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CAPÍTULO 1 – A TEORIA DO CICLO ECONÔMICO DE KALECKI

1.4 O MECANISMO DO CICLO ECONÔMICO EM KALECKI

1.4.3 Algumas considerações relevantes

As figuras 1 e 2, dispostas respectivamente nas subseções 1.4.1 e 1.4.2, são abstrações construídas por Kalecki para demonstrar o movimento dinâmico das economias capitalistas. Ao comparar esses dois modelos, podemos observar que Kalecki passa a dar uma relevância maior para variáveis financeiras, principalmente para as condições de financiamento dos bens de investimento. O que não significa que as condições de financiamento não eram importantes no modelo anterior, mas que na TDE ganham forma algébrica e passam a implicar explicitamente o movimento oscilatório da economia. Além disso, a reação dos capitalistas a variações na condição de valorização do capital passa a ter destaque.

O que há de comum entre os dois modelos é que o ciclo econômico é determinado por decisões capitalistas. Como foi demonstrado, o ciclo econômico é determinado de acordo com as ordens de investimento dos capitalistas e com o atraso da resposta da oferta à demanda. Kalecki (1969) observa que o processo de acumulação de capital geralmente apresenta períodos mais longos de recessão que a duração média da etapa expansiva, isso porque o capital leva mais tempo para se depreciar do que leva para ser produzido. Assim, o capital produzido durante a etapa expansiva levaria muito tempo para ser depreciado durante o longo do processo recessivo.

Pela Equação 3, temos que as ordens de investimento dependem do estoque de bens de produção e da acumulação desses bens, determinados por ordens de investimentos efetuadas em períodos passados e baseados em expectativas formadas de acordo condições de lucro naquele momento. De modo semelhante, a equação 12 demonstra que a decisão de investimento depende basicamente do investimento no presente e da variação deste nos períodos recentes, que foram realizados de acordo com as expectativas de lucro. Portanto, o investimento depende das expectativas de lucro dos capitalistas, que são baseadas nas expectativas de lucro de outros capitalistas em diferentes momentos no tempo, ou melhor, “Capitalists are [...]

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As expectativas do capitalista individual, que atua com o objetivo de beneficiar a si próprio, sobre lucros futuros podem levá-lo a reduzir suas ordens de investimento. Essa atitude prejudica toda a sua classe porque seu gasto representa renda para os demais capitalistas, que também terão de reduzir o investimento. Essas oscilações sobre a demanda por bens de investimento têm efeitos no mercado de trabalho e prejudicam toda a sociedade.

Os capitalistas não são apenas mestres dos seus destinos, mas determinam a renda da sociedade como um todo. Na TDE Kalecki (1977) estuda como as decisões capitalistas, que são as fontes do ciclo econômico, impactam nos lucros e nos salários da sociedade.

Como a economia é composta por oligopólios, que atuam com capacidade ociosa, Kalecki (1977) observa que os preços não são determinados pelo livre jogo entre a oferta e demanda, como na teoria clássica, mas de acordo com o grau de monopólio. A determinação de preços é dada de acordo com um mark-up frente aos custos diretos. Sendo, p = preço do produto; 𝑝̅ = preço médio ponderado das demais empresas; u = custos diretos e m = mark-up, temos:

p = mu + n𝑝̅ (13)

Quanto maior o preço cobrado por uma empresa, em relação aos seus custos diretos, maior o seu poder de monopólio. Assim, temos:

k = 𝑝𝑢 (14)

Onde k é o grau de monopólio.

Como os custos diretos são dados basicamente por salários (W) e custos com matérias-primas (M), temos:

u = W + M (15)

Fazendo j = M/W – ou seja, j corresponde à relação custo com matérias- primas e custo com trabalho na produção. Encontramos:

u = W(1+j) (16)

Considerando que o valor agregado da produção corresponde à produção subtraída dos custos com mercadorias, ou seja, igual à soma dos salários, custos indiretos e lucros (P), teremos:

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Colocando em função de p e substituindo na equação 14, temos:

k = W + M + Custos indiretos + P𝑢 (18)

Dado 15 e 16, temos:

W(k – 1)(1+j) = Custos indiretos + P (19) Fazendo w = W/(valor agregado), ou seja, a parcela relativa dos salários no valor agregado (dado em 17):

w = 𝑊+ 𝑊(𝑘−1)(1+𝑗)W = 1+(𝑘−1)(1+𝑗)1 (20)

Assim, a parcela de salários na renda é função decrescente do grau de monopólio k e da relação custo com matérias-primas e custos do salário, j. Dado que em uma economia monopolizada os preços não variam muito – as empresas costumam manter certo nível de estoque, de modo que variações na demanda são supridas por estoques – temos que na expansão – apesar da receita das empresas subir linearmente, de acordo com o preço – os custos diretos de produção sobem mais que proporcionalmente à receita, afetando os lucros e reduzindo o poder de monopólio (k). Dessa forma, a parcela de salários na renda geralmente se eleva durante uma fase expansiva.

Por outo lado, na expansão, a pressão sobre as matérias-primas as tornam mais caras em relação ao trabalho – a produção de matérias-primas no curto prazo é relativamente inelástica, além disso, é coerente supor que, com uma estrutura de mercado oligopolística, há um estoque de mão de obra desempregada – o que faz com que a relação custo com matérias-primas e custo com trabalho (j) se eleve, tornando os salários menores.

Kalecki (1977) chega à conclusão que o resultado de um movimento expansivo (recessivo) sobre o salário depende do grau de monopólio da economia, da composição dos setores produtivos da economia e da razão entre os preços das matérias primas e os custos com mão de obra.

Em resumo, a parcela relativa dos salários no valor agregado da indústria manufatureira é determinada, não só pela composição industrial do valor agregado, como pelo grau de monopólio e pela razão entre os preços das matérias-primas e os custos de salários por unidade. Uma elevação do grau de monopólio ou dos preços das matérias-primas com relação aos custos de

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salários por unidade provoca uma queda da parcela relativa dos salários no valor agregado. (KALECKI, 1977, p. 50)

Neste sentido, se uma economia é composta principalmente por setores que utilizam muito capital em relação ao trabalho, provavelmente o efeito da variável j, durante a expansão, poderá superar o efeito de uma redução do grau de monopólio e reduzir a participação dos salários na renda.

Destarte, as decisões capitalistas, que pesam sobre toda a sociedade, não são adequadas a um processo de crescimento econômico sustentável, muito menos a uma situação de pleno emprego, com aumento do salário real em paralelo à produtividade marginal do trabalho, como promulga a escola clássica. Ao contrário, resultam em constantes e longas recessões. Neste sentido, Kalecki se mostra a favor da intervenção do Estado com vistas a gerar um impulso virtuoso do investimento e um ambiente econômico mais estável para as condições de reprodução do sistema capitalista.