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CAPÍTULO 2 SCHUMPETER, O DESENVOLVIMENTO E O CICLO

2.7 O CICLO PARA SCHUMPETER

2.7.7 A especulação no ciclo

O mercado é composto por agentes especulativos e produtivos, sendo que os produtivos podem, em determinados casos, exercer atividades especulativas e os especulativos podem comprar ativos que simbolizem determinada produção. No âmago do movimento expansivo, algumas firmas se ajustam às inovações, enquanto outras simplesmente especulam. Nos dois casos ocorre uma pressão no mercado monetário. As firmas buscam crédito para financiar a reformulação da sua cadeia produtiva e para garantir sua solvência durante o processo concorrencial e os agentes especulativos alteram as condições do mercado monetário e procuram rendimentos superiores aos inerentes aos seus ativos.

Atividades especulativas acontecem geralmente durante o segundo movimento do processo inovador, no qual as firmas estabelecidas tendem a elevar os investimentos em defesa do seu mercado e no qual surgem outras empresas que irão competir não apenas com as estabelecidas, mas principalmente com outras empresas inovadoras.

No momento em que os empresários pressionam o mercado monetário e elevam as taxas de juros, as firmas também elevam a demanda por crédito visando defender o seu market share. Ao mesmo tempo, os especuladores, que esperam um posterior aumento das taxas de juros, aumentam sua demanda por recursos líquidos e intensificam o processo expansionista do mercado de crédito. A ação dos especuladores provoca um encarecimento do crédito, que é uma ferramenta essencial para a sobrevivência (pelo menos no curto prazo) de algumas firmas.

A crise é, portanto, antecipada com a deterioração nas condições de financiamento. A queda na taxa de juros, resultante da redução na demanda por crédito

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– devido à exclusão de parte das firmas e ao fluxo reverso dos recursos emprestados aos empresários – é ampliada pela ação dos especuladores, que esperam uma queda na taxa de juros e, portanto, tendem a reduzir a demanda por recursos monetários.

Além de possibilitar a antecipação do boom e da crise, a especulação potencializa os seus sintomas. A especulação lançada na segunda onda de inovações amplia o saldo monetário da economia e gera constantes recomposições nos preços dos bens e ativos.

Speculation in the narrower sense of the word will take the hint and start on its familiar course or rather, anticipating all this, stage a boom even before prosperity in business has had time to develop. New borrowing will then no longer be confined to entrepreneurs, and ‘deposits’ will be created to finance general expansion, each loan tending to induce another loan, each rise in prices. (SCHUMPETER, 1982, p. 145).

O movimento inflacionário especulativo tem limite no crédito. O tamanho do boom é correlacionado diretamente ao volume de recursos monetários lançados nesse processo para atividades que não a incorporação de inovações, incluindo o crédito especulativo e para as firmas antigas. Quanto maior o volume de recursos destinado para esses fins, maior é o crescimento nos preços e, consequentemente, maior o boom e a fragilidade da economia.

A atividade especulativa é considerada racional para Schumpeter24. Os agentes agem conforme suas expectativas, que se alteram de acordo com as condições de lucratividade da economia. Como foi colocado na seção 2.6, estas expectativas se alteram tão somente após a incorporação de uma inovação. Iniciado o processo expansivo, os homens de negócios e especuladores alteram suas expectativas e passam a confiar na manutenção, ou melhoria, das condições de renda.

As expectativas são estimuladas pelo fato de a ampliação da capacidade produtiva não ser homogênea. As firmas estabelecidas possuem uma produtividade inferior às empresas, que lançam as inovações. Quando surge uma empresa, a demanda é pressionada, o que leva a oferta (composta principalmente de firmas) a

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A discussão aqui não é sobre as expectativas racionais e adaptativas, mas se o comportamento do agente é coerente com as suas expectativas, que são adaptativas, já que são baseadas no movimento recente da economia e na baixa previsibilidade sobre o futuro.

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utilizar força de trabalho, máquinas e equipamentos cada vez menos produtivos e, por isso, o aumento da disponibilidade de bens não acompanha o crescimento da demanda na fase expansiva. Consequentemente, os preços se elevam. Com uma elevação nos preços, firmas têm seus títulos valorizados, o que estimula os homens de negócio a ampliarem o investimento, e os especuladores a adquirirem seus títulos, sem, contudo, incorporar a inovação.

Na medida em que, as empresas começam a competir, reduzindo os preços dos bens e excluindo as firmas de baixa produtividade, mas com grande market share, os espaços, que são constantemente criados, devem ser preenchidos por empesas, caso contrário, as expectativas se revertem.

Contudo, na presença de especuladores, a atitude altista pode ser revertida antes mesmo de iniciar o processo de destruição criadora, com a exclusão de parte das firmas estabelecidas e a redução dos lucros das empresas. As expectativas desses agentes revertem o processo expansivo e, posteriormente, passam a ampliar o processo depressivo. Assim, a reversão deve ser adiantada pelos especuladores, que são os primeiros e os mais afetados pela crise25.

Os agentes especulativos, que atuam alavancados durante o boom, na crise se tornam potencialmente ilíquidos e são os primeiros a serem expulsos do mercado, abrindo espaço para os agentes produtivos. Esses dois tipos de agentes são guiados de acordo com suas expectativas pela busca de maiores rendimentos. Contudo, diferentemente dos especulativos, os agentes produtivos têm objetivos maiores que meros rendimentos de curto prazo. O objetivo desse tipo de agente é garantir e elevar a sua participação na renda da economia no longo prazo e, por isso, não importa o valor dos títulos no curto prazo, mas o potencial intertemporal de retorno.

Assim, Schumpeter considera a atuação de pelo menos três agentes: o especulador, o homem de negócios e o empresário. O especulador é responsável pela fragilidade da economia, enquanto que o homem de negócios e o empreendedor constituem barreiras à depressão. Os homens de negócios, apesar de duramente desafiados pelo processo inovador, tentam se manter no mercado. Aqueles que

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Mesmo sem a presença de especuladores, há uma tendência depressiva no movimento de crescimento da economia, germinada pela inovação e levada a cabo pelo fim do segundo movimento inovador.

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conseguem financiar o combate à inovação ou a adaptação do seu modo de produção são sobreviventes do processo de destruição criadora e ampliam, ou reconfiguram, sua participação no mercado. Os empresários são responsáveis pela criação de novas unidades produtivas, que geram mais com menos insumos. Dessa forma, esses dois agentes mesmo com expectativas negativas sobre o futuro continuam a investir pela “luta da sobrevivência” e definem um piso para a crise.

A amplitude do ciclo depende de um fator interno, a disponibilidade do crédito. O crédito não é apenas disponível para os empresários, não se encontra apenas na forma de capital, mas se encontra disponível para todos os indivíduos solventes da economia.

Desconsiderando o crédito ao consumo e à inovação, parte dele é destinada a atividades especulativas e outra parte ao financiamento da manutenção das atividades das firmas estabelecidas. Estas firmas podem permanecer no mercado de acordo com o seu potencial de financiamento. Muitas vezes, grandes corporações procrastinam e até mesmo impedem o desenvolvimento. Em outros termos, a duração e a intensidade do ciclo dependem tanto de atividades especulativas, como da capacidade das firmas de se defenderem das empresas.

Os erros são outros fatores que podem afetar o ciclo, mas não a sua causa. Os agentes desse modelo não estão livres dos erros. Tanto as firmas como as empresas cometem erros quando a economia não está em equilíbrio, não há previsibilidade dos acontecimentos. Portanto, as firmas e empresas competem no mercado em desequilíbrio e tendem a basear suas decisões de produção em expectativas construídas a partir de um volume limitado de informações. Desde o primeiro movimento inovador as firmas passam a tentar produzir de acordo com a demanda agregada potencial, tentam sempre maximizar seus lucros e ao mesmo tempo se defender das entrantes. Nesse processo de tentativa e erro de alcançar a demanda prospectiva, os erros são ampliados por decisões especulativas. Essas decisões guiam os agentes à ampliação do passivo, que fragiliza ainda mais os participantes do mercado.

Por fim, o crédito para Schumpeter é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento econômico, mas o seu uso para outras atividades que não a

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construção de empreendimentos resulta em maior instabilidade. “The only conclusion

that really follows is that the credit machine is so designed as to serve the improvement of the productive apparatus and to punish any other use.” (SCHUMPETER, 1982, p.

148).

Mostramos nesse capítulo que o ciclo para Schumpeter está totalmente vinculado ao processo de desenvolvimento econômico, e dependente da inovação e do crédito. A inovação é dependente do aval do sistema financeiro, e apenas ela é capaz de alterar o status quo da economia.

No capítulo que se segue apresentaremos como importantes autores heterodoxos, mais especificamente Possas e Minsky, interpretam a teoria de Schumpeter, quais são suas criticas e como eles conseguem construir modelos que conciliam a abordagem kaleckiana com a schumpeteriana.

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