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A Especificidade da Atividade de Ensino-Aprendizagem

No documento POR UMA OUTRA GEOGRAFIA ESCOLAR (páginas 58-61)

Capítulo 2: Fundamentação Teórica

2.4. A Especificidade da Atividade de Ensino-Aprendizagem

“Muito raramente acontece de quando hoje as pessoas olham as organizações dos espaços se lembrem do seu professor de Geografia. Falta a identidade entre o que ele falou e o que se está vendo. Por que isso aconteceu?

Ruy Moreira

Esta seção discute a especificidade da atividade de ensino- aprendizagem de Geografia ponderando sobre as transformações da atualidade, a complexidade dos problemas planetários resultantes tanto dos desequilíbrios ambientais, como comportamentais da sociedade global. Trata-se, portanto, de analisar o que deve ser ensinado, por que deve ser ensinado e para que ensinar.

As atividades didático-pedagógicas planejadas pelo professor de Geografia carecem, principalmente devido à realidade do mundo globalizado, da inclusão de conteúdos capazes de conduzir a uma reflexão sobre a identidade planetária, a condição e a ética do gênero humano (Morin, 2000), a igualdade na diversidade, a responsabilidade ecológica com o planeta e a responsabilidade social com os indivíduos, sem perder o foco no seu objeto de estudo, ou seja, do espaço geográfico. Agregam-se ainda as habilidades de orientação, circulação, de leitura e interpretação do espaço, específicas da linguagem cartográfica e, essencialmente o domínio de categorias espaciais, de maneira a utilizá-las em sua atuação cidadã, conforme indicam PCN.

Muitas das competências e a habilidades a serem desenvolvidas no espaço escolar apresentam importantes relações com o cotidiano dos alunos, fazem parte de suas vivências e de seu contexto sócio-histórico- cultural, o que favorece a construção de conceitos científicos específicos da Geografia e do universo escolar. Entretanto, quando analisamos a organização curricular e as seqüências didáticas da maioria das escolas, percebe-se uma série de conteúdos compartimentados, distanciados da realidade dos alunos e despreocupados com uma aprendizagem que

promova o desenvolvimento cognitivo e que possibilite a apropriação dos conceitos e da linguagem geográfica.

Essa realidade pode ser constatada quando observamos a fragmentação e as dicotomias presentes no currículo, em que a Geografia apresenta-se adjetivada como Geral, Regional, Física, Humana, Política, Econômica etc. como aponta (Guerrero, 2005: 114). Reforçam a visão comportamentalista de ensino que acredita que a aprendizagem deve ir do simples ao complexo, da parte para o todo, dificultando as correlações entre os conceitos científicos a serem construídos e os conceitos cotidianos trazidos pelos alunos.

A ciência em geral e a Geografia em particular apresentam uma complexidade que não pode ser abandonada para dar espaço a uma visão materialista e reducionista, que não mais atende à realidade contemporânea baseada em uma sociedade orientada pela informação e pelo conhecimento, que produz novas bases de poder, novos modos de produção e de organização social do trabalho (Tescarolo, 2004:20). Para corresponder a esses novos contextos, o professor de Geografia também precisa estabelecer na sala de aula, outras relações de poder, de produção e de divisão de trabalho, capazes de propiciar aos alunos diferentes condições de organização social e cognitiva.

Trata-se, portanto, de transformar a escola em um ambiente em que todos os participantes ajam em uma Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD) e de maneira coletiva busquem a construção de conhecimento, por meio de um processo de interação que promovera o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

É importante também constatar que as práticas sociais possuem uma dimensão espacial resultante de uma relação direta e cotidiana com o espaço vivido, que se expressa pela linguagem. Por sua vez, o professor necessita estabelecer uma mediação e uma intervenção intencional que conduza o aluno a uma ação com o meio externo para conhecê-lo,

interpretá-lo para a construção do conceito científico (Cavalcanti, 2005: 199).

A relação dialógica e dialética entre conceito científico-conceito espontâneo, entre espaço geográfico e linguagem geográfica e entre professor-aluno, teoria-prática constitui a especificidade de ensino- aprendizagem da Geografia, pois, não trabalha conceitos fechados, mas baseia-se na perspectiva de alteridade e inacabamento contínuos na visão bakhtiniana e, na perspectiva vygotskyana de elementos contrários que coexistem na totalidade3 (Freitas,1997). Estabelece uma tensão que favorece uma aprendizagem que conduz o desenvolvimento (Newman&Holzman,1993:102) e, conseqüentemente, a uma significação dos elementos presentes no espaço e das relações sócio-histórico- culturais que o produziram. Uma atividade de ensino-aprendizagem orientada pela alteridade dos sujeitos participantes (professor-aluno) e pela visão de acabamento-inacabamento do espaço geográfico, faz da sala de aula um ambiente de pesquisa e investigação constantes, em oposição à tradição escolar do ensino baseado na transmissão do saber e da aprendizagem avaliada pela reprodução do conhecimento prescrito.

Essa proposição coloca a Geografia e seus conceitos como elementos fundamentais no desenvolvimento cognitivo. Através das categorias geográficas, pode-se operar com a informação e não apenas acumular. O que significa transformar informação em conhecimento e conhecimento em ação. Mas não se trata de um agir qualquer. Mas sim, de uma ação orientada pela reflexão crítica em relação ao conhecimento científico, a partir de um processo de construção, apropriação e internalização de conceitos. O que gera uma possibilidade efetiva de transposição desses conceitos para diferentes contextos.

Tendo em vista que, a Geografia possui um discurso, uma linguagem própria, categorias definidas, cabe ao professor criar condições

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Os conceitos vygotskyanos e bakhitinianos mencionados serão detalhados nos capítulos 3 e 4 respectivamente.

para o desenvolvimento de habilidades específicas capazes de colocar os alunos e cidadãos em um outro patamar de análise, compreensão da realidade e atuação social, resultante dos conhecimentos geográficos. Para tanto, é necessário observar aspectos relacionados ao cotidiano do professor de Geografia e o discurso utilizado, como será apresentado na seção a seguir.

No documento POR UMA OUTRA GEOGRAFIA ESCOLAR (páginas 58-61)