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Sobre o pertencimento racial dos entrevistados

CAPÍTULO 4 Análise e discussão dos dados

4.1 Perfil dos participantes

4.1.6 Sobre o pertencimento racial dos entrevistados

Ao final da entrevista, perguntamos aos entrevistados como eles se identificam em relação à cor/raça deles. Nossa pergunta foi bem direta: Qual a sua cor ou raça, como você se identifica? Nesse momento de interação obtivemos as seguintes respostas:

Karen:

Ah, eu queria falar de boca cheia que sou negra (risos), mas não tem como -, todo mundo vai olhar para mim e vai falar que não, -(risos). Eu sou parda. Teko

Bom, na verdade eu me identifico como negro, né? E aí quando a gente fala como negro, acho que, é, como esta questão do senso deveria até tirar porque

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cor (risos), cor é tudo aquilo ali que você vê né, então as pessoas costumam ,né, “ah eu sou preto”, por exemplo. Não, preto é a cor, nós somos negros, nós fazemos parte de um grupo, né, de uma etnia, então me identifico como negro. Sonhador:

[...] não sei se sou branco, se eu sou amarelo. Eu sou amarelo, mas a minha descendência toda é negra. Minha avó é negra, minha irmã é negra, meu avô é negro. Então eu sou essa mistura aí, branco por fora e preto por dentro, amarelo.

JR Estratégia:

Afrodescendente MDR:

É difícil dizer, não vou falar que sou branco, não vou falar que sou negro. Digamos assim que

Entrevistadora:

Como você se identifica? MDR:

Eu sou negro.

Encontramos no discurso dos entrevistados formas distintas de designar suas também múltiplas identidades. Esse tópico da entrevista revelou-se para os ativistas como momento de questionamentos, tensões, negociações e reelaborações sobre as suas identidades étnicas. De acordo com Rajagopalan (2002), o ato de nomear, designar é construído dentro de políticas representacionais, ou seja, está relacionado ao processo de construção de identidades, sendo que essas escolhas linguísticas não são neutras, são também escolhas éticas e políticas:

a questão da política da representação adquire suma importância, pois é através de representações que novas identidades são constantemente afirmadas e reivindicadas (RAJAGOPALAN, 2002, p.86).

A representação identitária forjada pelos jovens nesse momento da entrevista aponta para o conceito de identidade elaborado por Hall (2003). Ao descrever sobre a identidade caribenha, Hall afirma que a identidade dos povos não pode ser pensada em termos dicotômicos e excludentes, pois elas são atravessadas por “places de passage, e significados que são posicionais e relacionais, sempre em deslize ao longo de um espectro sem começo nem fim” (HALL, 2003, p.33).

Assim sendo, podemos afirmar que as identidades elaboradas por esses jovens na entrevista são entendidas por eles nessa perspectiva, como construto elaborado nas relações

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sociais de que participam. Podemos afirmar que na fala dos entrevistados evidenciam-se as instâncias que “atravessam” os discursos que os constituem, conforme podemos perceber neste trecho da entrevista de Karen: “[..] queria falar de boca cheia que eu sou negra, (risos), mas não tem como, todo mundo vai olhar para mim e vai falar que não, (risos). Eu sou parda” (Karen, 2014). A resposta da entrevistada revela que ela se reconhece enquanto negra, porém, devido à cor de sua pele, ela identifica-se como parda, visto que esse processo de identificação, no Brasil, ainda não se encontra totalmente consolidado.

De acordo com o IBGE 4 a categoria pardo, com vista a elaboração de políticas para essa população, enquadra-se na categoria negro. Quando nossa colaboradora afirma que gostaria de assumir para si a categoria negro, ela está representando a sua identificação étnico- racial, embora possua menos melanina, podendo ser refutada, na sociedade, por pessoas que desconhecem os estudos sobre raça e etnia.

Percebemos também no enunciado de Karen que para ela designar-se como negra implica relacionar linguagem/sociedade e identidade. Afirmar-se como negra faz recair sobre ela os julgamentos da sociedade atual, que ainda reelabora discursos que limitam a condição de ser negro/negra à cor da pele dos sujeitos.

Sonhador assume para si a condição de pardo, mas não sem antes questioná-la. “[...] não sei se sou branco, se eu sou amarelo. Eu sou amarelo, mas a minha descendência toda é negra. Minha avó é negra, minha irmã é negra, meu avô é negro. Então eu sou essa mistura aí, branco por fora e preto por dentro, amarelo” (Sonhador, 2014). Assim como Karen, Sonhador é entendido como negro no que tange as padronizações do IBGE. Usando a designação “branco por fora e negro por dentro” o rapper resignifica/desloca a sua identidade racial, que para ele está associada à cor de sua pele e também ao seu sentimento de pertencimento a etnia negra. Essa afirmação da identidade é reforçada quando ele menciona que seus familiares são negros, repetindo: “Minha avó é negra, minha irmã é negra, meu avô é negro”, o que pode ser entendido como forma de persuasão na tentativa de reafirmar para si e para a sua interlocutora que sua identificação negra é válida.

Assim podemos falar em identidades, entendendo-as como múltiplas, sabendo que elas estão para além do eu, o outro também está presente nessa relação dialógica. Seguindo essa mesma perspectiva de pensarmos as identidades enquanto processo, podemos entendê-las também pelo viés das identidades reivindicatórias (Rajagopalan, 2002), conforme analisaremos a seguir nos excertos extraídos das falas dos ativistas Teko e MDR.

4 De acordo com o sistema classificatório de cor ou raça do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística as categorias pardo e negro são correspondentes.

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O questionamento sobre a sua identidade também está presente na fala do rapper MDR,(p.78) “É difícil dizer, não vou falar que sou branco, não vou falar que sou negro”(Mago da Rima, 2014). Ao final da entrevista o jovem identifica-se como negro, assumindo para si a posição política e as implicações que estão implícitas nesse posicionamento. A condição de negro também é assumida pelo DJ Teko:

Bom, na verdade eu me identifico como negro, né. E aí quando a gente fala como negro, acho que, é, como esta questão do senso deveria até tirar porque cor (risos), cor é tudo aquilo ali que você vê né, então as pessoas costumam , né, “ah eu sou preto”, por exemplo, não, preto é a cor, nós somos negros, nós fazemos parte de um grupo, né, de uma etnia, então me identifico como negro (Teko,2014)

Em seu enunciado, Teko afirma que discorda do termo cor como critério de identificação, marcando em seu discurso que reconhece as implicações políticas quando da escolha de afirmar-se negro e não preto, reafirmando o discurso de que nossas escolhas linguísticas são também éticas e políticas, conforme afirmamos anteriormente. Percebemos também em sua fala a presença do que Rajagopalan (2002, p.1) compreende como identidades reivindicatórias por questões políticas e étnicas.

Os colaboradores desta entrevista fazem escolhas linguísticas distintas para se designarem: parda, amarelo, nem preto, nem branco, afrodescendente e negro. As respostas distintas elaboradas por jovens de um mesmo coletivo dialogam com outras vozes sociais presentes em instituições variadas de que tomam parte. Esses ativistas possuem estreita relação com o Movimento Negro e com o Fórum da Igualdade Racial de Ouro Preto, possuem um considerável acervo de livros sobre Relações Raciais dentro do grupo A Rede e estabelecem conexões com outros segmentos sociais, portanto, cremos que podemos afirmar, em relação às respostas que obtivemos, que esses ativistas compreendem e abordam em seus discursos a relação entre a construção de suas identidades étnicas/raciais e as políticas de representação que as sustentam.

Conforme observado nas entrevistas analisadas, a identidade leitora e escritora desses jovens está muito relacionada às influências que vieram do movimento cultural de que participam e da arte que produzem no movimento, embora outras agências de letramentos também tenham sido mencionadas (igreja e escola). Os cinco afirmaram que fazem leitura do informativo a Rede hip-hop e JR narra também sobre o fato de ter escrito alguns artigos para esse informativo. Depreendemos também de seus discursos a preocupação deles em formar

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outros jovens e de estabelecer no movimento a representação positiva de identidades negras, reexistindo por meio da arte que os constitui.

Os entrevistados usam as tecnologias digitais de acordo com suas demandas artísticas, divulgando seus eventos, buscando informações sobre o movimento no cenário nacional, retirando e remixando (da/na internet) as bases sobre as quais cantam, entre outras. Podemos afirmar assim como Rojo (2009), que eles estão para além de meros consumidores dessas tecnologias, pois conforme verificamos em suas falas, eles lançam mãos das tecnologias digitais para se apropriarem de novas informações e práticas, estabelecendo papel de produtores de textos multimodais e de bases musicais.