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5.3 A constituição da identidade através do BDSC

5.4 Um silêncio representativo

5.4.1 Linha Editorial

A falta de autoridade da empresa e de suas emissoras de televisão se manifestam assim de várias formas. A “censura” que lhe é imposta se dá até mesmo em relação a linha editorial e às posições que assume diante da ‘sua’ comunidade. Na época do Regime Militar, quando foram estabelecidas as bases para a estruturação de redes nacionais de televisão, a Globo, conforme estudamos no primeiro capítulo, colaborou nos planos de Integração Nacional dos militares, assunto que foi explorado por Kehl (1979/1980), no texto Um só povo, uma só cabeça, uma só nação. Para dar conta disso, a Globo teve o apoio do grupo Time Life e a colaboração de uma extensa rede de afiliadas, estruturada especialmente a partir dos anos 70 com a finalidade de integrar o Brasil. No sul, a empresa recebeu o apoio incondicional da RBS. Guareschi e Ramos (1988) citam, em A máquina capitalista, que as duas empresas andaram de mãos dadas com a ditadura. Segundo Caifa (1994:81), naquela época, “os militares trabalhavam pela ‘integração nacional’, e esta ideologia perdura até hoje como lema mais ou menos explícito dos meios de comunicação.

O tempo da ditadura ficou para trás, mas perdura a filosofia de unidade nacional e, por isso mesmo, não veremos RBS e Globo, em seus noticiários, divergindo em relação a algum tema de ‘interesse do país’. Elas têm defendido a privatização das estatais, a revisão da constituição, a reforma administrativa, o enxugamento da máquina do estado e os candidatos govemistas à Presidência da República. Estiveram juntas nas eleições de Fernando Collor de Melo e depois a favor de seu Impeachement. Apoiaram Fernando Henrique Cardoso à presidência, tanto

nesta, como nas eleições de 1994.

“O Jornal Nacional apóia Fernando Henrique e procura prejudicar Lula. Há alguma novidade nisso? Nenhuma. Em 1989 foi assim com Collor e, antes de Collor, era assim com os militares” (Bucci, 1996:53).

O que a Globo defende, a RBS concorda. E, em função disso, a empresa se sente na obrigação de manter a posição em seus outros veículos de comunicação, por exemplo, em seus jornais impressos e emissoras de rádio espalhados por Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nas eleições presidenciais de 1994, constatei (Souza, 1995), por exemplo, que a Rádio Diário da Manhã de Florianópolis, pertencente ao grupo, seguiu a estratégia da tv, dedicando a maior parte de seus noticiários,

Chamada Geral e Repórter Diário, para defender Fernando Henrique Cardoso

(PSDB) e criticar Luís Inácio Lula da Silva (PT). Nas matérias veiculadas nos dois programas, 73% foram dedicadas a FHC, e somente 23% eram referentes à candidatura de Lula. E, mais de 60% do que publicou sobre a Frente Popular eram vinculados a fatos negativos que denegriam a imagem de seu candidato. Chegamos a constatação que a dependência à Globo vai refletir diretamente na linha editorial, jornalística, dos outros veículos de comunicação RBS.

CONCLUSÃO

Diante do que foi colocado, podemos dizer que os sistemas regionais de comunicação no país não dispõem de independência para desenvolver projetos autônomos de comunicação. A fim de subsistirem no mercado, as emissoras regionais necessitam da afiliação às grandes redes nacionais de televisão que dominam a comunicação eletrônica no Brasil.

Para se constituírem enquanto empresas, elas dependem da autorização da Globo, do SBT e de outras emissoras nacionais para a produção e exibição de programas de caráter local e para sobreviverem economicamente. A situação vivida pela RBS-TV, que integra o maior conglomerado de comunicação do sul, não é diferente. O grupo de propriedade da família Sirotsky, para fazer valer a sua filosofia no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina - Rede de Comunicação da Comunidade - necessita constantemente do consentimento da Globo, da qual é afiliada desde o início da década de 70. Nos dois estados, ela procura desenvolver uma programação sintonizada com a comunidade, na busca de legitimação. A maior dificuldade entretanto, conforme apontamos neste trabalho, está relacionada ao território barriga verde, onde a empresa gaúcha entrou sem o consentimento da população, desrespeitou a legislação e passou por cima das várias lideranças políticas locais, uma vez que planejou o ingresso no Estado diretamente em Brasília. As articulações para conquistar o primeiro canal de tv em SC, na capital, se deram no plano federal e uma

de representar os catarinenses. É a Globo quem autoriza a RBS (a regra vale para as demais afiliadas) a utilizar janelas na programação nacional e exibir a produção local. É ela quem estabelece os dias e horários da exibição e quem, muitas vezes, determina o que deve ser produzido pela afiliada para preencher os espaços obrigatórios ou opcionais da programação. Não há tratamento diferenciado. Embora algumas delas tenham condições técnico-financeiras para ocupar maior espaço, isso não é permitido. A empresa só pode avançar segundo os ditames da Globo.

Este é, de acordo com o conceito de heterogeneidade que trabalhamos, a principal dificuldade enfrentada pela RBS. Em função de seu problema de constituição, chegamos à conclusão de que o processo de construção da identidade do povo catarinense, viabilizado pela emissora, só pode se dar de maneira submetida. Discorremos sobre a heterogeneidade constitutiva da RBS e, na análise da grade de

programação e do conteúdo que veicula, destacamos alguns aspectos da sua

heterogeneidade mostrada.

Nos discursos da empresa há algo a mais do que a informação do local e do regional. Nas notícias analisadas, evidenciamos pontos de vista diversos que não somente o da comunidade. Por vezes, surgem nos assuntos locais a perspectiva do nacional e de outras cidades, que não dizem respeito ao Estado ou a Florianópolis, microcomunidade catarinense.

deixa transparecer seus aspectos polissêmicos e heterogêneos, como também é heterogênea a formação cultural catarinense. Como pode a empresa dar conta de falar ao mesmo tempo para comunidades tão diversas? Uma forma que encontramos para explicar isso foi utilizando o conceito de heterogeneidade de forma heteróclita, considerando-se que ora nos constituímos pelo que somos ou temos, ora pelo que não somos ou não temos. Ou seja, a possibilidade para cada um falar e definir a si mesmo dependente do estabelecimento de relações de coincidência e não coincidência, com referenciais de identificação exteriores.

Na programação televisiva da RBS o assunto nacional acaba tendo a preferência. Parte-se de um tema nacional para nele encontrar o ponto focal a partir do qual começa a se articular e a se construir a identidade catarinense. Isto ficou evidente, principalmente, na análise que fizemos do Bom Dia Santa Catarina.

Apesar da submissão que lhe é imposta, a afiliada acaba obtendo uma relativa autonomia. Ela é ao mesmo tempo Globo e RBS. Em função de seu problema de constituição e de sua discutível ‘legitimidade’, fica difícil representar alguém. Como a RBS pode representar se ela não representa nem a si mesma. Percebemos que o Fundo do Espelho é Outro: Quem Liga a RBS liga a Globo

Nos horários em que não é permitido a RBS se manifestar - silêncio que se revela principalmente quando analisamos a grade de programação - ‘ninguém’ fala em nome da comunidade. Entre um programa e outro, o telespectador fica sem ter o quer ver, sem informação. Há uma interdição do dizer. Acrescido da constatação de que é difícil informar por meio da televisão, sua linguagem privilegia o espetáculo, a

fragmentação do real e a manipulação informativa, concluímos que os catarinenses que dependem exclusivamente das informações da RBS-TV não estão informados.

Em relação ao impeachment do governador Paulo Afonso, observamos que a RBS teve um comportamento parcial. Procurou conduzir a população para a sua posição na medida em que buscava vincular o fato a alguns episódios nacionais e estaduais condenados e que marcaram a vida política do país e de Santa Catarina.

Além de embalar as informações na perspectiva do nacional, para dar um ar de credibilidade àquilo que enuncia, percebemos que mesmo nas matérias regionais nem sempre a estratégia de envolver e de refletir a identidade da comunidade surte efeitos, tem relação com a sua realidade e cultura. O exemplo que utilizamos neste trabalho foi o de Gustavo Küerten, tenista do Estado.

Até chegar à comunidade, a informação que vai constituir a identidade catarinense necessita ‘passar’ pela Globo, detentora legítima/legal do canal 12, e pela RBS do Rio Grande do Sul, que tem o poder econômico e a concessão de canais de televisão no sul do país. Quer dizer, a RBS-TV de Santa Catarina para falar aos catarinenses tem que conviver com uma dupla limitação. A primeira vem da Globo. É ela quem determina o que pode ou não ser exibido pelas afiliadas, cabe a RBS obedecer.

A segunda reside no fato de que a RBS de Santa Catarina necessita do consentimento da RBS gaúcha para tocar seus projetos e programas de interesse comunitário. Há ainda um terceiro problema limitando o que vai ser dito à comunidade: a filtragem da informação. A informação que chega à comunidade passa

Apesar de tudo isso, a RBS/SC insiste em se autodenominar da comunidade, esperando que, pela redundância discursiva, isso seja introjetado na mente do telespectador.