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3.2 Estratégias Operacionais da Pesquisa

3.2.2 Instrumento de Acesso às Narrativas

Adotamos como instrumento metodológico Entrevista Narrativa com uso de Cena Projetiva. A utilização combinada de mais de um recurso metodológico, objetiva uma compreensão em profundidade e oportuniza uma maior segurança na análise interpretativa (Spink, 1993). Ressalta-se, ainda, que ao final de todas as entrevistas, a pesquisadora elaborou um Diário de Campo, na qual foram descritas suas impressões e afetações sobre cada encontro com as colaboradoras.

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3.2.2.1 A Entrevista Narrativa

A entrevista, por si só, é uma estratégia amplamente utilizada em pesquisa que permite a reflexão e expressão do sujeito sobre sua realidade, explicitando todas as esferas que o cercam, como sentimentos, ideias, crenças, projeções para o futuro, etc. (Minayo, 2008) e só é possível na inter-relação com o entrevistador, que dialoga com o entrevistado constantemente, permitindo, assim, a contemplação dos âmbitos “afetivo, o existencial, o contexto do dia-a-dia, as experiências e a linguagem do senso comum” (Minayo, 2008, p. 68).

A entrevista narrativa, mais especificamente, visa o aprofundamento da fala do sujeito sobre o assunto. “O informante é convidado a falar livremente sobre um tema e as perguntas do investigador, quando são feitas, buscam dar mais profundidade às reflexões” (Minayo, 2008, p. 64). Nesta entrevista, o colaborador discorre livremente sobre o tema, e as perguntas do entrevistador visam aprofundar as reflexões, ou seja, é na dinâmica da relação entre o entrevistador e entrevistado que os questionamentos são feitos visando maior riqueza de detalhes sobre o tema e aprofundamento de expressões, verbais ou não, pertinentes à pesquisa (Minayo, 2008).

Dessa forma, a entrevista teve como ponto inicial abordar a entrevistada a partir de um esclarecimento pedindo que se contasse a história da doação com a maior riqueza de detalhes possível. Assim, partiu-se de uma questão inicial, disparadora, que solicitava que ela narrasse o processo vivenciado na entrega de seu filho em adoção.

Como foi para você doar seu filho?

Pedimos a sua colaboração, para nos contar com detalhes como foram esses meses, desde a descoberta da gravidez, assim como quando você decidiu por entregar o filho em adoção, e o que aconteceu após isso, até o momento da entrega, e outros aspectos que você julgue importante destacar.

33 Perguntas complementares foram feitas para se chegar aos objetivos da pesquisa e também para aprofundar pontos que já tenham sido abordados na fala da entrevistada, gerando maior compreensão sobre o tema. Elas constam nos Apêndices, ao final da dissertação.

O contar a sua história, por meio de suas palavras, é “uma forma artesanal de comunicação” (Benjamin, 1985, p. 205), que carrega toda a existência vivida do sujeito; e essa existência é composta das experiências vivenciadas pelo ser e que se tornam a fonte dos narradores (Benjamin, 1985).

Trata-se, também, de um ato transformador, que enriquece o encontro entre narrador e ouvinte e que não procura explicações, mas sim transmissões: transmissões das experiências, da existência, de significados. Segundo Benjamin (1985, p. 203), “metade da arte da narrativa está em evitar explicações”. Para Dutra (2002, p. 374), tal evitação é uma forma de ampliar o fenômeno narrado, a gerar entendimentos sobre ele e suscitando sobre os ouvintes “os mais diversos conteúdos e estados emocionais”.

Sendo, assim, o que Gadamer aborda como fusão de horizontes está presente aqui entre pesquisado e pesquisador, e no encontro entre eles podemos ter que não são somente dois sujeitos que perguntam e respondem, mas que se entrelaçam e desta trama surge o desvelamento do fenômeno em seus sentidos mais próprios.

3.2.2.2 A Cena Projetiva

No momento final das entrevistas, utilizamos a Cena Projetiva. Paiva (2005) afirma que são ferramentas para conscientização, ação, invenção e circulação de repertórios discursivos (e não-discursivos) de grupos e indivíduos, que podem resultar em mobilização individual e social.

34 No âmbito de uma pesquisa, sua importância se dá por ser um instrumento que oferece “testemunho da experiência nas palavras do próprio sujeito, (...) sem grandes elaborações racionais” (Paiva, 2005, p.5), auxiliando, assim, a aproximação de temas delicados e de difícil expressão (Minayo, 2008). Assim, por vezes possibilitam uma ressignificação e elaboração simbólica de vivências que possam ter grande carga emocional.

É um recurso metodológico coconstrutivista que possibilita insights de novos repertórios, a partir de uma experiência antecipada, por meio de visualizações, com relato verbal e escrito posterior (Paiva, 2005, Nogueira da Silva, 2006). Por conta disso, permite à entrevistada entrar em contato com sentimentos que não estejam aparentes no discurso verbal, dando indícios sobre suas vivências e seus significados, a partir, especialmente, dos sentimentos e afetos que estavam latentes.

O objetivo da cena foi permitir que as mulheres imaginassem uma situação na qual uma mulher, grávida, em algum momento da gravidez, opta por entregar o filho em adoção Assim, pediu-se que ela pensasse em como foi a decisão da entrega, e em como esta foi recebida por seus familiares e por profissionais que a atenderam, pensando, também, em todos os sentimentos que a afetaram durante esse período e após a entrega. Por conta da característica da cena e do seu objetivo, é, então, um momento que pode, também, gerar ressignificação de possíveis situações vivenciadas de forma traumática.

As entrevistas foram gravadas com gravador de áudio e posteriormente transcritas e, para que fosse feita análise ancorada na hermenêutica gadameriana. A transcrição consiste em transpor a gravação para texto da maneira como ela ocorreu, enquanto a literalização é uma organização do texto de forma a deixá-lo mais literário, retirando, por exemplo, vícios de linguagem que ocorrem durante a narrativa.

35 Ao longo dos capítulos teóricos, as narrativas a partir das entrevistas serão referenciadas apenas com o nome da colaboradora, enquanto as narrativas referentes à construção das cenas, serão referenciadas com o termo “fragmento de cena”.