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6. A ENTREGA E SEU DEPOIS

6.5 A Invisibilidade Da Dor Que Permanece

6.5.1 Nossas Genis e as Dores da Condenação

Algo amplamente discutido ao longo dessa dissertação foi o quanto as pessoas julgam as mulheres que optam por entregar o filho em adoção, e apontamos possíveis direcionamentos sobre as razões históricas e sociais sobre as quais isso se construiu e acontece até os dias atuais.

É possível entender que, historicamente, as mulheres são julgadas pelo abandono ou entrega do filho, pelo fato de esse ato romper com a maternidade que é tão esperada e colocada como função da mulher (Barbosa, 2011; Motta, 2001).

Pensando sobre tudo que discutimos até aqui, acerca das motivações, fantasias e angústias, podemos pensar sobre o quanto a vivências das mulheres que optam por entregar o filho em adoção é, muitas vezes, marcadas por sofrimentos diversos e a decisão de entrega vem como mais uma vivência significativamente carregada de dor. Sendo assim, será que a condenação dos outros sobre essas mulheres, acerca da entrega do filho, influencia o seu sofrimento? Se sim, como? Como será que essas mulheres se sentem com isso? Por que será que, além de outras razões, elas optam por silenciar suas histórias (e dores)?

Nossa Simone de Beauvoir ilustra o sofrimento vivenciado em função de julgamentos condenatórios diante de sua decisão. Ela nos conta sobre o julgamento das pessoas que souberam de sua decisão, incluindo sua família. Revela que é algo que até hoje a machuca muito, sendo mais um fator para contribuir com a dor da entrega, que já fora grande.

140 “Muitos quiseram me condenar, até minha família. (…) Falaram coisas que me machucaram muito. (…) Me sinto muito magoada. Me sinto magoada demais [com os julgamentos].”. (Simone de Beauvoir)

De acordo com Martins et al. (2015), a mulher que entrega o filho em adoção, e consequentemente rompe com a maternidade, está à mercê dos julgamentos negativos. Para os mesmos autores, essas mulheres sofrem muito medo do julgamento social a qual podem estar expostas pelo seu ato.

Leão et al. (2012) ressalta que tais julgamentos estão ligados à concepção social de que a entrega é um ato inaceitável. E tais condenações contribuem para intensificar a dor já existente pela entrega. Weber (2009) reforça que socialmente a dor e a perda dessas mulheres não são reconhecidas, tanto por vizinhos, amigos, quanto pela família e por profissionais de saúde.

Valentim e Cortez (2014) lembram que, durante a gestação, quando essas mulheres mencionam o interesse em entregar o filho, a reação varia entre incentivo e repúdio, mas, após a concretização da entrega, a essas mulheres resta apenas o esquecimento social e o lugar da condenação moral.

Portanto, a condenação possui raízes históricas, relacionada ao fato da idealização da maternidade e a sua ligação com o ideal de que para ser mulher, deve-se ser mãe. Mas, entendemos que os julgamentos intensificam a dor dessas mulheres.

Menezes (2007, p.110) ressalta que a “aceitação da família e sua opinião a respeito da criança posta no mundo é de importância fundamental para a decisão de permanecer ou não com o filho”. Demonstrando, aí, o peso que o apoio da família pode ter para a decisão (discutido no capítulo 5).

141 É compreensível o quanto o julgamento, especialmente o da família, carrega dor, já que a organização familiar é uma fonte de suporte social a ponto de poder ser fator decisivo para a entrega ou não.

Nossa Simone de Beauvoir, ao trazer a dor que os julgamentos geraram, destaca o julgamento da família com um peso maior sobre as demais condenações. Porém, de forma geral, todas as condenações sofridas são fonte de dor e sofrimento, seja o julgamento advindo da família ou de terceiros.

Sendo assim, é compreensível que, comumente, essas mulheres optem por silenciar suas dores e esconderem o ato, pois temem os julgamentos. Nossa Simone de Beauvoir deu voz às dores silenciadas de muitas mulheres que se autocensuram e temem a condenação.

Para Motta (2001), as mulheres se autocensuram e se autocondenam pelo fato de carregarem, dentro de si, todas essas concepções sociais e históricas que colocam a maternidade como ideal a ser atingido por todas as mulheres. Além disso, a mesma autora nos lembra que o medo do julgamento gera, nessas mulheres, a “condenação ao isolamento”, o que interfere diretamente, também, no cuidado dirigido a elas, trazendo possíveis prejuízos a longo prazo (Motta, 2001, p. 80). Assim, elas sofrem condenações dos outros bem como delas mesmas, por se colocarem no lugar social de que estão rompendo com o exercício da maternidade que é inerente à mulher.

Barbosa (2011) definiu o termo “mulher-monstro” para se dirigir a forma como essas mulheres são vistas no âmbito social, sendo, assim, violentadas socialmente pela escolha em renúncia à maternidade. Condenadas por recusarem um filho tão cobiçado por tantos.

Não é demais refletir sobre a permanência do não lugar da mulher enquanto pessoa que pode optar por não exercer a maternidade, ou no mínimo acentuar a

142 dificuldade delas para exercer esse lugar, ainda alvo de especulações, preconceitos, questionamentos e julgamentos (Badinter, 2010; Motta, 2001).

Por sua vez, Barbosa & Rocha-Coutinho (2012), Porto (2011) e Rebouças (2010) destacam o quanto a maternidade ainda é o ideal de feminino e quem rompe com isso gera estranheza.

Simone de Beauvoir traz ainda o quanto é importante o respeito às decisões das mulheres, o que nos gera um ensinamento de que, na verdade, todos nós somos dotados de livre arbítrio e, dentro das normas sociais às quais também estamos inseridos por viver em sociedade, devemos sempre respeitar a decisão do outro. A Cena feita com ela confirmou esses sentimentos revelados durante a entrevista:

“Se essa for a única opção dessa mulher, todo mundo tem que respeitar a decisão dela. Não apontar, julgar… Tem que respeitar.”. (Simone de Beauvoir – fragmento da cena)

Corroboramos com nossa Simone de Beauvoir, quando afirma que a decisão da mulher deve ser respeitada. Elas devem ser respeitadas e a elas deve ser ofertado todo apoio e acolhimento para lidar com suas dores, dificuldades e até mesmo com o autojulgamento que elas fazem de si. Dessa forma, entendemos que elas não merecem mais um julgamento, o de terceiros, sobre sua decisão.

Então, como contribuir para que elas não sejam vistas como mulheres-monstros, pelos outros nem por elas próprias? Para isso, é preciso refletir todo o lugar dado à mulher e à mãe, rompendo assim, com esse ciclo de julgamentos e dores. A possibilidade de ressignificação passa pela reflexão sobre nossos conceitos e preconceitos, ao darmos visibilidade às dores delas.

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