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Breve Histórico Constitutivo da Geografia

No documento POR UMA OUTRA GEOGRAFIA ESCOLAR (páginas 42-46)

Capítulo 2: Fundamentação Teórica

2.2. Breve Histórico Constitutivo da Geografia

Como não há homem sem mundo, nem mundo sem homem, não pode haver reflexão e ação fora da relação homem-realidade”.

Paulo Freire

A Geografia, desde os primórdios de sua constituição como ciência, luta para estabelecer uma definição de seu objeto – o espaço geográfico. Entretanto, essa busca não se restringe a uma descrição do espaço, mas um empenho de conceituá-lo, bem como estabelecer suas categorias.

A Geografia, como as demais ciências, surgem e se desenvolvem como resultado de contextos sócio-histórico-culturais influenciadores de suas formulações e de sua evolução. Nesse sentido, sabe-se que a Geografia refletiu várias correntes do pensamento filosófico, sofreu influências ideológicas e serviu como instrumento de poder.

Também, é importante destacar que, o objeto da Geografia é constitutivamente dinâmico, representativo das relações sociais e materializa a história através de suas transformações. Portanto, “o que

pensamos sobre o espaço jamais poderá ser compreendido sem que se reflita sobre o próprio movimento que cria, recria, nega e, pela superação, redefine a espacialidade dos próprios homens” (Santos,

2002:23).

A Geografia como ciência foi sendo produzida e influenciada desde os filósofos gregos, passando pela teoria de Copérnico (1473- 1543) que confronta os valores do mundo feudal, as representações cartográficas de Mercator (1512-1594) com todo seu conteúdo inovador

e ideológico, o dualismo de Descartes (1596-1650), a racionalidade de Kant (1724-1804), materialismo dialético de Marx (1818-1883),a seleçao natural de Darwin (1809-1882), enfim, uma gama enorme de conhecimentos e acontecimentos que impactaram em sua constituição (Santos, 2002). Além da produção científica da Geografia construída por Humboldt (1769-1859), Ritter (1779-1859), Ratzel (1844-1904), La Blache (1845-1918) e os contemporâneos Pierre George e Yves Lacoste, entre outros.

Durante esse percurso sócio-histórico da Geografia, muitas foram as formulações teóricas elaboradas pelos geógrafos que, na busca de estabelecer novos paradigmas, na tentativa de resolver os desafios que a sociedade atravessa em seu processo evolutivo (Santos, 1980:157). Desde a Geografia colonial, a clássica, a quantitativa, a nova Geografia, a Geografia Crítica. E, ainda, a compartimentalização de caráter conceitual ou didático em Geografia Regional, Física, Humana, Política, Econômica refletem o movimento constante de transformação do mundo, a relação entres os vários campos científicos, a evolução da técnica e as mudanças no modo de produção e nas relações de trabalho.

Mas foi entre meados e o fim da década de 70 que os temas ligados à ideologia, a epistemologia, a ontologia e a historicidade ganham força na Geografia com as obras de Massimo Quaini, Armando Correia da Silva e Milton Santos. Também a superação dos paradigmas da “geografia do professor, estabelecida pelo discurso do saber neutro,

inútil, ingênuo e desinteressado” passam a ser contestados por Yves

Lacoste (Moreira, 2007: 31). Iniciava-se, portanto, uma grande transformação na Geografia acadêmica.

Porém, quando a Geografia se apresenta na escola como conteúdo curricular, com freqüência sua historicidade passa a ser negligenciada para se transformar em um conhecimento estático, descontextualizado e enfadonho. Por ser apresentada como algo

distante do aluno e de sua realidade e por ser vista como uma listagem de dados e informações a serem simplesmente memorizados e repetidos, torna-se uma disciplina de menor importância quando comparada à matemática, língua materna, ou ainda sendo vista como apêndice da história.

Naturalmente, não é desejável que a Geografia escolar seja um estudo epistemológico da ciência envolvendo explicações de seus condicionamentos, relações e vínculos ao longo de sua constituição enquanto saber acadêmico, mas, é necessário reconhecer o seu caráter ontológico na constituição da subjetividade. Ou seja, que o lugar é algo inerente a todos os seres, faz parte da natureza de cada indivíduo. Nas palavras de Santos (1980: 201) “não há sociedade a-espacial” ou nas de Freire (1979/2007: 17) “não há homem sem mundo”. Tal constatação, por si só, já destaca a importância da presença da Geografia no currículo como forma essencial de compreender a realidade.

Outro aspecto fundamental baseia-se na atual organização espacial orientada pelo meio técnico-científico-informacional, que alterou significativamente as distâncias relativas, estabelecendo um modelo de rede e não somente um modelo regional. Em outras palavras, as relações de verticalidade, que indicam as relações entre diferentes e distantes sociedades, estão se sobrepondo às relações de horizontalidade, de vizinhança e proximidade, referente às estruturas internas da sociedade (Santos, 1980: 200).

Observa-se, portanto, uma crescente mobilidade territorial e, como conseqüência, um processo de desterritorialização de homens, produtos e objetos (Moreira, 2006:160) resultante da divisão internacional do trabalho e das trocas de mercadorias. Essa reengenharia do espaço nada mais é do que a tão propagada globalização. Fenômeno que afeta a todos e que precisa ser analisado

no âmbito escolar sob a perspectiva da totalidade e da complexidade inerentes a essa nova organização espacial.

A globalização, ao contrário daquilo que está sendo difundido, principalmente na mídia e nas escolas, não é um fenômeno que aproxima as pessoas. Essa nova realidade, dentro do contexto atual do sistema econômico hegemônico, traz uma perda da identidade, da identificação com os lugares e da relação direta entre as pessoas, ou seja, crescem as relações mediadas pelas tecnologias, que possibilitam o funcionamento das redes. A “vizinhança global” é, na verdade, uma “proximidade imposta” que “contribui somente para a contração do

espaço, tempo e fronteiras, não para a expansão da harmonia comum ou valores compartilhados entre pessoas no mundo” (Kumaravadivelu,

2006:133),.

É essa nova espacialidade que o pensamento geográfico está procurando compreender e explicar. A Geografia escolar precisa fazer o mesmo. Precisa se reorganizar para trabalhar a totalidade dinâmica trazida pela globalização, de maneira que, o aluno e cidadão possa a todo instante restabelecer o sentido de pertencimento ao lugar que habita (Moreira, 2006:164), ao mesmo tempo em que, constrói uma identidade planetária.

Porém, a aproximação e o diálogo entre a Geografia escolar e a Geografia acadêmica, pressupõe uma competência por parte dos professores, relacionada com sua formação inicial, seu repertório cultural, seus canais de atualização e, fundamentalmente, um domínio lingüístico e pedagógico dos conceitos científicos da ciência. Essas exigências, aparentemente óbvias para o exercício do magistério, não estão presentes na maioria das escolas, não fazem parte de suas prioridades e são muitas vezes inacessíveis aos professores.

Na seção a seguir, discuto as questões relativas à produção acadêmica da Geografia e o universo do ensino Fundamental e Médio,

no processo de transposição didática dos novos conceitos propostos pela Geografia Crítica.

No documento POR UMA OUTRA GEOGRAFIA ESCOLAR (páginas 42-46)