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A espetacularização e a fragmentação do real

3.5 A permanente busca da comunidade

4 LEGITIMIDADE E REPRESENTAÇÃO

4.4 A espetacularização e a fragmentação do real

Antes de entrar na análise da programação propriamente dita, é necessário refletir sobre as características da linguagem da tv, veículo que no mundo moderno assumiu um papel bastante revelevante na produção de informações. E, por que é importante estudar esta linguagem? Apontamos duas razões. A primeira tem a ver com a nossa opção. Este foi o veículo que escolhemos analisar. E a segunda, porque consideramos necessário debater, à luz da bibliografia crítica, a função informativa da tv.

A televisão, como não podia deixar de ser, tem um discurso próprio de representação da realidade e, ao mesmo tempo, tem o dom de dar a tudo um caráter de espetáculo, até mesmo aos telejomais e às notícias ‘explosivas’que vão para o ar. Tudo acaba assumindo esta dimensão e o que é veiculado perde o seu verdadeiro sentido, se toma um fato vazio, desconexo.

Marcondes Filho (1988) diz que a fascinação é com a forma espetacular e não com aquilo que o locutor transmite oralmente. Muito mais do que a notícia em si, o que atrai são os jogos de cena, o clima criado para a informação, a sucessão de imagens, a velocidade e os demais recursos que servem para impressionar o telespectador.

O espetáculo figura como um dos elementos mais importante na linguagem televisiva. É, segundo esta lógica, diz o autor, que na tv tudo é transmitido, não permitindo que nenhum discurso, nada nos atinja

A sensação que temos, sempre que vemos o jornal, é de estar em sintonia com os últimos e mais importantes acontecimentos do local e do mundo, noticiados de forma condensada por apresentadores sérios, bem trajados e com Voz solene1. E, para dar mais credibilidade ao que noticiam, as emissoras do mundo inteiro aproveitam para intercalar imagens, mapas, gráficos e entrevistas, num ritmo frenético.

Em cada país, a linguagem televisiva apresenta variações que estão

relacionadas diretamente, segundo Marcondes Filho (1988), à cultura, à história e ao desenvolvimento de outras formas de comunicação social. No Brasil, ela sofreu influência direta do circo ( programas do tipo: Bolinha, Chacrinha, Sílvio Santos) e do rádio (a tv era uma rádio televisionada, produzida por profissionais do rádio que foram se transferindo para o novo veículo). Aqui talvez esteja uma explicação plausível sobre o caráter espetacular e dramático das cenas que hoje assistimos na telinha.

mundo de fantasias, um verdadeiro show de som, luzes e cores.

Em seu inicio, nos anos 50 e 60, a tv brasileira era pouco ágil, as imagens eram em preto e branco. Tudo corria ao vivo, as câmeras, grandes e pesadas, não permitiam as gravações externas, e os espaços para ficção limitados, conforme relato de Walter Avancini a Marcondes Filho (1988).

Mas as coisas mudaram. Hoje, a televisão trabalha com esquemas. Por exemplo, há certas características na aparência de um homem que personificam o herói da tv. Esses traços típicos são então construídos pelos idealizadores de tipos e apresentados na tela de forma bem acentuada. Os esquemas, segundo os quais as figuras são criadas, são montagens simples." (ibidem:43).

Em pesquisa que desenvolveu sobre filmes policiais na tv, ainda conforme o autor e na mesma página, o alemão Jürg Haüsermann observava que "se produzem os heróis de maneira esquemática e repetitiva, como nas revistas policiais em quadrinhos." Na sua opinião, tanto um filme policial, comédia, como qualquer série de tv tem na sua constituição unidades que sempre se repetem.

Em decorrência da introdução de fórmulas esquemáticas de produção, continua Marcondes Filho, apoiando-se em pesquisa de B. Fausing, boa parte da estrutura épica dos programas desapareceu, sendo substituída pela experiência do show.

mas também dos telejomais. A tv não transformou em espetáculo (dramático) as mortes de Airton Senna e da princesa Diana ?

O show existe até mesmo quando é abordado um movimento social reivindicatório, . "Políticos, especialistas, homens do povo e artistas aparecem no vídeo como malabaristas, palhaços, domadores e mágicos." (ibidem: 52). O caráter festivo em que são envolvidos esses acontecimentos, sem vinculação à realidade imediata do telespectador, faz com que sejam 'politicamente esvaziados'.

Na tela, comenta, até notícias sobre guerrilhas, guerrilheiros, partidos comunistas e revolucionários acabam recebendo um tratamento igual. Os cenários, o apresentador, as cores e todas as informações paralelas neutralizam os fatos que se transformam em notícias, por mais críticas e explosivas que sejam. Eles acabam virando diversão. Távola (1984:27), tomando o trinômio da indústria cultural (simplificação, sintetização, massificação), vai dizer que a tv é uma atividade conservadora.

Os aspectos de realidade, na opinião de Marcondes Filho (1988) , fazendo menção ao jornalista alemão Dagobert Lindlau, são comprometidos, distorcidos, na medida em que é incessante a procura por mostrar o mundo, embelezado. E para atingir tal meta, são necessários altos investimentos em tecnologia, na capacitação técnica, no aprimoramento constante da qualidade. As empresas preferem isso, ao invés de fazer telejomais simples e próximos da realidade.

No geral, estes são estruturados em diversos blocos (informações específicas/tempo limitado), constituídos por uma variedade de assuntos,

apresentados de maneira seqüencial, para que o telespectador não tenha como pensar ou refletir sobre cada um deles. Há uma supressão do tempo enquanto sucessividade. A apresentação deste, em sua forma pura, só é possível em termos virtuais e não atuais. Atrás de uma notícia vem outra, completamente diferente que desvia a nossa atenção. Ninguém se informa seriamente de nada. Só fica a impressão de que estamos sendo informados, porque tudo é apresentado em forma de fragmentos.

Mais do que nos outros meios de comunicação, na televisão e nos telejomais, "só há [...] peças soltas.” As notícias se restringem a leads “que pouco ou nada dizem sobre os fatos que se propõem anunciar." (ibidem:52). No texto a Notícia na América Latina: mudanças de forma e conteúdo, Rangel (1981) faz crítica aos leads12, dizendo que o leitor, isso vale para telespectador, "sente-se satisfeito se o informam brevemente" e este cada vez menos se preocupa em perguntar sobre as circunstâncias em que o fato ocorreu, os seus antecedentes, a opinião do jornalista, as perspectivas que se esboçaram. Enfim, essa forma de estruturar a notícia que se expandiu dos Estados Unidos para a imprensa latino-americana, com o fim da II Guerra Mundial, "não foi planejada para chamar ao leitor à reflexão, para interessar-se pelo contexto do acontecimento, e sim unicamente para informá-lo superficialmente, para adormecê- lo, fazê-lo indiferente [...]"

12 - Neste trabalho, o jornalista venezuelano Eleazar Dias Rangel aponta algumas críticas sobre a introdução do ‘leacT e da 'pirâmide invertida’ nos meios de comunicação latino-americanos. Chega a citar o desabafo do chefe de redação do New York Times, Tumer Catledge, expressado em 1954 aos seus companheiros de trabalho:" Cremos que já não é necessário e que talvez nunca tenha sido, incluir em um só parágrafo ou oração as seis perguntas tradicionais."

"Na Alemanha nazista dizia-se que a barbárie daquele regime era obra de um só homem, quando se sabe que sozinho ninguém carrega uma sociedade e que, mesmo em regimes ditatoriais, é preciso muito colaboracionismo para o regime se manter." (Marcondes Filho, 1988:55)

Além da fragmentação e personificação, o telejomal distorce a realidade, utilizando-se de recursos técnicos e ideológicos. "São recursos técnicos o uso de expressões que nada dizem [...] 'fontes bem informadadas', 'porta-voz oficial'." Ideologicamente, os donos das empresas "apelam para as chamadas 'testemunhas históricas' a fim de tomar mais realistas suas reportagens [...] como se trata de testemunhas oculares e de depoimentos não profissionais, esses relatos ganham poderosa força de verdade e de influência na tv." (ibidem: 5 5)

Mais decisivo que tudo isso é a política das emissoras. A decisão sobre a publicação ou não de um acontecimento, o espaço que lhe é reservado na tela, as imagens mobilizadas, o destaque, a repercussão e o enfoque; o menosprezo a determinados fatos. Verifica-se assim que a televisão acaba criando uma nova realidade a respeito daquilo que noticia. "O telejomal só extrai da matéria a parte que lhe interessa [...] e como ela deverá repercutir na sociedade." (ibidem: 56). Mas não se pode desprezar a ilusão de verdade que a tv nos transmite: "ao ver as cenas do acontecimento, o receptor rejeita a tese da manipulação pelo fàto de 'ter testemunhado com seus próprios olhos' o ocorrido. A mística das imagens garante o

estatuto de verdade absoluta e inocenta a deturpação" (Marcondes Filho, 1989:52).

A função do telejomal, enfatiza é a de moldar os fatos, 'esticá-los ou comprimi-los', adaptando-os às diretrizes, aos critérios ideológicos e particulares dos proprietários da emissora, dos patrocinadores ou mesmo dos jornalistas. "É também a de criar outro mundo, outra história que pouco tem que ver com o mundo real, pois sofre toda uma série de mutilações." Ele chega à conclusão de que o telejomalismo cria um produto de segunda natureza, que "se impõe a milhões de lares no país, como se fosse essa a verdade e não aquela do mundo real." (Marcondes Filho, 1988:56).

O que se faz é pentear a realidade, 'deixando-a mais serena'. Mas o noticiário de tv não é o lugar só do belo, do festivo e do cor-de-rosa; nele também é mostrado "a dor, a miséria, o medo, o terror, o crime, a insegurança, a tragédia [...], a doença, a morte [...]” (ibidem:58).

E como explicar isso. Estes fatos, do ponto de vista do autor, servem para justificar os outros: "são seus complementos necessários. De nada adiantaria mostrar a felicidade e a paz se não houvesse ameaças de guerra e destruição. Toda a carga positiva de um noticiário só existe em oposição à negatividade existente ou imaginária. O prazer da folga e do lazer só existe porque já existiu o trabalho exaustivo e pesado [...]." Se a tv não mostrasse os fatos ruins, "ela não poderia cultivar, ao mesmo tempo, a nostalgia do prazer, da alegria e da felicidade. O negativo na comunicação só tem sentido enquanto espelho invertido: nele olhamos o

que não gostaríamos de ter nem de ver, ansiando pela chega do 'fato bom'." (ibidem 58). O que ele procura evidenciar é que o negativo não é colocado em oposição à serenidade e à harmonia (aparente e ilusória) dos acontecimentos e nem como 'negação ou crítica do existente', mas simplesmente como contraponto da situação de tranqüilidade almejada.

Voltemos à pergunta inicial desta parte: por que é importante estudar a lingüagem televisiva? E uma nova resposta se apresenta. É importante porque a tv é o carro-chefe da estrutura de comunicação da RBS no sul. É preferencialmente por meio deste veículo que os Sirotskys procuram fazer valer a sua filosofia empresarial. Por outro lado, vimos que pela televisão se toma difícil ficar bem informado. E não só pelas características de sua linguagem. Acrescentaria o fato do controle deste veículo, no Brasil, estar nas mãos de pouquíssimas empresas. A RBS, da família Sirotsky, por exemplo, é uma das privilegiadas. Já foi considerada, segundo Cruz (1992) “a quinta maior maior rede de comunicação do país” e, além disso, está ligada ao mais influente grupo de comunicação brasileiro.

Na seqüência, ingressamos na análise dos programas televisivos da RBS, mostrando como se dá o processo de constituição da identidade catarinense, iniciando o capítulo com a definição de heterogeneidade.