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6. A ENTREGA E SEU DEPOIS

6.3 A Esperança do Reencontro

Identificamos que nossas colaboradoras almejam o reencontro com o filho que foi entregue e nessa possibilidade de re-união encontra-se, também, o desejo do perdão, da rendição pelo ato, dando indícios, dessa forma, sobre suas dores silenciadas. Vemos que a fantasia do reencontro surge como um recurso, um facilitador, no enfrentamento da dor que a entrega do filho em adoção gerou.

“Eu pedi para o juiz que quando ele (o filho) crescer, ele saiba que foi adotado. Eu quero que ele saiba que foi adotado. (...) Porque se ele der valor à mãe dele

127 e ele souber o que eu passei por ele, ele vem atrás de mim. Ele vai reconhecer a minha história. (...) Vem. Eu sinto que ele vem. (...) Que ele crescer e quiser vir atrás de mim.... se eu ainda for viva! (chora). Ele vem.” (Frida Kahlo)

“[Era um desejo] Que ela soubesse que é adotada. E que eu fiz isso pensando no bem dela.”. (Simone de Beauvoir).

Primeiramente, destacamos o quanto nessas falas existe dor. Ambas as colaboradoras afirmam que querem que os filhos saibam que são adotivos, para que, no futuro, possam perdoá-las ao entenderem que a decisão delas foi feita pensando no bem- estar deles. Portanto, reconhecemos aqui a dor que carregam ao depositarem suas esperanças na possibilidade de que no futuro venham a ter o perdão de seus filhos.

Motta (2001) afirma que o sentimento que fica para as mulheres que entregam o filho é o de perda, mesmo que a entrega seja motivada por diferentes razões ou que as repercussões nas suas vidas após o ato sejam diferentes. Mas o que permanece é a perda, a dor da separação do filho. E isso reforça ainda mais a necessidade de acompanhamento, especialmente durante o processo de entrega, para que a vergonha e a culpa possam ser trabalhadas.

Wille e Maffei (2014) ressaltam que as mães, mesmo certas da decisão e tendo feito tal opção por acreditar que era o melhor a ser feito, não demonstram “tranquilidade, paz de espírito ou felicidade”. A entrega é, portanto, uma “situação de desconforto” (Wille e Maffei, 2014, p. 388), e ainda sim, para a sociedade, elas são tidas como mulheres que não amam seus filhos.

Em nossas colaboradoras, vemos a existência da dor, assim como a culpa. E a possibilidade de redenção se encontra na esperança do reencontro no futuro, que

128 garantiria, também, a possibilidade do perdão. Percebe-se que não ter informações sobre a criança após a entrega, ou após sua adoção, contribui para a dificuldade em lidar com a perda (Wille & Maffei, 2014), e, ao não se ter informações reais, abre-se espaço para preencher a necessidade de ter tais informações com fantasias.

A existência real dos filhos que foram entregues gera a fantasia do reencontro. Nesse sentido, Motta (2001) aponta que é comum a esperança no reencontro acidental, ou até mesmo a busca ativa por parte da mãe ou do filho no futuro. Portanto, para Menezes (2007), o fato de o filho estar inacessível à mãe, mas existir, estar se desenvolvendo em algum lugar, cria a expectativa da reunião no futuro, o que pode influenciar diretamente na elaboração da sua perda e do seu luto.

Ainda, percebe-se que, em alguns casos, mesmo com a expectativa do reencontro, pode surgir o receio do julgamento do filho (Menezes, 2007), o que seria contrário ao que nossas colaboradoras esperam, que é, a partir da reaproximação, que possa haver redenção e perdão, não julgamento e raiva.

Nota-se que, para nossas colaboradoras, a esperança do reencontro é, também, um conforto, assim como o é a fantasia e idealização da família que criará o seu filho. Ambos, fantasia e esperança, tornam-se recursos para suavizar a dor, já que saber o destino da criança pode ajudar a ver a entrega como algo positivo e uma boa opção para a criança (Elias, 2012). Além disso, ao alimentar essa esperança, elas alimentam, consequentemente, a possibilidade de se redimirem de seus atos, pois, com o possível retorno do filho, há a possibilidade de perdão e de reconhecimento de suas histórias de vida e motivações que levaram à entrega. Ou seja, ambas representam a possibilidade de redenção.

Em Frida Kahlo, a fantasia do reencontro surge nos sonhos constantes que tem com ele, nos quais ela imagina em que tipo de pessoa ele poderá se tornar bem como

129 que oportunidades ela espere que ele tenha. No fragmento de sua fala apresentado a seguir, é possível compreender que sonhos são esses, assim como percebemos que tais fantasias se relacionam com suas próprias motivações que a levaram a entregar o filho em adoção. Ou seja, a realidade que espera para o filho é o oposto da sua realidade e do que ela acredita que poderia ofertar a ele.

“Eu sonho com ele (chora muito). Sonho com ele, com a família dele, saber quem é, tá com a pessoa para recebê-lo, que ele pega uma casa que seja de gente de bem mais do que eu. E é só isso. Que tenha mais condições do que eu, que seja uma casa que tenha mais de uma criança porque é bom, né. Porque aí ele não é criado sozinho... Só isso. Eu sonho ele ser uma pessoa de bem, um homem de bem. A mesma coisa que eu desejo para minha filha, eu desejo para ele (essa filha, a primogênita que vive com seus pais). Que ele seja um menino bom, estudioso, que deem um futuro para ele, esse pessoal que vai pegar ele.” (Frida Kahlo)

A fantasia sobre o futuro do filho surge, aqui, como uma espécie de conforto. Motta (2001, p. 95) afirma que “é normal que a mãe biológica pense na criança crie uma imagem dela, de onde ela esteja e do que possa estar fazendo” e, ao tecer tais fantasias, ela pode “diminuir sua ansiedade ligada ao desconhecido”. Continua a autora: “Viver com o desconhecido tem sido a parte mais difícil de ser elaborada ao longo da vida” (Motta, 2001, p. 96).

Ou seja, para lidar com a perda, com a dor e com o desconhecido, nossas colaboradoras lançam mão da fantasia, representada na esperança do futuro do filho e do reencontro com ele. Entendemos, assim, tal fantasia e esperança como recursos de enfrentamento importantes e significativos para a vida dessas mulheres.

130 Concordamos com Wille e Maffei (2014) sobre a necessidade fundamental de acolhimento dirigido a essas mulheres, tanto para compreender suas motivações, quanto para ofertar um espaço de suporte, no qual elas possam expressar seus sentimentos, bem como discutir e elaborar recursos para lidar com a perda.

Destacamos que Simone de Beauvoir concretizou o reencontro. Como ela havia entregado a filha desde seu nascimento, ocorrido há 24 anos no período da entrevista, foi possível que ela trouxesse a experiência do reencontro que de fato já havia ocorrido. Ela narrou que, enquanto não houve esse momento, ela fantasiava e esperava que houvesse essa reunião. Para ela, esse momento concretizado foi emocionante e ela pode, finalmente, contar sua história e explicar suas razões para a filha que fora entregue.

“[Quando ela apareceu na webcam – no momento do reencontro virtual] Eu comecei a chorar. (...) Quando ela apareceu, chorava ela, chorava eu. (…) Ela começou a chorar, disse que me perdoava. Eu expliquei a ela o motivo.”. (Simone de Beauvoir)

Menezes (2007, p. 38) destaca que a separação entre mãe e filho pode gerar repercussões graves e irreversíveis para ambos, “seja por doação ou abandono”. Ou pode gerar, também, possibilidade de elaboração. No caso da nossa Simone de Beauvoir, durante muito tempo houve a expectativa do reencontro, com a esperança do perdão. Quando esse momento se concretizou, havendo, ainda, o desejado perdão por parte da filha que fora entregue, pode-se, assim, haver a elaboração da perda. Esse momento de reencontro, ainda que virtual, surgiu como a redenção que ela tanto esperou, demonstrada no choro quase incontrolável, tanto por parte dela quanto da filha. A dor da entrega deu lugar, então, ao alívio do perdão, não sem antes explicar os

131 motivos, como Simone de Beauvoir fez questão de destacar, quase como uma necessidade de justificar-se para a filha.

Acreditamos que esse momento, que Simone de Beauvoir pode concretizar, é tão esperado por Frida Kahlo assim como pode ser, possivelmente, por tantas mulheres que optam por não permanecer com o filho, pela necessidade de se justificar ao filho. O perdão dos filhos é também uma forma de se perdoarem.