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Pedagogia dos Multiletramentos: linguagens e identidades culturais

A Pedagogia dos Multiletramentos foi, em 1996, proposta por um grupo de pesquisadores da área dos letramentos. Essa pedagogia, de acordo com os pesquisadores que a conceberam, dentre eles, destacamos, Bill Cope, Mary Kalantzis, Norman Fairclough e Gunther Kress, propõem um alargamento das concepções e das práticas de letramentos adotadas pela escola, fornecendo importantes contribuições para que essa instituição conceba o currículo numa perspectiva multicultural; assim legitima-se a relevância dos conhecimentos locais, produzidos e ressignificados em contextos diversificados, pautando-se por teorias culturais que conduzam ao reconhecimento e ao respeito às comunidades de origem dos seus alunos, ao propor que a escola reconheça a diversidade cultural e a incorpore em seu currículo.

Outra importante contribuição que a Pedagogia dos Multiletramentos oferece-nos é a oportunidade de ampliação das práticas de letramentos e suas esferas de circulação. Essa pedagogia propõe a inserção, na Escola, de objetos culturais antes não (re) conhecidos pelo currículo eurocêntrico, reconhecendo a diversidade cultural de maneira positiva. Essa perspectiva de currículo constrói uma ponte entre as práticas de letramentos legitimadas pela escola e as práticas de letramentos presentes em demais esferas da sociedade, suprindo assim a tão discutida lacuna entre as práticas linguísticas formadoras das identidades de seus alunos (que eles aprendem na família e em suas comunidades) e as práticas linguísticas escolarizadas.

A Pedagogia dos Multiletramentos também tem por objeto de preocupação o papel e a função que as mídias digitais recebem na elaboração do currículo e, consequentemente a forma como são inseridas na prática do professor em sala de aula. O uso dessas mídias diversifica os modos de ler e de escrever nas aulas, ampliando também o processo de circulação e de produção dos textos. Essa perspectiva de ensino também favorece a inserção e a combinação nas aulas

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de língua materna de diversificadas linguagens, dentre elas: vídeos, áudios, imagens e demais manifestações linguísticas presentes na sociedade multiletrada, configurando em sala de aula a hipermodalidade. A inserção dessa pedagogia nas aulas de Língua Portuguesa e nas demais disciplinas proporciona aos professores a oportunidade de linkar nas aulas várias modalidades de textos sem que uma se sobreponha à outra. (ROJO, 2012).

A maioria dos alunos das escolas, muito provavelmente, lança mão das diversas tecnologias da era digital para a leitura e a produção dos seus textos - orais, verbais, imagéticos, sonoros - nas várias instituições de que tomam parte. Assim sendo, na escola os multiletramentos podem expandir as possibilidades de compreensão dos alunos sobre a multiplicidade de sentidos presentes nos textos multimodais. Baladeli (2011) nos traz uma importante reflexão sobre os benefícios proporcionados aos sujeitos quando eles se apropriam dos multiletramentos, a saber

a compreensão dos novos modos de representação da linguagem verbal e não verbal que se materializam em diferentes gêneros textuais, digitais veiculados na Internet, domínio discursivo em crescente evolução [...] e a habilidade de interpretar a língua(gem) em suas diferentes representações (BALADELI, 2011, p.9)

Conforme podemos depreender da citação acima, a internet é um espaço privilegiado de produção e combinação de textos nas mais diversas modalidades. Tomamos como exemplo a apropriação que as pessoas fazem das redes sociais digitais - (Facebook, Twitter, os blogs entre outros) – para a escrita de textos colaborativos e multimodais, inserindo fotos, vídeos, imagens, músicas.

Quando a escola se dedica a conhecer esses meios de agir no mundo pela linguagem ela pode ampliar esses usos e auxiliar os seus alunos e alunas a usarem eticamente essas tecnologias, além de inserir outros gêneros e suportes textuais em sala de aula. Outra contribuição importante que a escola pode oferecer aos seus discentes com essa pedagogia é a possibilidade de inserir na cultura digital os que ainda têm pouco contato com as novas tecnologias de comunicação e informação – TIC, conscientizando-os também sobre as relações de poder que permeiam esses usos.

Tendo em vista a pertinência dos estudos sobre multiletramentos e a sua relação com o ensino e aprendizagem de língua materna e suas intersecções, esta pesquisa realizada no bojo dos estudos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa Multiletramentos e usos das tecnologias digitais de informação e comunicação na Educação (MULTDICS), coordenado pelo pesquisador Hércules Corrêa, na Universidade Federal de Ouro Preto, segue as mesmas

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perspectivas do grupo de pesquisa, a saber, trazer a reflexão teórica sobre os múltiplos letramentos e os multiletramentos, visando à promoção das, e a reflexão sobre, as diferentes modalidades de letramento com o uso das tecnologias digitais da informação e comunicação em espaços institucionais que visam os letramentos escolares e demais esferas sociais de promoção dos letramentos.

Estamos nos referindo à elaboração de práticas, em sala de aula, que conduzam aos letramentos críticos; pois a pedagogia dos multiletramentos considera muito relevante o uso das novas tecnologias para interpretar, conhecer e reelaborar os conhecimentos locais, ou seja, a coleção de cada aluno, usando uma expressão cunhada por Garcia Clancini (2008).

Conhecer essas coleções culturais dos alunos propiciará à escola novas possibilidades de desenvolver com sucesso planos de aula capazes de transformar não só a visão que a escola tem sobre seus alunos, mas também o modo como ela lida com esses objetos tecnológicos e o modo como seus alunos relacionam-se com esses objetos e suas linguagens. Concordamos com Rojo (2012) quando essa autora afirma que,

Em vez de impedir/disciplinar o uso do internetês na internet (e fora dela), posso investigar por que e como esse modo de se expressar por escrito funciona. Em vez de proibir o celular em sala de aula, posso usá-lo para a comunicação, a navegação, a pesquisa, a filmagem, a fotografia. (ROJO, 2012, p.27).

Conforme afirmamos acima, os alunos das escolas públicas, em sua maioria, estão inseridos em alguma mídia eletrônica e apropriam-se dela para elaborarem novos processos de escrita e de circulação de seus textos, tornando a aprendizagem mais prazerosa e significativa. Segundo Rojo (2012), o trabalho com essas mídias em sala de aula pode democratizar esses usos, em relação aos alunos e aos professores, pois novas práticas demandam novos conhecimentos de ambos sobre as ferramentas digitais .

Ao analisarmos o modo como o conceito de multiletramentos é pensado e o que ele envolve, reafirmamos a intrínseca relação entre sociedade e linguagem, pois, conforme afirma Rojo (2012), o conceito de multiletramentos aponta que o trabalho com a linguagem deve abarcar dois “tipos específicos e importantes de multiplicidade [...] a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica. (ROJO, 2012, p.13).

Portanto, assim como Souza (2009), afirmamos que as práticas de letramentos, agenciadas pelo hip-hop dizem muito desse movimento e de seus ativistas, pois seus textos (imagéticos, corporais, musicais) são elaborados por diversos símbolos das culturas negras.

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Nessa perspectiva, FREITAS (2009, s/p) afirma que este movimento cultural, por meio dos elementos que o constituem, agencia oficinas de leitura e de escrita multimodais.

Em artigo intitulado “Etnoescrituras: o hip-hop como oficina de leitura e escrita multimodais”, Freitas (2009) descreve o hip-hop como importante oficina de leitura e escrita multimodais, afirmando que os processos de leitura e escrita desenvolvidos pelos agentes culturais deste movimento ampliam e ressignificam as noções tradicionais de leitura e escrita.

vê-se no movimento hip hop que, além do papel, a parede, o corpo e a voz tornam-se os suportes nos quais os jovens das periferias tecem produtivas redes de leitura e escrita que se entrelaçam, a partir de um princípio que visa a uma proficiência transcendente perspectiva do letramento funcional. (FREITAS, 2009, s/p).

Entram em cena as escritas feitas com o corpo; no break, “[...] escritura do próprio corpo autoral fluido”, os b-boys e as b-girls demonstram a escrita não domada, fazendo do corpo suporte para a realização de várias leituras e escritas. O elemento grafite “escrita arte” também integra essa cultura, e é construído na combinação de várias linguagens e novas estéticas, demandando também novos suportes: muros, fachadas, paredes, viadutos entre outros. A interação do “mestre de cerimônia” (MC) com o “disk jóquei” (DJ) produz o RAP (rhythm and Poetry); este traduzido literalmente como ritmo e poesia é também compreendido pelos artistas como “revolução através das palavras”. A elaboração/produção do rap acontece por um processo de plagiocombinação: [...] por meio do ordenamento transtextual de fragmentos, de células musicais preexistentes, que funcionam como base sobre a qual a canção será executada” (FREITAS,2009,s/p), configurando-se num texto multimodal.

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