• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 SCHUMPETER, O DESENVOLVIMENTO E O CICLO

2.5 A POUPANÇA, O CRÉDITO E O FINANCIAMENTO

2.5.1 A poupança

A massa de riqueza acumulada nas empresas corresponde à poupança acumulada pelas famílias. Poupar para Schumpeter (1982) é uma ação diferente de não gastar, também é algo diferente de guardar dinheiro para consumir no futuro. A poupança implica a aquisição de títulos, que são capazes de gerar um fluxo de renda. Poupar é uma ação das famílias, para as empresas o termo que Schumpeter (1982) utiliza é acumulação.

By saving we mean the earmarking, by a household, of an element of its current receipts — as distinguished from "capital gains" — for the acquisition of titles to income or for the repayment of debt. If a firm does the same thing with an element of its net receipts from the sale of products and services, we shall speak of Accumulation […] Saving and Accumulation will thus be treated as elements of a monetary process. (SCHUMPETER, 1982, p. 75).

19

Ricardo (1996) coloca que as inovações atuam em função da necessidade de alocação da riqueza: “[...] descobertas ocorrem gradualmente e atuam mais no sentido de proporcionar novas aplicações ao capital que é poupado e acumulado do que no de desviar capital de suas atuais aplicações.” (RICARDO, 1996, p. 293). Neste mesmo sentido escreve Marshall: “[…] os modernos métodos de negócio trouxeram com eles oportunidades para a segura colocação de capitais de maneira a produzir um rendimento para as pessoas que não encontram ocasião para entrar em nenhum negócio […]” (MARSHALL, 1996, p. 281).

62

Fica claro que, na consecução da teoria de Schumpeter a poupança é um estoque, diferentemente do investimento20. A poupança depende de oportunidades de aplicações e da expectativa de renda que elas tenham a oferecer. Enquanto a poupança é um estoque, que corresponde à acumulação das empresas, o investimento é um fluxo, que depende principalmente do financiamento.

Saving and investment, as here defined, are of course distinct events. The former exerts influence of its own independently of investment and the latter can be financed, as we shall see, from sources other than saving […] Saving, as defined, implying intention to acquire titles to income, the decision to save is taken with reference to given or expected investment opportunities and the prospect of income they offer (SCHUMPETER, 1982, p. 77).

O estoque de poupança é importante no processo de desenvolvimento econômico, mas seu fluxo tem o potencial de criar grandes distorções na economia. Incentivos à poupança não são capazes de retirar a economia de um estado estacionário e levá-la a outro com crescimento superior. Ao contrário dos neoclássicos, para Schumpeter (1982) o fluxo de poupança é importante apenas na distribuição da renda na economia.

Schumpeter (1982) suporta a hipótese da Falácia da Composição da Teoria Clássica levantada por Keynes (1996), para ele um aumento na poupança no curto prazo representa queda no consumo. As firmas não alterarão seu estoque de bens de produção até que um aumento na demanda ocorra. Assim, a oferta se mantém, mas com a queda do consumo a demanda cai, o que se traduz em queda da rentabilidade e aumento do passivo das firmas. Deste modo, o aumento da poupança eleva a demanda das firmas por crédito, com fins de realizar seus compromissos, e ao mesmo tempo inibe novos investimentos. Portanto, um choque positivo de poupança acarreta em aumento do endividamento, queda nos investimentos e na renda da economia.

Não obstante, há uma relação de determinação clara em que o investimento determina ex post a poupança. O aumento da poupança reduz a produção no curto prazo, impede novos investimentos e resulta em uma queda da taxa de juros – como

20

Schumpeter não desconsidera em sua teoria a identidade poupança = investimento enquanto fluxos. Contudo, ele utiliza o termo poupança como estoque que equivale ao estoque de riqueza.

63

consequência da redução na demanda por crédito para a realização de novos investimentos. Assim, há um desincentivo a poupar, que eleva o consumo e o equilíbrio se reestabelece em alguns períodos.

Logo, a inovação surge não do aumento da poupança, mas sim da realocação desta. A decisão de alocação financeira em ativos totalmente novos é colocada como questão por Schumpeter (1982), que relata que a poupança das famílias pode ser destinada para firmas ou empresas. Contudo, por que esses agentes abandonariam o conforto da sua renda quase certa e assumiriam os riscos de uma empresa ou da aplicação de um novo método produtivo nunca antes utilizado?

A questão merece algumas considerações conceituais. A poupança, nos termos de Schumpeter (1982), é alocada por famílias de acordo com suas expectativas em diferentes ativos com diferentes graus de liquidez. No estado estacionário, mesmo se a economia estivesse abaixo do pleno emprego, o total da poupança estaria aplicada seja em títulos públicos, seja em investimentos de longo prazo, em derivativos, ou mesmo em dinheiro, entre outros. Como convencer esses rentistas a alocarem sua riqueza em algo totalmente desconhecido, ou melhor, em algo inexistente? Não existe essa possibilidade, os rentistas jamais sairão do conforto de sua renda quase certa para arcar com os custos e os riscos de um investimento totalmente incerto, cujos lucros prospectivos estão apenas na cabeça do empreendedor. Se o fizer, eles mesmos serão considerados empreendedores.

A questão que se coloca é: como seria possível retirar a economia do estado estacionário, se os detentores da riqueza não se dispõem a alterar a alocação da poupança e dada a impossibilidade de elevar o estoque de poupança sem uma queda na demanda agregada? Afinal, o desenvolvimento só é possível se as inovações forem incorporadas ao mercado, e isso só acontece por meio do comando sobre os meios de produção, que se dá pela posse de recursos monetários.