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CAPÍTULO 2 SCHUMPETER, O DESENVOLVIMENTO E O CICLO

2.3 BARREIRAS E ESTÍMULOS AO DESENVOLVIMENTO

A inovação representa a chave para o desenvolvimento, mas traz consigo um enorme risco aos detentores de riqueza. Isso porque a incorporação de uma inovação é responsável por uma realocação da renda entre os agentes da economia. Aqueles que detêm certa parcela do mercado possuem diversas formas de defesa, econômicas ou políticas, contra os insurgentes. Esses mecanismos de defesa impedem o desenvolvimento e são responsáveis pelo prolongamento das ondas do ciclo.

Um modo mais barato que grandes companhias encontraram de defender sua parcela da renda e inibir a entrada de empresas concorrentes talvez tenha sido a trustificação. Essa forma de concorrência capitalista natural de alguns setores pode inibir o processo de destruição criadora e o desenvolvimento nessas áreas.

Mas, nos casos em que não há concorrência perfeita e quando cada campo industrial é comandado por algumas grandes empresas, estas podem, de várias maneiras, combater a ameaça à sua estrutura de capital e evitar prejuízos nas

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suas contas de capital, ou, em outras palavras, elas podem e realmente combatem o próprio progresso. (SCHUMPETER, 1961, p. 124).

Para Schumpeter, em equilíbrio, as firmas atuam no ponto em que seus custos são crescentes. A característica do mercado é a concentração dos meios de produção em poder de poucos homens de negócios, que visam manter sua parcela de renda e o domínio dos meios de produção no mercado.

Para inibir novos entrantes, as companhias adotam a postura de “bulding

ahead of demand”, um modelo produtivo caracterizado pela existência de ociosidade.

De modo que, mesmo em equilíbrio, os homens de negócio mantêm uma parcela dos meios de produção em desemprego, ou seja, o desemprego é voluntário para os produtores, mas involuntário para os trabalhadores. Esse modelo de produção, apesar de ser um mecanismo de defesa das companhias estabelecidas, eleva os custos de produção da economia e inibe a superação do desemprego.

Como os custos dessas grandes companhias são elevados, elas buscam constantemente encontrar novas funções de produção que reduzam estes custos e potencializem o seu resultado. A busca incessante das firmas por elevar os seus lucros e ao mesmo tempo se defenderem de concorrentes faz com que as companhias busquem inovações.

O processo de incorporação de uma inovação eleva os custos da empresa, que gasta com pesquisa e tecnologia, assume os riscos de ineficácia do projeto e incorre em despesas com o posterior aprendizado e adaptação à nova forma produtiva. Assim, ao introduzir uma inovação, os custos por unidade se elevam no primeiro momento, devendo ser reduzidos ao passo que a tecnologia seja assimilada pelos trabalhadores e fornecedores. Quando houver a total socialização das inovações as empresas voltarão a adotar sua estrutura de “bulding ahead of demand” e os custos voltarão a ter tendência ascendente. Justamente pelo alto risco e dispêndio da inovação, as firmas estabelecidas focam suas estratégias de concorrência em outros mecanismos, muitas vezes incorporando empresas que assumiram o risco e lançaram a transformação tecnológica no mercado.

Assim, Schumpeter defende que geralmente as novas companhias são as responsáveis pelas inovações no mercado e geram uma série de novas condições no

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processo produtivo, que mudam as expectativas dos homens de negócios e por isso colocam em xeque as condições pré-estabelecidas das firmas antigas. Esse processo se dá de maneira traumática e é a única forma de haver evolução: as inovações alteram as condições de valorização da riqueza e forçam os participantes do mercado, outrora em estado estacionário, a refazerem suas expectativas e se adaptarem.

Their [inovações] characteristic feature is precisely that they [inovações] recur with some regularity and that they [inovações] can be absorbed, not currently and smoothly, but only by means of a distinct and painful process. This is because only some firms carry out innovations and then act along new cost curves, while the others cannot and have merely to adapt themselves, in many cases by dying […] It breaks down as soon as we leave those precincts and allow the business community under study to be faced by— not simply new situations, which also occur as soon as external factors unexpectedly intrude but by—new possibilities of business action which are as yet untried and about which the most complete command of routine teaches nothing (SCHUMPETER, 1982, p. 98).

O processo de incorporação de uma invenção ou de um novo método produtivo ao sistema de produção enfrenta outra série de barreiras, que não apenas os limites impostos pelas firmas estabelecidas. Essas outras barreiras podem ser ditadas pelo mercado consumidor ou até mesmo por um órgão regulador. Do que consta em Schumpeter (1982), podemos listar:

 A resistência dos consumidores, como no caso de uma fidelização a determinado produto, ou até mesmo proibição do seu uso pelas autarquias reguladoras;

 A dificuldade de incorporar a inovação ao mercado, quando consumidores e empresários utilizam o que eles já conhecem da maneira corrente e não estão dispostos a arcar com os custos de mudar para incorporar as novas tecnologias. Um bom exemplo é o caso do teclado QWERT17;

 O temor dos consumidores quanto ao uso do novo, por exemplo, o consumo de transgênicos.

Ir além dessas limitações não significa sucesso, enfrentar as firmas estabelecidas e convencer os consumidores é apenas o início. As empresas responsáveis pelas inovações iniciais são ainda enfrentadas no seu próprio mercado por empresas seguidoras, que são responsáveis por inovações complementares.

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Os empresários com mais tempo no mercado possuem algumas vantagens frente aos competidores novatos: eles conhecem a produção; formaram um conjunto de fornecedores de acordo com as suas necessidades e; desenvolveram um produto adaptado às exigências do mercado consumidor. Ao mesmo tempo esses empresários passam por uma série de dificuldades: gasto elevado com constantes readaptações da produção, enquanto os entrantes podem apenas copiá-los e melhorar nas etapas que apresentarem problemas; alto custo com o auxílio a fornecedores (os fornecedores são formados de acordo com a demanda, muitas vezes, empresas inovadoras surgem grandes e verticalizadas porque não existem fornecedores especialmente capacitados para a finalidade), os empresários competidores podem usufruir de uma cadeia já formada desses fornecedores; escassez de crédito, já que a incorporação de uma inovação representa um risco elevado que passa a ser decrescente conforme o sucesso do projeto e a incorporação das inovações subsequentes; entre outros.

Assim, Schumpeter defende a tese de que as inovações surgem por meio de empresários, pessoas com qualidades especiais, e que estes são seguidos por outros que agregam determinadas qualidades à inovação inicial e possibilitam a formação de determinado nicho de mercado. As inovações ocorrem em grupos18 e em determinados

setores, podendo, ou não, serem transbordadas para toda a economia.

O estímulo à inovação depende da competitividade de determinados setores: quanto mais competitivo maior a chance de um agente tentar se destacar entre os demais e incorporar uma inovação. O motivo para que qualquer individuo venha a se tornar um empresário não cabe ao escopo dessa dissertação, mas Schumpeter descreve que: o que guia o empresário é o sonho de ir além de sua posição na hierarquia social, assumindo os mais diversos riscos porque sonha em “se aproximar da nobreza medieval” (SCHUMPETER, 1997, p. 98).

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Para Schumpeter o processo de concorrência leva o surgimento de grupos de empresários, que trazem inovações com a finalidade de atrair o consumidor, ampliar o mercado e elevarem o lucro. A questão de que os empresários surgem em grupos, e não de forma continua, é uma característica importante na teoria de Schumpeter, como este aponta: “O aparecimento de empresários em grupos, que é a única causa do boom, tem sobre o sistema econômico um efeito qualitativamente diferente do de um aparecimento contínuo, distribuído uniformemente no tempo, na medida em que não significa, como esse último aparecimento, uma perturbação contínua, e mesmo imperceptível, da posição de equilíbrio, mas uma perturbação espasmódica, uma perturbação de uma ordem de grandeza diferente.” (SCHUMPETER, 1997, p. 217)

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Antes de tudo, há o sonho e o desejo de fundar um reino privado, e comumente, embora não necessariamente, também uma dinastia. O mundo moderno realmente não conhece nenhuma colocação desse tipo, mas o que pode ser alcançado pelo sucesso industrial ou comercial ainda é, para o homem moderno, a melhor maneira possível de se aproximar da nobreza medieval. Sua fascinação é especialmente forte para as pessoas que não têm nenhuma outra chance de atingir distinção social. A sensação de poder e independência nada perde pelo fato de ambos serem, em grande parte, ilusões. Uma análise mais cuidadosa levaria à descoberta de uma variedade sem fim, dentro desse conjunto de estímulos, desde a ambição moral até o mero esnobismo. (SCHUMPETER, 1997, p. 98).

Não obstante, os agentes em Schumpeter não são homogêneos, como aqueles da teoria clássica. Na próxima seção serão apresentados os diversos conceitos utilizados por Schumpeter para caracterizar cada tipo de agente que participa do seu ciclo.