem enquanto leitores e produtores de textos. Também tivemos como objeto de preocupação entender o sentido que essas práticas assumem em suas vidas, na elaboração de suas identidades enquanto leitores e produtores de textos. Outro instrumento de coleta de dados utilizado foi o diário de campo. Nele tivemos o cuidado de anotar nossas impressões sobre a realidade observada, sendo comum aos estudos etnometodológicos registrar para tentar compreender o modo como as pessoas se percebem, se (re) constroem e (re) constroem as suas realidades.

Neste trabalho predominou-se a tendência em “lidar mais com microquestões, com conteúdos específicos de conversas e vocabulário e com detalhes relativos à ação e a compreensão”, sendo essas questões referenciadas por Bogdan e Biklen (1994, p.60) como rotineiras em pesquisas etnometodológicas. Esses autores também afirmam que é próprio desses investigadores compreender o senso comum, a vida no dia a dia, o modo como as práticas são realizadas, a rotina da ação social e os “relatos”. Seguindo essas perspectivas, tivemos o cuidado de analisar a linguagem presente nos materiais desenvolvidos pelos jovens da

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investigação e em seus discursos. Tentamos descrever as dimensões que compõem os espaços usados por esses jovens para desenvolverem seus eventos de letramentos.

Compreender quais são as práticas de letramentos que sustentam esse movimento cultural em Ouro Preto e o modo como os jovens atribuem sentidos a elas motivou o nosso interesse e a nossa percepção da necessidade da realização desta pesquisa de mestrado. Assim tivemos a intenção de (re)conhecer e refletir sobre os aspectos das trajetórias de leitura e escrita dos interlocutores desta pesquisa.

Nesta investigação, o aporte teórico sobre letramentos negros, também conhecidos como letramentos de reexistência, do qual faz parte o hip-hop, enquanto agência de letramento (Souza, 2008), foi fundamental para compreendermos o modo como a juventude ouropretana, dentro do grupo pesquisado, organiza suas práticas culturais.

Em estudo baseado em metodologias pós críticas em educação, Paraíso (2012) afirma e concordamos com ela que, devido ao fato de estarmos vivenciando várias mudanças no campo educacional, faz-se necessário reconhecer e legitimar que os movimentos sociais desenvolveram “[...] modos de ensinar e possibilidades de aprender nos mais diferentes artefatos culturais[...]”, o que, de acordo com essa autora, amplia o nosso olhar sobre os objetos que compõem os currículos, pois faz-se necessário “investigar todo e qualquer artefato que ensina, buscando mostrar o currículo que eles apresentam[...]” (PARAÍSO, 2012, p.24).