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O modelo de representação RBS

3.5 A permanente busca da comunidade

4 LEGITIMIDADE E REPRESENTAÇÃO

4.2 O modelo de representação RBS

A partir dos vários conceitos aqui tratados, se torna mais fácil discutir o papel da RBS no contexto estadual catarinense. Começaremos pela questão da legitimidade. Em primeiro lugar é importante lembrar que a empresa ingressou no mercado catarinense sem o consentimento da comunidade e ainda infringiu a lei. A primeira das infrações diz respeito ao próprio processo de concessão da TV Catarinense de Florianópolis, porta de entrada da família Sirotsky no Estado. O grupo se utilizou do prestígio político em Brasília e de seu poderio técnico para obter a concessão do canal 12. Maurício Sirotsky Sobrinho, o patriarca da empresa, era um velho conhecido do Ministro das Comunicações, Euclides Quant de Oliveira, que assinou a outorga da primeira estação de tevê da RBS em SC. A Lei de concessão, segundo Pereira (1992:37), estabelecia que o vencedor deveria ser um grupo local, enraizado.

No caso do segundo canal, em Joinville, também houve ‘irregularidades’. Os acionistas não conseguiram colocar a emissora no ar no período estabelecido na Lei, dois anos. Ela só entra em operação três anos depois da concessão, com a assinatura de um acordo operacional com a RBS, que mais tarde compra definitivamente a emissora.

Comunicações Eldorado.

A discutível legalidade no processo de expansão da RBS em Santa Catarina e a sua condição de “estrangeira”, quer dizer, não ser uma empresa da terra, não chegaram a intimidar seus dirigentes que centraram força na política de aproximação à comunidade, com o intuito de conquistar os telespectadores e proporcionar a integração estadual. O início de suas atividades foi antecedido por campanhas difundidas nos veículos de comunicação, lembrando que a ‘emissora do coração’ estava chegando a Santa Catarina.

Até hoje, a RBS investe em campanhas e ações, procurando se legitimar como representante da comunidade. Retomando os estudos de Weber sobre legitimação, gostaríamos de levantar uma questão. Não estariam as comunidades catarinenses se sujeitando à dominação da RBS por motivos puramente racionais, pelo desejo de ver seus problemas infra-estruturais resolvidos, seus projetos, reivindicações, lutas e festividades publicizadas?

Na verdade há uma constelação de interesses envolvendo a RBS e a comunidade. Esta precisa das empresas de comunicação, que nas sociedades contemporâneas vem assumindo um poder considerável, para se fazer visível. Vale lembrar aqui o ditado popular: “Quem não é visto não é lembrado.” Por outro lado, com a abertura de programação local, a RBS consegue melhorar a audiência e abre a possibilidade de ampliar a sua lucratividade, vendendo os espaços locais ao

anunciante catarinense. É neste sentido (racional), tomando por base Weber, que a empresa acaba tendo um certo respaldo para atuar em SC, apesar de conflitos a que está sujeita, principalmente pelo fato de ser gaúcha11. Essa resistência muitas vezes emerge em épocas de eleições ou de alguma decisão política importante como, por exemplo, no episódio do pedido de impeachment do Governador Paulo Afonso. Os manifestantes do PMDB (contrários ao processo) que se encontravam em frente ao Palácio do Governo, na Praça Tancredo Neves, gritavam palavras do tipo ‘Tora

11 - As rivalidades ou resistência dos catarinenses aos gaúchos podem ser vinculadas a fatos históricos como, por exemplo, as invasões ao território catarinense na época da Guerra dos Farrapos. Em uma passagem de a História do Rio Grande do Sul, Barbosa (1983:95) mostra que os republicanos, sob o comando de Davi Canabarro, receberam ordens para "castigar riiirampntp e saquear Imaruí, cuja população se havia sublevado contra a República. A soldadesca farrapa, embriagada ao extremo, cometeu ali os atos mais bárbaros praticados durante toda a campanha."

Cheuiche (1984:123), em A Guerra dos Farrapos, relata que nas cidades catarinenses conquistadas pelos farrapos, quem era a favor do Império tinha que fugir sob o risco de ser morto e isso foi o que fez, por exemplo, o marido de Ana (depois Anita Garibaldi - defensora da causa farroupilha), o sapateiro Manoel Duarte. Ele teve de se embrenhar pelas matas, 'à procura das tropas imperiais'. O autor relata que muitos comerciantes de Laguna tiveram que deixar suas casas. Em um diálogo que manteve com a companheira Ana, Manoel dizia que "quando o coronel Villas-Boas retomar Laguna, ele vai vingar-se de cada um desses miseráveis republicanos. Vai mandar supliciar todos os traidores. Eu não tenho culpa de nada. Só fiquei porque não tive tempo de fugir. Sou um homem de bem. Tenho ódio de toda essa gente que invadiu Laguna [...]"

Também contribuíram para isso as brigas pela demarcação de territórios. No programa 100 Anos de História, da RBS-TV, que foi ao ar em 20 de março de 1998, o apresentador Tony Ramos

mostra como se deu a disputa entre catarinenses e gaúchos pelo Município de Araranguá. "A disputa era antiga e em 1920, o secretário dos interiores do Estado do Rio Grande do Sul, Protásio Alves, escreve um artigo no Correio do Povo, de Porto Alegre, para defender os direitos dos gaúchos sobre a cidade de Araranguá [...]. Santa Catarina tentava provar que tinha direitos até as margens do Rio Tramandaí. Já os Gaúchos queriam ficar com as terras até as margens do Rio Araranguáf...] Mas o risco de um novo contestado foi logo vencido pelo bom senso dos dois governadores. Hercílio Luz e Borges de Medeiros selaram acordo, apertando as mãos e dividindo o território em partes iguais. Nem no Tramandaí, nem no Araranguá. Serviu o Rio Mampituba que corria bem no meio da confusão. Pois é, depois de quase dois séculos de briga e disputas, Santa Catarina podia finalmpntp colocar em prática a política da boa vizinhança."

Um novo episódio, bem mais recente, mostra que o sentimento anti-gaúcho está ainda presente e aflorou na capital catarinense, durante as eleições de 1996 para a Prefeitura Municipal, quando Ângela Amin (PPB-Força Capital), seus correlegionários e simpatizantes começaram a vincular a candidatura de Afrânio Bopré (PT-Frente Popular), a interesses de grupos vindos do Rio Grande do Sul. Conforme Bopré, em entrevista ao Diário Catarinense (18 de novembro de 1996) "a coligação Força Capital relacionou diretamente a nossa candidatura com 'estrangeiros' vindos do Rio Grande do Sul, criando um clima de xenofobia", aversão a estrangeiros (anexo 09).

RBS” A empresa era a favor do impeachement.

Nas eleições para governo do Estado, na década de 80, era comum aparecer escrito nos muros da cidade frases dizendo: “RBS é PDS”. Os dois exemplos servem para mostrar que apesar da empresa estar operando no Estado, há resistências a sua atuação, a sua intromissão, mesmo que por parte de grupos isolados ou minoritários. Entre a RBS e a comunidade, como também entre ela e a Globo, emergem com freqüência conflitos. Em termos locais, além da resistência cultural ao grupo, a comunidade certamente gostaria de um maior e melhor espaço para ‘refletir’ seus problemas, apresentar suas reivindicações, seus projetos, pois o que a RBS apresenta nas telas tem de estar de acordo com os projetos da Globo, com a sua linha editorial, com a proposta de unidade nacional, com o padrão de qualidade da emissora mãe. Os projetos da comunidade ficam para segundo plano.

As suas emissoras de televisão não têm autoridade para desenvolver

independementemente um plano de defesa e de representação da comunidade. Há necessidade de consentimento por parte da Globo e isso veremos mais detalhadamente no último capítulo, quando partimos para a analise da programação da RBS-TV de Florianópolis. Além disso, para colocar os programas à disposição dos catarinenses e florianopolitanos, estes precisam ser viáveis economicamente. Um programa que não dá audiência é tirado do ar, mesmo que ele seja interessante a uma parcela da população. Até nisso a Globo tem uma parcela de influência, uma vez que reflete diretamente no seu índice de audiência. Quer dizer, se um programa exibido pela afiliada não tem qualidade ou audiência, o telespectador acaba mudando de canal

e pode até não retomar mais à programação da Globo.