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O Gênero da Atividade do Professor de Geografia

No documento POR UMA OUTRA GEOGRAFIA ESCOLAR (páginas 61-64)

Capítulo 2: Fundamentação Teórica

2.5. O Gênero da Atividade do Professor de Geografia

“Se a ação e reflexão, como constituintes inseparáveis da práxis, são a maneira humana de existir, isto não significa, contudo, que não estão condicionadas, como se fossem absolutas, pela realidade em que está o homem”.

Paulo Freire

A contribuição da linguagem para a análise da atividade de ensino-aprendizagem da Geografia Crítica trazida pela Lingüística Aplicada, traz a possibilidade do no professor desenvolver uma conscientização em relação ao seu discurso e suas práticas, bem como do outro, fazendo com que esse profissional possa responder sobre os seus atos, busando uma reconstrução de sua prática, orientado por teorias de ensino-aprendizagem, pelos pressupostos teóricos dessa ciência e por uma reflexão sobre a intencionalidade social de suas ações.

A atividade do professor deve ser concebida como ato ético, que “envolve o conteúdo do ato, o processo do ato, e, unindo-os, a

valoração/avaliação do agente com respeito a seu próprio ato” Sobral

(2005:104). Isso caracteriza o profissional reflexivo crítico, que orienta suas ações por valores e princípios que conduzem à cidadania como prática desejável e não apenas como uma condição legal (Gentili, 2001). Destaca-se, portanto, como uma atividade que “dirige-se não apenas aos

alunos, mas também à instituição que o emprega, aos pais, a outros profissionais” (Amigues, 2004: 41).

Além disso, a atividade do professor sofre determinações institucionais, regimentais, técnicas, econômicas, o que acaba por definir

um gênero de atividade estabelecido por uma norma social (Faïta, 2004) e por uma cultura escolar fortemente influenciadas por “diferentes conjuntos

de interesses, conflitos e jogos de poder que moldam as atividades organizacionais” (Morgan, 1996).

Soma-se a esses aspectos, a tradição do ensino da Geografia, muito arraigada ao cotidiano, às instituições e ao discurso dos professores, e ainda, a uma visão ideológica presente em cada coletivo de trabalho, que por sua vez está imersa na ideologia oficial do sistema educacional e da sociedade como um todo, o que define um gênero profissional ou gênero da atividade (Souza-e-Silva, 2004), que acaba por aprisionar o professor a um agir rotineiro, repetitivo e pouco criativo.

Importante destacar que, os chamados professores especialistas, responsáveis principalmente pelas disciplinas organizadas a partir do segundo ciclo do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, em sua maioria, direcionam seu planejamento e sua ação pautados nas prescrições específicas de sua área. Abstraem as teorias de ensino-aprendizagem, reforçam uma visão fragmentada do saber e uma opção conteudista que privilegia a memorização em detrimento da análise, interpretação e principalmente da autoria e da crítica por parte dos alunos em relação ao conhecimento historicamente acumulado.

Como exemplo, Tardif, Lessard, e Lahaye (1991) destacam que o professor possui um saber plural, estratégico e desvalorizado. Plural, pois, envolve o conhecimento da estrutura e funcionamento da escola, baseado na experiência profissional cotidiana, na ciência da educação e na pedagogia. O saber da disciplina relacionado à tradição cultural dos grupos sociais produtores, ou seja, a comunidade científica, e ainda, o saber curricular prescrito que se apóia em discursos, objetivos, conteúdos e métodos selecionados como modelo pela cultura escolar. Possui um saber estratégico ao realizar a mediação entre o saber elaborado pela comunidade científica e a comunidade escolar. Promove, desse modo, a

aprendizagem que resulta da relação entre o saber cotidiano e o conhecimento científico.

Porém, esse saber múltiplo, sem o qual é impossível atuar na educação, cria um saber e um profissional pouco valorizado pela sociedade devido à proletarização e à burocratização do seu trabalho. Distanciados da produção de conhecimentos transformam-se em meros executantes ou assemelham-se a um operário dentro de uma estrutura cada vez mais rotineira e empresarial. Segundo Amigues (2002), todo esse contexto dificulta que a ação do professor consista não apenas em aplicar prescrições, mas, que possam colocá-las à prova, reorganizá-las e substituí-las, dando protagonismo a esse profissional, aproximando o prescrito do realizado, e acima de tudo, criando um ambiente de realização coletiva de tarefas distribuídas ao longo do período escolar, que se constituem como instrumento de desenvolvimento dos participantes.

Mesmo considerando a estabilidade presente no gênero profissional definido para o professor de Geografia, uma proposta criativa do trabalho escolar, dentro de um processo dialógico e interativo entre os participantes, promove a possibilidade de transcender o conteúdo prescrito através da reflexão sistemática durante a realização do trabalho de ensino- aprendizagem, estabelecendo um processo de transformação incessante e permanente. Um devir que liberta professores e alunos propiciando uma nova relação com o saber, a ciência e a criação. Uma nova construção de sentidos para aprender e ensinar Geografia.

O professor que desenvolve no aluno a capacidade de pensar, apoiado em teorias e orientado por uma posição exotópica4 em relação ao

outro está se propondo a “assumir um pensamento, assiná-lo, ser

responsável por ele em face dos outros num contexto real e concreto”,

conforme afirma Amorim (2003:16), possibilitando assim, o verdadeiro exercício da cidadania e da democracia, em que todos podem ter vez e

voz, tornando claro e evidente o caráter ideológico do discurso, bem como a responsabilidade do seu autor.

Mas para a concretização de um novo paradigma de ensino- aprendizagem ou para a transformação desse gênero de atividade, é necessário rever a organização ou gestão do trabalho dos professores e dos alunos, conhecer as condições de sua execução, o contexto sócio- histórico-cultural em que a atividade se desenvolve e, não apenas informar o conteúdo científico e pedagógico indicado pelos PCN, por outros documentos prescritivos utilizados nas escolas e pelos livros didáticos. Trata-se de um reconhecimento da atividade do professor como prática complexa e singular, relacionada a um contexto concreto espacial, temporal e psicossocial a ser detalhadamente analisado, para que se possa reconstruir o pensamento pedagógico e superar a cultura escolar dominante, de modo a oferecer alternativas reais de mudança (Pérez Gomes, 2001: 195).

Apresento na próxima seção uma reflexão sobre a importância das contribuições de Bakhtin e Vygotsky para o ensino da Geografia Crítica no contexto escolar, considerando a necessidade de transformação nas práticas didático-pedagógicas para que se possa construir um novo significado para aprender e ensinar Geografia nas escolas de Ensino Fundamental e Médio.

No documento POR UMA OUTRA GEOGRAFIA ESCOLAR (páginas 61-64)