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3.5 A permanente busca da comunidade

4 LEGITIMIDADE E REPRESENTAÇÃO

4.1 O poder de representar

Ao mesmo tempo em que é difícil definir poder pelas inúmeras variáveis que o envolvem, também é difícil conceituar representação. Bobbio (1997) vai dizer que a literatura sobre o assunto é vasta (jurídica, sociológica, politológica) e quem dela quisesse dar conta apenas em linhas gerais, teria que escrever ‘toda uma monografia’

“Para dar-lhe apenas uma pálida idéia da confusão em que se cai toda vez que se procura entender e fazer entender o que é que está por trás da relação de representação entre A e B, basta lembrar que dizer que o papa é o representante de Deus na terra não é a mesma coisa que dizer que o senhor Reagan representa o povo dos Estados Unidos, assim como dizer que o senhor Rossi representa um laboratório farmacêutico não é a mesma coisa que dizer que o ilustre deputado Bianchini representa um partido no parlamento.” (ibidem:45)

Tratando especificamente da esfera política, no caso da última acepção,

Bobbio explica que mesmo ela é constituída de muitas armadilhas “Basta dizer que o

secular debate sobre a representação política está dominado ao menos por dois temas que dividem os ânimos e conduzem a propostas políticas conflitantes entre si. O primeiro tema diz respeito aos poderes do representante, o segundo ao conteúdo da representação.” (Ibidem: 45).

Utilizando-se de uma fórmula para facilitar a compreensão, Bobbio explica que a problemática da representação assume soluções diversas, considerando a relação A deve representar B, na medida em que se procura responder como A representa B e que tipo de coisa A representa. Ele se reporta a Cotta, autor que definiu os três modelos de representação política, para dizer o seguinte: “São conhecidas as respostas mais comuns a estas duas perguntas. A primeira: A pode representar B ou como delegado ou como fiduciário. Se é delegado, A é pura e simplesmente um porta-voz, um núncio, um legado, um embaixador, de seus representados e, portanto, o seu mandato é extremamente limitado e revogável ad nuíum.” No segundo caso, ele é um fiduciário. “A tem o poder de agir com uma certa liberdade em nome e por conta dos representados, na medida em que, gozando da

confiança deles, pode interpretar com discernimento próprio os seus interesses. Neste caso, diz-se que A representa B sem vínculo de mandato; na linguagem constitucional hoje consolidada, diz-se que entre A e B não existe um mandato imperativo.” (Bobbio, 1997:46)

Em relação à segunda pergunta, ‘que coisa A representa’ podem ser dadas duas respostas, diz Bobbio na mesma página. A pode representar os interesses gerais ou particulares do cidadão, por exemplo, seus interesses de operário, comerciante, profissional liberal. A diferença a respeito do ‘que coisa’, repercute também sobre a diferença a respeito do ‘quem’.”

No primeiro caso, diz-se que não há necessidade dele ser vinculado, pertencer à mesma categoria. Já no segundo, isto é necessário, acreditando-se assim que “apenas o operário pode representar eficazmente os operários, o médico os médicos , o professor os professores, o estudante os estudantes, etc” (ibidem:46)

Além destes dois modelos (delegado e fiduciário), aqui trabalhados por Bobbio, Cotta (1986) relaciona um terceiro, o de representação como espelho ou representação sociológica. A diferente em relação aos anteriores, é que este modelo está “centrado mais sobre o efeito de conjunto do que sobre o papel de cada representante." (ibidem:1102). Concebe-se o organismo representativo como um microcosmo que fielmente reproduz as características do corpo político, do corpo social.

Considerados em sua forma pura, os três modelos, no ponto de vista do autor, apontam para alguns graves problemas. Começa por analisar a representação como

espelho, fazendo um questionamento sobre quais as características do corpo social

que mereceriam ser refletidas no organismo representativo. Além daquelas

estritamente político-ideológicas, acrescenta as sócio-econômicas, profissionais, religiosas, culturais, étnicas , raciais e até as diferenças de sexo. Quer dizer, ele revela os aspectos heterogêneos não só da representação, como também do corpo social.

Cotta observa, na página seguinte, que “os representantes tendem a ser diversos dos representados em relação a estas outras características, salvo quando uma delas se toma ponto fulcral de conflito político e é tomada como bandeira por uma organização partidária” ou outra instituição da sociedade. É em função disso, observa, que surgem por todos os lados os partidos operários, agrários, confessionais, étnicos, feministas.

Além de críticas a representação-espelho, o autor também critica os outros dois modelos. Para ele, a representação como delegação ou como relação de confiança constitui as faces opostas da mesma moeda. O primeiro tem uma certa vinculação à representação como espelho e responde a uma lógica “de minimização da distinção representantes-representados, mas levada para um plano diverso, para o da ação substitutiva de comportamentos, de preferência ao da reprodução imitativa de características existenciais.” (ibidem: 1103)

No caso do modelo fiduciário, a escolha tem por base, “a exigência de superar a fragmentação particular que inevitavelmente brotaria da representação delegada. Este modelo presta-se, de modo particular , para variações em relação ao tipo de ‘centro focal’ preestabelecido para ação do representante” Para Cotta, ainda

na mesma página, “o problema maior que este modelo levanta é o da possível não correspondência das percepções que respectivamente têm representantes e representados do interesse destes últimos.” Quer dizer, ele não apresenta “uma solução satisfatória para uma situação onde há pontos de vistas diferentes, o que é, exatamente, um dos pontos cruciais da vida política.”

O autor salienta que nenhum dos modelos apresentados pela bibliografia consegue, em sua forma pura, desenvolver uma atuação completa. No modelo fiduciário, percebe-se a necessidade de maior autonomia por parte do representante. Na delegação, o problema é com o elemento vínculo ao qual o representante está sujeito. Sem tal elemento, a função da representação seria desnaturada, já que ele garante um certo grau de controle dos cidadãos sobre o poder político.

Embora também apresente pontos negativos, “a representação-espelho parece responder melhor às exigência de ordem simbólica e psicológica.” Continua: “os grupos pouco integrados, marginais de um sistema político, terão necessidade não só de representantes que ‘zelem por seus interesses’ mas ainda de representantes que, pelas suas características pessoais, neles se possam identificar e sentir-se ‘presentes’ na organização política.” (ibidem. 1104).

Em função da complexidade na conceituação da representação, explica que alguns autores da área política têm preferido outras definições para o termo, o que caracteriza ainda mais seus aspectos polissêmicos e heterogêneos. Ao invés de utilizar representação, eles preferem falar em “seleção das lideranças de delegação de soberania popular, de legitimação, de controle político, de participação indireta e de

transmissão de questionamento político. Usar-se-iam, assim, conceitos mais simples e suscetíveis de uma interpretação mais unívoca.” ( ibidem: 1106).