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2. O PLANO METODOLÓGICO E TEÓRICO-VIVENCIAL

2.4. A escolha metodológica

Quando comecei a vivenciar o ambiente do Assentamento Santana, quando foi implantada a radioescola de Santana por intermédio do meu grupo de trabalho, em 2007, me senti despertada para compreender melhor as relações de aprendizagem que estão presentes no campo, no ambiente rural. A hipótese de base desse trabalho é a de que com o uso da radioescola digital emerge um ambiente profícuo para o desenvolvimento e ampliação do

letramento das pessoas da comunidade. Da mesma maneira, pode ocorrer um aumento da capacidade desse povo de construir registros de suas experiências, contribuindo para a preservação de sua cultura. Busco, na representação escrita desta pesquisa, explicitar o uso da rádioescola por essa comunidade, observando às possibilidades pedagógicas que esta lhes oferece e que são desenvolvidas.

Há segredos que se ocultam de teorias, assuntos do humano que há no ofício do pesquisador e que somente o pensar sobre a prática pessoal revela. Durante anos, aprendemos que boa parte de uma metodologia científica adequada serve para proteger o sujeito de si próprio, de sua própria pessoa, ou seja: de sua subjetividade. (BRANDÃO, 1984, p.7)

Brandão afirma que, embora se reivindique para Paulo Freire a primazia de ter inserido uma abordagem renovada da pesquisa-participante, como enfoque sociopolítico na educação e na pesquisa qualitativa da América Latina, esse conceito de pesquisa-ação provém de vertentes mais sociológicas do que educacionais.

A pesquisa participante permite a realização de análises e discussões em que participem pesquisador e pesquisados, mediatizados pela realidade a ser observada e problematizada em face de sua transformação. Permite que eu possa lidar com o objeto e com os sujeitos de pesquisa que eu conheço com os quais estabeleci relações afetivas. Para Brandão, o que deve interessar é, essencialmente,

Mergulhar na espessura do real, captar a lógica dinâmica e contraditória do discurso de cada ator social e de seu relacionamento com os outros atores, convidando a despertar nos dominados o desejo da mudança e a elaborar, com eles, os meios de sua realização. (1981, p. 25)

Acompanhei todas as etapas do trabalho de implantação da radioescola no Assentamento Santana como coordenadora pedagógica e fui responsável pela elaboração da metodologia do projeto em questão. Para realizar a pesquisa nesse ambiente, preciso reconhecer que estou incorporada ao contexto para me posicionar com o distanciamento e o senso crítico necessários à isenção possível na apreensão da dinâmica do objeto e dos sujeitos.

Compreender a dinâmica do trabalho educativo de um assentamento rural requer um necessário envolvimento com as pessoas do lugar e com os seus cotidianos. Importa que a busca desse entendimento considere as concepções que os próprios sujeitos pesquisados têm de si mesmos. Sem isso, “(...) a opção política é pela dominação e não pela libertação dos grupos e das classes sociais oprimidas” (FREIRE, 1981, p. 35).

Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim? Como posso dialogar se me sinto participante de um gueto de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são "essa gente", ou são "nativos inferiores"? Como posso dialogar, se parto de que pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos e que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar? (idem)

Para Brandão e Freire, as metodologias de pesquisa devem estar comprometidas em fazer também da pesquisa um instrumento educativo, numa perspectiva de transformação da realidade por meio da participação ativa dos sujeitos pesquisados. Nesse contexto, Brandão chama a atenção para a possibilidade do sujeito, conhecendo a própria realidade de forma refletida, participar da produção desse conhecimento e se apossar dele, podendo se inscrever na História por meio de sua história cotidiana.

Perguntas de pessoas reais, muito mais que de categorias abstratas de 'objetos', que parecem descobrir, com a sua própria prática, que devem conquistar o poder de serem, afinal, o sujeito, tanto do ato de conhecer de que têm sido objeto, quanto do trabalho de transformar o conhecimento e o mundo que os transformaram em objetos. (1981, p. 11)

Um trabalho de investigação num contexto mediado pela educação popular e pela comunicação popular requer métodos e procedimentos participativos, que rejeitem a redução dos grupos populares à mera incidência na produção do conhecimento.

Para adentrar aos meandros das questões desta pesquisa, recorri a procedimentos e instrumentais dialógicos que me ajudaram a identificar as maneiras como esse grupo enxerga as suas relações com os meios tecnológicos que estão disponibilizados no seu dia-a-dia. Quem está conduzindo a pesquisa tem a oportunidade de se desenvolver por meio da aquisição do saber popular, um saber legítimo e valioso, embora diferenciado do saber que vem da ciência. Nesse saber do homem simples há uma observação criteriosa de regularidades dos fenômenos físicos e sociais da natureza, embora os registros feitos pelo mesmo sejam insuficientes. O homem que nasce, cresce e envelhece no campo está inserido numa sociedade de ambigüidades, de contrastes extremos, e após tantos séculos que nos separam do advento da escrita, ele ainda não tem a possibilidade de se inscrever na história por meio da palavra escrita. O direito à educação não lhe é garantido, não na proporção adequada.23

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Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2004, apontam que mais de um quarto da população rural do Brasil é

Esse sujeito não procede a análises reflexivas dos fenômenos que observa, igualmente porque não vem sendo motivado pelas vias de acesso ao saber, à experimentação do exercício da contemplação para além da prática cotidiana. Seus saberes são disseminados na forma oral, no 'boca-a-boca', e correm o risco de dissiparem-se, ou serem paulatinamente desvalorizados, mesmo no próprio contexto em que foram historicamente produzidos, em virtude da carência da instrumentação técnica e tecnológica que são amplamente difundidas nos meios urbanos e, sobretudo, nos meios acadêmicos. Os mais jovens, que em tempos anteriores, continuavam disseminando a sabedoria do homem do campo, já não ocupam esse papel. Muitos ainda migram para os centros urbanos em busca de uma “vida melhor” e não se orgulham da riqueza acumulada com a experiência dos pais sobre a natureza. No mundo da oralidade o que não vem sendo dito e repetido, tende a desaparecer. O uso da escrita e outras tecnologias permitem que conhecimentos sejam armazenados e disseminados. Essa problemática é a gênese da minha inquietação sobre o impedimento ao exercício intelectual a que o homem do campo está submetido. E isso permeia indiretamente o meu trabalho.