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A estratégia para o desenvolvimento do Nordeste: a proposta do GTDN

POLÍTICAS DESENVOLVIMENTISTAS PARA O NORDESTE: UM BALANÇO HISTÓRICO 1959/

1.2. A estratégia para o desenvolvimento do Nordeste: a proposta do GTDN

A Operação Nordeste foi formulada com a responsabilidade de apresentar diretrizes para a reestruturação da economia nordestina, de modo a reverter o relativo atraso dessa região em comparação à Centro-Sul. O GTDN, em seu relatório, propôs uma estratégia de diagnóstico e de intervenção, orientada pela ideia de planejamento

setorial. Este documento apontou a necessidade de reformulação da estratégia de atuação do governo federal no Nordeste e o estabelecimento de uma política para a transformação estrutural de todo o sistema social dessa região (GOODMAN e ALBUQUERQUE, 1974; GTDN, 1997 [1959]).

A análise elaborada pelo grupo de trabalhos referido evidenciou em seu diagnóstico: a) a baixa renda da população; b) a concentração de renda nos setores da elite; c) o comércio desigual do Nordeste com o Centro-Sul; d) a pauta de exportações pouco diversificada e reunida em produtos primários; e e) a economia do semiárido especializada na atividade econômica da pecuária e na atividade agrícola de subsistência (GTDN, 1997 [1959]).

A interpretação do GTDN sobre o atraso econômico apresentou em seu diagnóstico uma característica peculiar do subdesenvolvimento, a existência de dois núcleos de produtividade no Nordeste. No primeiro, chamado de “Litoral Úmido”, a principal atividade produtiva era a cana-de-açúcar para exportação (monocultura), o capital se concentrava nas mãos da elite. No segundo, o “Semiárido”, sub-região com a economia pouco diversificada e focada na pecuária (latifundiários) e na agricultura de subsistência (dos trabalhadores rurais), o que resultava em sistema de acumulação de capital restrito à elite, e os trabalhadores sobreviviam em nível de subsistência.

O relatório do GTDN (1997[1959]) questionava como seria possível formular nichos de produtividade no Semiárido. Nessa sub-região, foi explorada uma única atividade econômica, a pecuária, monopolizada pelas elites locais. Subjacente a esta situação, o pequeno produtor rural tinha a sua sobrevivência comprometida, consequência da sua pequena produtividade de subsistência sazonal e das limitadas condições impostas pela atividade pecuária14.

14 No final do século XVIII no Nordeste, a empresa açucareira declinou, e a pecuária, atividade econômica de subsistência, emergiu como alternativa para a migração da mão de obra que antes estava voltada para a empresa açucareira. Nesse sentido, esta configuração moldou a estrutura econômica dessa região, transitando de uma economia dinâmica no século XVII para uma região que retrocedeu a produzir apenas o necessário para a subsistência da população. A mão de obra antes concentrada no sistema produtivo do açúcar se dispersou em busca de emprego na pecuária extensiva, o que determinou uma involução nas formas de divisão do trabalho e especialização, ocasionando o retrocesso às técnicas artesanais de produção (FURTADO, 2007 [1959]). Na primeira metade do século XX, o atraso econômico do Nordeste permaneceu sistêmico, do ponto de vista econômico não houve o surgimento de nenhuma atividade econômica que fosse capaz de dinamizar

A questão central é, portanto, a seguinte: como elevar a produtividade da economia da região semi-árida? Para alcançar esse objetivo será necessário integrar o mais possível, no mercado, a unidade produtiva típica. No momento presente, essa unidade se articula com o mercado por meio da pecuária e da produção de algumas xerófilas, particularmente o algodão mocó. As condições ecológicas indicam claramente que a economia dessa região deve basear-se nesses dois elementos. Estabelecidos este ponto de partida, cabe indicar: quais são as características dimensionais e de organização que melhor se adaptam a uma unidade econômica, especializada na cultura de xerófilas e na pecuária, capaz de alcançar um grau razoável de produtividade? (GTDN, 1997 [1959], p. 421).

A crise no Semiárido foi consequência da estrutura latifundiária de terras, que afetou a produção de alimentos dos trabalhadores rurais e não os permitia saírem da situação de subsistência. Essa crise apresentou fortes repercussões sociais, enrijeceu a estrutura social e reafirmou a concentração de renda nas mãos dos latifundiários (GTDN, (1997 [1959]).

O GTDN (1997 [1959]), em seu diagnóstico15 da economia nordestina, concluiu que a crise de produtividade do Semiárido não foi a única barreira para empreender o desenvolvimento do Nordeste. Embora a economia brasileira apresentasse, nos anos 1950, um ritmo acelerado de crescimento econômico, os efeitos de estímulo à expansão da dinâmica do mercado se limitaram a uma desigual distribuição para as unidades federativas brasileiras. O chamado “desenvolvimento desigual” beneficiou unicamente a região mais industrializada (Centro-Sul), enquanto na região atrasada (Nordeste) assegurou a sua pauta exportadora no setor primário e complementou a demanda da região industrializada do Brasil. A tabela 1, extraída do relatório GTDN, comparou a evolução da renda do Nordeste com a do Centro-Sul, que registrou a sua involução.

a economia e a permanência de uma estrutura latifundiária que beneficiava somente uma pequena parcela da população aprofundou o drama social do Nordeste. A partir dos anos 1950, o Estado desenvolvimentista interviu no Nordeste via os planos diretores da SUDENE, que buscavam implantar a indústria aliada à modernização da agricultura.

15 Furtado, em uma Política de Desenvolvimento para o Nordeste e em Operação Nordeste, aponta para o caso do crescimento econômico da região Centro-Sul em relação à estagnação da região Nordeste.

Tabela 1. Renda das principais regiões do país em anos escolhidos

Discriminação e Ano Norte Nordeste Centro-Sul Total Renda (em milhões de cruzeiros)

1948 1956 5 766 25 023 25 523 102 000 133 387 637 005 164 675 764 028 Idem (porcentagem) 1948 1956 3,50 3,27 15,49 13,35 81,01 83,38 100,00 100,00 Renda per capita (em cruzeiros)

1948 1956 1 764 6 322 1 627 5 450 4 358 17 029 3 323 12 718 Fonte: GTDN (1997 [1959]).

Conforme a tabela supracitada, a situação de desigualdades regionais se agravou devido ao crescimento proporcionado pela alta dinamicidade da economia do Centro- Sul, em contraste com a estagnação da economia do Nordeste. Dessa forma, foram identificadas duas dinâmicas contrárias na economia brasileira. O crescimento desigual concedia, inevitavelmente, para a região Centro-Sul maiores benefícios em suas relações comerciais com a região Nordeste. A economia do Centro-Sul era dinâmica, consequência da implantação da industrialização, que demandou um perfil de mão de obra mais qualificada, e a migração da área rural para a urbana concentrou um índice de urbanização elevado, o que foi determinante para o Centro-Sul exercer o papel de polo dominante16 sobre a região Nordeste (FURTADO, 1959; GTDN, (1997[1959]).

Na região Nordeste, após o declínio do ciclo da cana-de-açúcar, a sua economia permaneceu estagnada e retrocedeu à economia tipicamente pré-capitalista (produção de subsistência). A economia nordestina atuou como complemento (produção e exportação de produtos primários) à demanda da economia do Centro-Sul. E, justamente por atender essa demanda, por produtos primários, o Nordeste não conseguia reunir recursos suficientes para a industrialização (FURTADO, 1959).

16 Cano (2007 [1981]) alerta para o erro conceitual usualmente praticado por alguns pesquisadores acerca da aplicação da relação centro-periferia da Cepal à dimensão regional. O referido autor procura desmitificar o “mito” do imperialismo paulista em relação à região Nordeste. Nos marcos internos de um país, não há fronteiras políticas ou alfandegárias internas, evitando apontar um suposto “imperialismo interno”. Entretanto, a posição de destaque da região Sudeste sobre as demais do país derivou da concentração automática de capital, mediante os interesses privados em detrimento de outras regiões. Dessa maneira, houve a concentração de capital em um Centro Dominante, que norteou os rumos do processo de acumulação de capital à escala nacional.

Na tabela 2, foram reunidos os índices de produção dos dois principais setores da economia - agropecuária e indústrias no Nordeste e no Centro-Sul. Após o ano de 1950, a produtividade agropecuária e industrial do Centro-Sul ganhou fôlego e se distanciou da do Nordeste. Os dados registraram a liderança da produtividade no setor industrial do Centro-Sul em relação ao Nordeste, concomitante ao vagaroso crescimento dessa região.

Tabela 2. Índice da produção agropecuária e industrial

Anos Nordeste Agropecuária Centro-Sul Nordeste Indústrias Centro-Sul

1948 100,00 100,00 100,00 100,00 1949 102,3 104,1 101,1 105,3 1950 107,5 107,8 103,9 118,8 1951 88,2 114,3 110,5 132,3 1952 95,9 123,5 113,0 141,9 1953 98,0 121,1 121,3 148,2 1954 114,1 129,6 128,6 160,7 1955 118,7 137,5 142,5 168,0 1956 125,2 132,4 149,8 181,2 Fonte: GTDN (1997 [1959]).

O reduzido nível de articulação econômica da região Nordeste com a região Sul foi um dos principais obstáculos para o seu desenvolvimento econômico17. Dessa forma, o setor industrial da região Sul progrediu e promoveu condições suficientes para o seu crescimento sustentado pelo mercado interno e pela redução da sua dependência em importações de produtos (FURTADO, 1960).

O plano de ação do GTDN foi articular a política industrial aos seguintes pontos: a) promover oferta de emprego à massa populacional flutuante; b) substituir a antiga classe dominante (oligarquia) por uma classe dirigente que visasse ao desenvolvimento; c) providenciar para o Nordeste capitais formados em outras atividades econômicas; d) conceder autonomia e expansão manufatureira, através da industrialização; e) transformar a economia agrícola da faixa úmida pela ampliação da oferta de alimentos;

17 Aponto como referência para a compreensão do fenômeno do subdesenvolvimento, o dualismo estrutural, consultar a respeito a dissertação de mestrado de Gustavo Louis Henrique Pinto Metamorfoses do rural no pensamento de Celso Furtado (1948-1964), de 2012.

e f) promover o deslocamento da fronteira agrícola do Nordeste para a faixa úmida do hinterland maranhense (GTDN, 1997[1959]).

A estratégia do GTDN concedeu fortes subsídios para a orientação das diretrizes formuladas e aplicandas pela Sudene. O Primeiro e Segundo Planos Diretores dessa instituição enveredou por esse caminho, apesar de marginalizar algumas das propostas elaboradas pelo GTDN, como a reforma agrária.

1.3. SUDENE: do impacto político (1959-64) à crise de governabilidade (1965-

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