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5. O ANTES DA ENTREGA: A DECISÃO

5.2. A Decisão: Quando Querer Não é Poder

5.2.1. As Dificuldades do Criar

5.2.1.2. Sem Apoio do Companheiro

A ausência dos companheiros mostra-se um fator que também contribui para a decisão. Dessa maneira, percebe-se o quanto não ter uma família estruturada, com a presença do pai da criança, não tendo, então, o apoio desse genitor para auxiliar na criação dos filhos, influenciou a decisão.

Pagu e Simone de Beauvoir complementaram, trazendo os companheiros como determinantes para a decisão. Pagu dá indício de que há conflitos familiares do quais ela gostaria de poupar o filho, e Simone de Beauvoir verbaliza as violências sofridas:

“Porque ele também gostava de tomar uma né (o companheiro) (risos)... daí sabe que quem assim bebe, não tem como...”. (Pagu)

“Lá (no Rio de Janeiro) ele arrumou outra mulher e começou a me maltratar. Saí de casa e passei um tempo na rua, sem ter nenhum parente ou outra pessoa. Ele me colocou para fora de casa. (…) Até voltar para a minha casa, a que meu marido morava, pois quando a gente gosta, vira “sem-vergonha”. Voltei para ele e fiquei lá na casa dele até tê-la. Mas eu sofri. Eu apanhava, ele até furou a minha barriga, quando estava com 8 meses de gravidez.” (Simone de Beauvoir)

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A não presença do genitor, ou a falta de apoio dele em cuidar da criança é

relevante. Menezes (2007), em estudo sobre o tema destacou, dentro os fatores motivadores, a ausência do pai da criança. E essa ausência corrobora com o perfil dessas mulheres que apresentamos no item 4.1, no qual, aparece que o pai geralmente é tido como desconhecido e não tem interesse em cuidar e/ou assumir a criança, sendo fruto de, em alguns casos, relações passageiras e instáveis. Em nossas colaboradoras, os filhos não eram fruto de relações passageiras, mas o não apoio do pai em assumir a criança, ou se interessar por ela, influenciaram a decisão.

Weber (2009) destaca que além da falta de apoio do genitor, a violência sofrida pela mulher e pelos filhos, por parte do genitor, também é motivador.

Nesse sentido, vemos que Simone de Beauvoir traz as violências sofridas pelo marido, bem como Pagu dá indícios de possíveis violações devido ao uso que o companheiro faz de álcool. Tais vivências contribuíram negativamente para a decisão.

No caso de Frida Kahlo, a entrega via judicial em adoção não era opção inicial, já que o pai da criança (um cliente, que conheceu através da ocupação como profissional do sexo, e tornou-se fixo há quatro anos, com quem tinha contato) havia expressado que cuidaria da criança. Frida Kahlo afirma que já pensara em entregar assim que saísse da maternidade, como fizera com a filha que tinha tido anteriormente, porém, como o pai da criança afirmou que permaneceria com o menino, ela desistiu. Mas, ao não cumprir com que acordou com Frida Kahlo, seu filho foi tomado pela polícia, sendo abrigado em uma instituição de acolhimento. Só então, ela decidiu entregá-lo em adoção, já que não tinha condições de ficar com ele e criá-lo. A criança, nessa época, tinha três meses de vida.

“Eu já ia dar mesmo na maternidade. Eu não dei por causa do pai dele! Porque o pai disse que ia criar, ‘não dê porque eu vou criar, não dê porque eu vou

109 criar’ (...) Eu decidi mesmo quando tomaram ele de mim e eu fui na Casa de Passagem. Quando eu cheguei para a avaliação, aí eu decidi mesmo.” (Frida Kahlo)

O fato do pai não assumir o filho e cumprir com o que acordou com Frida Kahlo foi significativo para ela. Nesse caso, como aponta Valentim e Cortez (2014), estar vivendo uma situação difícil com o pai da criança também é motivador. Aqui, a situação difícil se configura tanto pelo fato dele não cumprir com o combinado, quanto pelo fato da própria relação deles ser fruto de relação profissional advinda da ocupação de Frida Kahlo, o que, socialmente é desaprovado.

Desse modo, percebe-se, que os filhos entregues em adoção, para além do perfil da mulher (com a falta de condições financeiras, baixo nível de escolaridade, salários inconstantes, entre outros), há, também, a falta do apoio e ausência física do pai da criança, assim como o filho ser fruto de uma relação casual e/ou instável, que afetam diretamente o exercício da maternidade (Ayres, 2012; Costa, 2006; Fernandes et al., 2011; Fonseca, 2012; Freitas, 2014; Gueiros, 2005; Mariano & Rossetti-Ferreira, 2008; Motta, 2006).

Dessa forma, percebemos que as motivações sempre perpassam o contexto no qual a mulher está inserida, e o quanto este é relevante para a sua decisão. É perceptível, também, o quanto a decisão da entrega é, no fim, algo particular à mulher, mesmo àquelas que têm companheiros, como no caso de Pagu ou de Frida Kahlo, que o pai da criança afirmou que cuidaria da criança, não tendo feito como havia prometido a ela.

“Nós dois sentamos e conversamos. (…) Ele (companheiro) concordou comigo. [Então foi sua decisão que prevaleceu?] É.” (Pagu)

110 “[Foi uma decisão] Só minha!”. (Frida Kahlo)

“Ele (companheiro) não queria saber dela não. Não se interessava. [A decisão de entregar foi] Só minha.” (Simone de Beauvoir)

Para Leão et al. (2014, p. 287), há o fenômeno da “invisibilidade dos pais”, pois, normalmente, quando as mulheres optam por entregar o filho judicialmente, há poucas informações sobre os pais que geralmente não são escutados. E isso tem duas explicações: porque é comum que os filhos sejam frutos de relações passageiras ou porque, como socialmente cabe às mulheres o cuidado dos filhos, os pais não são procurados, questionados, nem tampouco julgados.

No caso de nossas colaboradoras, temos três situações. Em Simone de Beauvoir, o pai não tinha interesse em assumir a filha e participar da decisão, deixando a decisão toda para ela, assim como em Frida Kahlo, que, pelo fato do pai também não ter assumido nem criado o filho, como disse que faria, a escolha recaiu sobre ela. Sendo assim, o peso da decisão e a efetivação desta ficam a cargo apenas dessas mulheres. No caso de Pagu, o companheiro estava ciente e os dois tomaram a decisão juntos, ainda que aparentemente, a ideia tenha surgido dela, e ele apenas tenha concordado. Mas, ainda sim, no momento de oficializar a entrega, apenas ela foi ouvida, corroborando com o fato de que, historicamente, à mulher compete o cuidado da prole e todas as decisões que circundem essa relação.