• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 SCHUMPETER, O DESENVOLVIMENTO E O CICLO

2.7 O CICLO PARA SCHUMPETER

2.7.4 O ciclo schumpeteriano simples

Ao considerar apenas o impacto das inovações em uma economia em estado estacionário, com concorrência perfeita, em pleno emprego, em que o único meio de produção é o trabalho e que os trabalhadores não poupam (de fato, não há nenhum fluxo de poupança), Schumpeter constrói uma simplificação distante da realidade, mas obtém conclusões esclarecedoras. Apresenta-se aqui esse ciclo em três etapas, de forma a torná-lo mais claro para o leitor.

a) A incorporação da inovação e a inflação

A demanda originada dos empresários resulta em inflação. Os empresários demandam bens de produção que já são alocados no fluxo circular da renda por outras firmas. Considerando apenas o trabalho como meio de produção, o aumento da demanda por trabalho eleva os custos das firmas. Por outro lado, o aumento da demanda provoca efeitos encadeados, que elevam as receitas das firmas. O resultado é um aumento da demanda por crédito para financiar os empreendimentos e ampliações das firmas estabelecidas, ao mesmo tempo em que há um crescimento da especulação, o que amplia o grau de inflação.

b) A socialização da inovação e a deflação

À medida que a primeira onda de investimentos amadurece novos produtos são lançados no mercado, passando a concorrer com os das indústrias estabelecidas e tecnologicamente inferiores. Estas que já estavam atuando com custos crescentes, passam a conviver com receitas decrescentes. Esse processo ocorre inicialmente nos setores em que a inovação é incorporada, contudo logo transborda para toda a economia. As firmas antigas enfrentam a concorrência mesmo com prejuízos, conforme

81

seu poder de mercado e sua capacidade de financiamento, que constituem algumas das principais barreiras às empresas inovadoras. Deste modo, a destruição nessa etapa é reduzida.

A demanda por produtos dos setores que foram afetados pela primeira onda de inovações continua relativamente estável e, muitas vezes, é determinada por contratos ou pela preferência ligada à marca. Entretanto, com a expansão propiciada pelas inovações, uma segunda onda de inovações se faz presente, proporcionando redução do custo de produção daquelas que adotam a tecnologia mais avançada. As empresas podem então reduzir os preços do produto e levar à falência muitas das suas concorrentes, geralmente as firmas que não foram rápidas o suficiente em incorporar as inovações e que possuem baixa capacidade de financiamento.

Com a socialização das inovações, num período pós-boom, não apenas os preços dos bens se reduzem, mas o mercado monetário também se contrai. O crédito tende a baratear, tendo em vista a redução da demanda das firmas e empresas por financiamento. A redução da demanda por crédito acontece devido a mudanças nas expectativas dos homens de negócio, que passam a esperar um prejuízo. Também influem nesse processo o aumento da incerteza e a impossibilidade dos empresários de fazerem cálculos adequados para a realização de novos investimentos.

O comportamento dos empresários agrava o processo deflacionário. Na medida em que a capacidade de pagamento destes agentes melhora, passam a pagar o financiamento adquirido e a encontrar melhores condições de financiamento. Assim, o sucesso dos empreendimentos levaria não só a uma redução dos preços, mas também a uma redução de custos de financiamento, pela queda da demanda por crédito.

Contudo, de acordo com o poder de barganha e as expectativas dos rentistas (credores) sobre o risco dos empréstimos no momento da crise, pode haver uma redução do tempo médio do empréstimo e uma elevação da taxa de juros, até mesmo durante um período relativamente longo de depressão.

c) O novo equilíbrio

As empresas enfrentam uma enorme gama de problemas enquanto se estabelecem, são constantemente ameaçadas pela concorrência e podem ser

82

excluídas do mercado se somarem erros suficientes. No mesmo sentido, as firmas também têm de se adaptar, de algum modo, às renovações no processo produtivo ou serão destruídas. Nesse contexto, ocorre uma luta entre empresas e firmas por novas posições de equilíbrio. Dessa luta resultará o papel efetivo das inovações no novo contexto de equilíbrio. Sendo a crise o efeito das inovações sobre os menos aptos, não haverá equilíbrio até que esses efeitos sejam disseminados. Ao mesmo tempo em que não existirá boom, dado que o caráter de incerteza leva os homens de negócio a adotarem condutas de acordo com o que Schumpeter denominou de: “princípio do prejuízo efetivo ou iminente” (Schumpeter, 1997, p. 227).

[…] por um lado, o impulso que impele o processo de depressão teoricamente não pode parar até que tenha feito a sua parte, tenha realmente conduzido a uma nova posição de equilíbrio; por outro lado, nenhuma perturbação nova na forma de um novo boom pode até então surgir do sistema econômico em si mesmo. A conduta dos homens de negócios no período de depressão é inteiramente regida pelo princípio do prejuízo efetivo ou iminente. Mas prejuízos ocorrem ou são iminentes — não necessariamente em todo o sistema econômico, mas nas partes expostas ao perigo — enquanto todos os estabelecimentos, e assim o sistema como um todo, não estiverem em equilíbrio estável, o que, na prática, é o mesmo que dizer até que produzam novamente a preços que aproximadamente cubram os custos. Em consequência, há depressão, teoricamente, enquanto tal equilíbrio não for em grande parte alcançado. E nem esse processo será interrompido por um novo boom, antes que tenha desempenhado sua parte nesse sentido. Pois até então necessariamente há incerteza sobre quais serão os novos dados, o que torna impossível o cálculo de combinações novas e torna difícil obter a cooperação dos fatores requeridos. (SCHUMPETER, 1997, p. 226 e 227).

Depois da total socialização das inovações, a economia voltaria ao fluxo circular. O processo depressivo tem limite determinado pela dispersão das inovações e pela capacidade das firmas e empresas em se manterem no mercado. Uma vez eliminadas as firmas menos produtivas e financeiramente menos preparadas, inicia-se um processo de recuperação. As firmas sobreviventes competem por suas parcelas no mercado e delimitam seus mark-ups. A recuperação leva a um novo estado de equilíbrio, que geralmente é mais avançado que o anterior. O novo estágio de equilíbrio seria marcado por um período em que as empresas não mais existiriam e as firmas teriam receitas equivalentes aos custos, ou seja, sem lucro, mas com a possibilidade de renda de monopólio.

83

O equilíbrio pode ser adiado, mas o ideal é que os efeitos do ciclo sejam rapidamente assimilados. Os efeitos da crise podem ser adiados ou até contrabalanceados quando homens de negócios esperam poder liquidar as dívidas em um posterior período de recuperação, e dessa forma mantêm os negócios mesmo com prejuízo.

Para Schumpeter, a existência de grandes corporações e algumas formas de apoio governamental atrapalham o desenvolvimento, no sentido de evitar que o movimento cíclico se complete e dele seja possível o surgimento de outro boom levado à tona por outras inovações. As corporações tendem a defender suas parcelas do mercado, mesmo com constantes ataques de empresas inovadoras. O apoio governamental nesses casos apenas ajuda a manter o desequilíbrio. Subsídios, tarifas protecionistas e abonos que beneficiam estas firmas apenas interrompem o processo de desenvolvimento.

A trustificação progressiva da vida econômica facilita a continuação permanente de desajustes dentro dos próprios conglomerados grandes e consequentemente fora deles, pois na prática só pode haver equilíbrio completo se houver livre concorrência em todos os ramos da produção. Além disso, em consequência da força financeira de algumas empresas, especialmente das mais antigas, o ajuste nem sempre é muito urgente, não é uma questão imediata de vida ou de morte. Há também a prática de ser o apoio externo estendido a empresas ou a indústrias inteiras em dificuldades, por exemplo, os subsídios governamentais dados com a suposição de bona ou mala fide de que a dificuldade é apenas temporária, criada por circunstâncias exógenas. Em tempo de depressão também há frequentemente um clamor por tarifas protecionistas [...] Finalmente, as anormalidades no curso da depressão às vezes têm o efeito de produzir excesso de compensações; (SCHUMPETER, 1997, p. 227).

O resultado da destruição criadora é uma recomposição do mercado: bens são desenvolvidos ou reelaborados, a produção é reformulada e os custos de produção são reduzidos. Dessa forma, parte da queda dos preços, que se manifesta na depressão, corresponde à redução dos custos e pode ser definitiva. O que era lucro empresarial no boom pode beneficiar toda a sociedade após a adaptação.

[…] à parte a assimilação das inovações que acaba de ocupar a nossa atenção, o período de depressão faz algo mais que não salta tanto à vista quanto os fenômenos aos quais deve o seu nome: cumpre o que o boom prometeu. E esse efeito é duradouro, ao passo que os fenômenos sentidos como

84

desagradáveis são temporários. A corrente de bens é enriquecida, a produção parcialmente reorganizada, os custos de produção diminuídos e o que a princípio aparece como lucro empresarial incrementa depois as rendas reais permanentes de outras classes. (SCHUMPETER, 1997, p. 228).