• Nenhum resultado encontrado

A estratégia e metodologia de atenção direta em Foz do Iguaçu

Em Foz do Iguaçu o Programa de atenção integral a crianças e adolescentes em situação de exploração sexual comercial foi executado em duas fases. A primeira delas, desde dezembro de 2002 a agosto de 2004. Depois de uma avaliação desta primeira fase e as múltiplas lições aprendidas neste período se desenvolvimento uma nova estratégia de atuação que deu lugar a um novo programa desenvolvido desde novembro de 2004 a agosto de 2005.

Na primeira fase o PA foi coordenado pela organização não governamental SCNSA (Sociedade Civil Nossa Senhora Aparecida) a qual contava com uma ampla experiência na zona no trabalho com infância e adolescência em situação de risco. A execução do programa se realizou através da constituição de uma rede principal formada por três centros de referência cada um deles assumiu funções específicas dentro da proposta de atenção integral. Esta rede principal estava protegida por uma rede de organizações do sector público e ONG’s das quais umas em maior medida que outras se envolveram com o PA durante seu desenvolvimento. Os objetivos e componentes do programa de ação são similares aos desenvolvidos em Ciudad del Este. No entanto, graças a melhor estrutura institucional de Foz de Iguaçu o PA se desenhou para ser executado em rede por organizações da cidade para:

Potencializar a qualidade e cobertura dos serviços aproveitando e fortalecendo os recursos e a experiência acumulada no âmbito de atenção à infância.

Gerar uma maior implicação do tecido institucional no combate à ESC.

Progr

ama de Prevenção e Eliminação da Explor

ação Sexual

Comercial de Meninas, Meninos e Adolescentes na T

ríplice Fronteir a (Argentina – Br asil – P ar aguai)

Criar condições para a sustentabilidade de ações do Programa na luta contra a ESC.

Os centros de referência principais para a atenção direta foram: Centro de referência I, Programa Sentinela:

O centro de referência I formava parte de um programa já existente criado pelo Governo Federal do Brasil. Sua função dentro do PA foi a de porta de entrada à rede de atenção. O programa Sentinela foi o encarregado de realizar o trabalho de abordagem em zonas de exploração sexual às vítimas e derivá-las ao Centro I. Neste centro uma equipe formada por psicólogas e trabalhadoras sociais realizava um diagnóstico dos casos e os derivava ao resto de centros da rede. Com os aportes financeiros do Programa de Ação se melhorou a estrutura do Programa Sentinela para a assistência legal e a recepção de denúncias anônimas através de um serviço 0-800 (linha telefônica para denúncia).

Centro de referência II, Centro de Atenção Integral à infância e adolescência (CAIA)

Tratava-se de um centro já existente pertencente à SCNSA e que entrou a formar parte do PA prestando seus serviços à população, meta do centro. Este centro foi responsável pela atenção médica aos e às beneficiárias, assim como de ofertar-lhes uma gama de atividades educativas e esportivas.

Centro de referência III

Este centro foi criado especificamente para atender à população beneficiária do PA. Foi concebido como um espaço de atenção para as crianças e adolescentes vítimas de ESC. Seu trabalho foi desenvolver uma gama de atividades nos âmbitos artísticos, educativos e terapêuticos24 orientados a estimular a auto-estima e o desejo de mudar a situação na que vivem as crianças vítimas de ESC mediante o descobrimento de suas capacidades e potencialidades para construir alternativas de vida. Além disso, entre suas funções estava também a de favorecer a educação formal, vocacional e a inserção profissional dos e das beneficiárias, encaminhando-os às instâncias pertinentes. O programa foi desenvolvido por uma equipe multidisciplinar formado por educadores, pedagogos, psicólogos, educadores de rua, profissionais da saúde, etc. Além disso, uma rede de entidades contribuiu com seu apoio ao Programa:

PREVENÇÃO E RETIRO

Guarda Mirim: oferecendo vagas para a formação profissional dos e das beneficiárias do Programa.

Conselho Tutelar e outras entidades de atenção à infância: contribuíram para encaminhar crianças e adolescentes à rede de Centros de referência.

Itaipu Binacional: esta instituição foi uma peça chave no Programa comprometendo-se em várias estratégias, além da atenção direta às crianças e adolescentes. Nesta última a entidade proporcionou além de recursos econômicos para a capacitação profissional, vagas de estágios laborais para a população beneficiária através de seu programa de emprego “Bom Menino”. Seu aporte foi fundamental para o desenvolvimento das ações de prevenção e sensibilização social.

Rede de Albergues: os albergues públicos da cidade ofereceram vagas para alojar de forma transitória os e as adolescentes beneficiárias que por diversas razões não podiam permanecer com suas famílias. Trás a finalização do Programa em agosto de 2004 e da avaliação do mesmo, várias falhas foram detectadas na execução do trabalho que afetaram à satisfação das metas quantitativas e qualitativas. A experiência deste Programa foi fundamental e proporcionou múltiplas aprendizagens, permitiu visualizar fatores não previstos e estabelecer uma nova estratégia organizativa e metodológica. Em novembro de 2004 se iniciou uma nova fase como extensão do PA anterior que coletou os ajustes e modificações que surgiram da avaliação, assim como as aprendizagens técnicas e metodológicas. Iniciou-se o Programa ACORDAR25. Na execução deste novo PA participam quatro instituições com ampla experiência em seu âmbito de intervenção a qual constituiu um insumo fundamental para este novo Programa. Cada uma destas instituições se responsabiliza de algumas funções através de subprogramas específicos, mas integrados e coordenados mediante o trabalho em rede. As instituições que integram a rede são:

SCNSA “Programa saúde total”: é responsável da administração geral e da atenção médica através de centros ambulatoriais que dispõe a entidade e de atividades artístico pedagógicas do centro CAIA (Centro de Atenção Integral a Adolescentes).

Núcleo de ação solidária a AIDS (NASA), “Programa Vê si me entende”: esta organização é responsável pela abordagem em zonas de exploração a crianças e adolescentes e de encaminhá-los ao resto de instituições da rede. Além disso, realiza um trabalho de redução de riscos mediante

Progr

ama de Prevenção e Eliminação da Explor

ação Sexual

Comercial de Meninas, Meninos e Adolescentes na T

ríplice Fronteir a (Argentina – Br asil – P ar aguai)

atividades de sensibilização sobre a ESC em comunidades e em locais de ócio nas zonas de maior risco de exploração sexual infantil.

Fundação Nosso Lar, “Programa família saudável”

Esta instituição se responsabiliza do diagnóstico, seguimento e atenção integral individual e familiar. Além de responsabilizar-se da atenção psicológica e social, as profissionais são as encarregadas de derivar às beneficiárias a outros serviços da rede para a educação formal, profissional, inserção laboral, etc.

Casa do teatro “Teatro e cidadania”: é a instituição responsável das atividades artísticas-educativas-pedagógicas que têm um forte peso no desenho e proposta do programa. Estas atividades se empregam como parte das estratégias de prevenção e retiro e se executam em cinco bairros que foram identificados como os de maior demanda das ações do Programa, são contextos de risco para a ESC e se identificaram como lugares nos quais residem diversos perfis da população afetada. A Casa do Teatro se encarrega também de realizar atividades de estimulação e motivação para a educação formal através de um projeto pedagógico, “Clube das letras”, adaptado às necessidades, interesses e particularidades da população meta.

Outra de suas responsabilidades fundamentais é a produção e realização do espetáculo artístico “Fronteiras”, financiado por Itaipu Binacional. Trata-se de uma obra de teatro que se representa em uma unidade móbil (ônibus-cenário) que percorre comunidades e colégios para informar, sensibilizar e mobilizar a sociedade ante a ESC.

As metas conjuntas dos dois programas de atenção desenvolvidos desde 2002 até agosto de 2005 em Foz do Iguaçu foram as mesmas que as estabelecidas em Ciudad del Este: o retiro de 350 crianças e adolescentes, a prevenção de 600 e a atenção de 200 famílias. Com respeito às metodologias específicas dos Programas de atenção profundizaremos nas mais relevantes na análise das boas práticas e das lições aprendidas, no entanto vale a pena indicar aqui algumas idéias chave sobre o desenvolvimento de ambos os programas que, pese à diferença dos contextos nos quais se implementam e aos diferentes perfis de população com os que trabalham, seguiram linhas de evolução em muitos sentidos paralelos.

Surgem como programas inovadores em contextos carentes de experiência e de profissionais formados para atender a esta problemática. O primeiro período em ambos os programas se pode caracterizar como

PREVENÇÃO E RETIRO

Este processo é fruto de um conhecimento mais profundo da complexidade da exploração sexual comercial, assim como da ambivalência das situações , sentimentos e desejos da população à qual dirigem seu trabalho. Pensavam que seria um matrimônio perfeito de dita população com os programas de atenção, já que os profissionais a caracterizavam como carente, desejosa de receber a ajuda que o programa lhes proporcionaria e rejeitavam a situação de exploração na que estariam imersos contra sua vontade. No entanto, a realidade se mostrou muito mais complexa e ambígua. Os profissionais de ambos os programas dimensionaram que o processo de retiro seria lento, que são as crianças e adolescentes os que marcam o ritmo do processo de retiro da ESC, e que este nem sempre corresponde com o ritmo do programa, nem com os tempos e metas estabelecidos no mesmo.

Também dimensionaram que as necessidades imediatas e os interesses destas crianças e adolescentes não correspondiam muitas vezes com o que o Programa lhes oferecia. Despertar o interesse das crianças adolescentes vítimas de ESC nas propostas educativas e terapêuticas do programa requeria em muitos casos de um árduo e largo trabalho prévio que implicava desatar expectativas de futuro, auto-estima, confiança neles e nelas e nos demais. Estas mudanças pequenas, mas significativas, e condições imprescindíveis para avançar em aspectos relacionados com a educação ou a inserção profissional, muitas vezes não eram dimensionados nem valorizados em toda sua importância nem pelos próprios educadores. Isto não estava refletido no projeto a executar como metas específicas ou indicadores o que gerava sentimentos de frustração.

Nesta primeira fase, que durou entre seis meses e um ano, os programas se dedicaram em gerar um vínculo de confiança com a população beneficiária, em conhecer sua diversidade, seus contextos e relações, e a ensaiar metodologias de trabalho que deram frutos e frustrações. Posteriormente, em ambos os contextos, e ante a lentidão dos processos de retiro, se começou a visualizar a necessidade de trabalhar de forma mais continua, profunda e integral com as famílias, já que é aí onde reside parte das causas que empurram as crianças a situações de vulnerabilidade à ESC, e são também as famílias que têm o potencial

Progr

ama de Prevenção e Eliminação da Explor

ação Sexual

Comercial de Meninas, Meninos e Adolescentes na T

ríplice Fronteir a (Argentina – Br asil – P ar aguai)

para reverter esta situação. Nesta segunda fase se toma consciência de que:

“O programa não vai resgatar ninguém, é um instrumento para que as demais ações tenham onde se apoiar, mas são eles e elas que têm que se resgatar”. (Coordenadora Programa Família Saudável. Fundação Nosso Lar. Foz do Iguaçu)

Além de desenvolver abordagens e metodologias mais efetivas para trabalhar com as famílias, com as comunidades e todos aqueles atores relacionados cotidianamente com a infância. A evolução dos Programas de atenção passou de uma visão e ação excessivamente focalizada nas crianças , a ampliá-la posteriormente a outros atores sociais chave para a sustenibilidade dos processos de retiro e prevenção que se estavam gestando com suas estratégias e atividades.

Isto se traduz em mudanças de orientação, fruto de processos de ação-reflexão, imprescindível para o estímulo de ações criativas para responder às necessidades e demandas da população.

PREVENÇÃO E RETIRO

19 Términos de referência da consultoria: Sistematização de boas práticas e lições aprendidas sobre metodologias de prevenção do recrutamento de crianças e adolescentes à ESC e sobre retiro e atenção às crianças e adolescentes vítimas de ESC em Foz do Iguaçu (Brasil) e em Ciudad del Este (Paraguai). OIT. 2004.

20Previamente à execução do programa de ação direta, a OIT encarregou a Elaboração de um Diagnóstico rápido sobre a ESC na cidade (Britez, J. 2002). Neste diagnóstico as meninas e adolescentes vítimas de ESC entrevistadas manifestaramn que a Igreja sería a instituição mais confiável para elas tendo em vista um futuro programa de atenção.

21 A falta de organizações na zona com capacidade e vontade para levar adiante o projeto, fez necessário criar uma nova instância que se dedicasse de forma específica a sua execução.

22Resumo Executivo do Programa CEAPRA. 2004.

23Somente os meninos vítimas de ESC foram atendidos de forma ambulatoria pelo CEAPRA. Vários motivos foram argumentados pelos profissionais para explicar esta situação: os meninos não percebem a ESC como um problema; se requerem diferentes metodologias de abordagem e de atenção que com os recursos humanos e materiais existentes do Programa não se podiam desenvolver; a rejeição das meninas a compartilhar espaços e albergue com população masculina.

24O centro desenvolveu atividades variadas e novas como: natação, teatro, capoeira, manualidades, trabalho de horta, oficinas de cidadania, visitas culturais, saídas recreativas, etc.

25O nome do Programa condensa sua filosofía e objetivos. A palavra acordar tem os seguintes significados em português: “dar cor”, “chegar a acordo”, “despertar”. O aporte da OIT a este Programa é mínimo.

Progr

ama de Prevenção e Eliminação da Explor

ação Sexual

Comercial de Meninas, Meninos e Adolescentes na T

ríplice Fronteir a (Argentina – Br asil – P ar aguai)

O Projeto de Prevenção e erradicação da exploração sexual comercial nas Três Fronteiras se mostrou como uma estratégia que teve impacto e, múltiplos aspectos fundamentais para o combate de uma realidade complexa, diversa e multicausal como é a ESC.

A atenção direta à população afetada e em risco, e à suas famílias é imprescindível dentro destas estratégias globais, mas não é suficiente para erradicar esta violação de direitos fundamentais. As causas da ESC transcendem as situações e condições que caracterizam a esta população, internamente muito heterogênea.

É fundamental remover obstáculos legais e culturais assim como gerar consciência, sensibilidade e capacidade institucional para enfrentar um problema “invisibilizado”, estigmatizado, e inclusive negado socialmente. O combate à ESC é uma apelação a todos os atores e estruturas sociais, e por isto longo e complexo. Porém não é o objeto deste trabalho referir-nos ao Programa em seu conjunto, é necessário indicar e enfatizar que seus diferentes componentes estratégicos estão inter-relacionados, e que a ação e impacto de uns, reforçou aos outros. Assim ações como a criação de redes e Comitês interinstitucionais de combate à exploração, às campanhas de sensibilização social massiva e mobilização comunitária, as ações no âmbito da denuncia e persecução penal ou a formação focalizada a diversos atores sociais chave, foram ações exitosas para a geração de um entorno mais favorável ao início de programas de atenção

PREVENÇÃO E RETIRO

direta à população afetada, especialmente tendo em conta que nos referimos a contextos onde esta violação de direitos era um tema invisibilizado, negado ou naturalizado.

Além disso, os Programas de atenção direta constituem por sua concepção macro, multidimensional e integral modelos que contêm numerosas boas práticas. Por outra parte, a execução dos Programas através da articulação em redes de diversos atores sociais se constatou como uma via, complexa e não isenta de dificuldades, mas com uma grande eficácia e impacto já que põe a disposição da população beneficiária experiência, profissionais, recursos e serviços de muitos diversos âmbitos, assim como maiores possibilidades de sustenibilidade do trabalho realizado.

5.1. Boas práticas em prevenção

Tendo em conta os critérios para a identificação de boas práticas estabelecidos pela OIT e aos quais nos referimos no capítulo metodológico podemos identificar várias ações como tal entre as diferentes estratégias desenvolvidas para a prevenção da ESC tanto em Ciudad del Este como em Foz do Iguaçu. Todas estas ações destacam por seu critério ético, responsabilidade e pertinência, assim como pela eficiência com que utilizaram os recursos e os resultados e impacto que se alcançou com elas. Além disso, muitas delas levaram em conta as possibilidades de sustenibilidade futura como veremos em cada uma delas.