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3. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SANTANA

3.5. A gênese da educação

A luta por melhores condições de vida e por uma educação que respeite as especificidades dos educandos e aos poucos vem sendo construída em Santana, mostra que a visão que se tem de campo é errada e reafirma o campo como lugar de vida, mostrando que é possível viver no campo com dignidade. Para Santana educação é mais que escola, é um processo amplo, um processo de formação humana (SANTOS, 2009, p. 38)

Uma parte dos primeiros alunos que foram chegando ao assentamento já sabia ler e escrever porque estudava outrora numa escolinha da comunidade de Santana dos Domingos, numa sala de aula adaptada numa residência. Em seguida chegaram famílias oriundas do município de Tamboril, comunidades de Viração e Olho d’Água Velho, trazendo filhos em idade escolar.

Em 1987 existia pouca demanda por escola porque os casais que já estavam instalados haviam se casado há pouco tempo e não tinham filhos. Mas em 1988, com a chegada de mais assentados, já existia um contingente de crianças e adolescentes suficiente para montar uma escola.

Dia 8 de junho de 87 eu cheguei aqui. Comecei a trabalhar e continuei assim uns dias. Estudando. Passamos o mês de julho de férias. Não tinha aluno. Quando foi em setembro já me botaram pra trabalhar na escola. Veio um bocado de alunos. Eu cheguei em junho de 87 e quando foi em agosto eu já comecei a trabalhar. Estavam fazendo o colégio e a gente sentava em cima das linhas do colégio pra trabalhar. Eles trabalhavam e enquanto eles faziam os acabamentos do prédio escola, a gente dava aula. (Entrevistada 8) O ponto de partida desse desenvolvimento é semelhante às condições de outras comunidades com características parecidas. Algumas pessoas, geralmente mulheres, que já

sabem ler resolvem ensinar o que sabem pras crianças e jovens da comunidade na tentativa de minimizar a insuficiência dos serviços públicos básicos que deveriam ser disponibilizados pelas prefeituras. Essas professoras recebem um pagamento simbólico dos pais e organizam salas de aula improvisando espaços nas próprias casas das famílias.

O princípio da experiência era precário. Sem estrutura física adequada, sem pessoas qualificadas para o magistério e nem um suporte efetivo do poder público municipal. As professoras tinham o perfil citado acima. Como todas vieram de comunidades carentes de atendimento públicos elementares, também tiveram suas próprias experiências de escolarização igualmente com professoras leigas31, em salas de aulas improvisadas ou nas

cidades próximas, como explicitam os depoimentos. Cito aqui o relato de um professor, morador do assentamento desde criança, cuja formação ocorreu dentro do assentamento, com complementação superior em cidades vizinhas. Ele exemplifica as condições e as metodologias que eram utilizadas fora do assentamento, lugarejo de onde ele veio ainda criança, semi-alfabetizado.

Na época onde a gente morava o acesso era difícil. Fiquei muito tempo fora da escola. Comecei estudando em Bela Vista, divisa com o Sitio Tamboril... Era perto. Essa professora ensinava na casa dela. Surgiu no sítio também a carta de ABC e da Ana e do Zé. A carta de ABC era comprada na bodega. Na cartilha ia construir a divisão silábica, a formação, pequenas leituras, treino ortográfico, a cópia da lição... Tinha o dia de fazer a leitura pro professor. Tinha o dia fixo na semana que era pra fazer a leitura pro professor. (entrevistado 5)

Os educadores atuais lembram que os primeiros alunos eram filhos de um vaqueiro que tinha uma família de muitos filhos. E que além desses, também freqüentavam a escola algumas meninas da “família Silvestre” que hoje são professoras e contribuem com esse trabalho. É o caso de três meninas que hoje são professoras da escola. Outros foram chegando e se integrando à escola. O depoimento a seguir é de uma professora da escola, que iniciou aqui com escolaridade equivalente ao 3º ano do ensino Fundamental I.

Era outra turma. já tinha outra clientela quando eu vim pra cá. Tinha uns que já tinham algum conhecimento. Tinha uns que tinham a 1ª, tinham outros a 2ª, a 3ª... outros já na 4ª ou 5ª série. Então eu trabalhava com sala multisseriada. (Entrevistada 9)

31 A professora leiga surge diante de uma condição da ausência de políticas governamentais que garantam a educação básica aos moradores de zonas rurais. Mulheres que aprendem a ler, a escrever e a realizar as quatro operações aritméticas assumem a função de educadoras das suas comunidades, compartilhando com os outros moradores o que aprenderam.

Após a construção das dependências da Escola, as reuniões passaram a acontecer lá. A estrutura física do prédio da escola permanece a mesma inicial. Duas salas de aula, dois pequenos banheiros, uma cantina, um pátio interno e uma área externa descoberta. E com a formalização do espaço escolar físico e jurídico, houve uma organização no tocante aos recursos humanos para dar suporte a essa estrutura. A prefeitura contratou os próprios moradores como funcionários da escola, conforme esta entrevistada

Eu assumi como diretora, mas também como professora porque não tinha quem ensinasse na 4ª. Série. A Maria (Maria Araújo), na época, estava estudando. Pra mim foi um grande privilégio ter sido professora de todos os professores daqui. Nós tínhamos de setenta a oitenta alunos. Já existia uma demanda muito grande. (Entrevistada 6)

Ainda em meados de 1987, outras professoras começaram a chegar ao assentamento. Enquanto o ensino primário se desenvolvia e se estabelecia, as professoras também sentiam necessidade de aprender mais. Quando os alunos do assentamento começaram a concluir a antiga 4ª Série e os pais não tinham meios de enviá-los para as escolas da zona urbana, iniciou-se outra luta pra implantar a continuidade desses estudos.