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Quando se fala de estrutura administrativa, automaticamente se deve considerar que o caso do Brasil é bastante especial entre os países latino-americanos devido a sua dimensão geográfica e as suas características históricas, só para mencionar alguns dos elementos que conduziram a população a concentrar-se nos ecossistemas litorâneos ou

próximos deles. Tal situação colocou em xeque a integridade de um dos ecossistemas mais ameaçados, a Mata Atlântica (TABARELLI, 2005).

Mas, quando o assunto é a relação dos ambientes naturais brasileiros com a consolidação de infra-estrutura de energia e transportes, Reid e Sousa Jr. (2006) apontam o seguinte:

O desenvolvimento de infra-estrutura de energia e transportes tem sido um dos principais fatores para a conversão de ecossistemas naturais no Brasil desde o século XIX. Apesar de esse padrão estar presente em muitos outros países, o Brasil difere na escala de oportunidades ainda disponíveis para a construção de sua infra-estrutura física ao mesmo tempo em que vislumbra uma ambiciosa agenda de conservação. Essas vantagens advêm da magnitude dos ecossistemas naturais, um ambiente político dinâmico e a crescente disponibilidade de dados biológicos e econômicos necessários para harmonizar conservação ambiental com obras de infra-estrutura. (REID; SOUSA, 2006) Quando o problema é de capacidade administrativa oficial para tomar conta do sistema de UCs no Brasil, basta analisar os dados orçamentários oficiais dedicados ao manejo destas áreas para se detectar que o assunto não deve ser prioridade ao se repartirem os recursos financeiros do país. Brito (2000) já indicara que essa falta de hierarquia financeira dentro do Estado tem sido assim por mais de uma década e, após publicar sua visão do cenário nacional, aponta um trecho da “Carta de Curitiba” onde avalia o sistema de UCs “...sem o mínimo de condições para garantir uma sólida e contínua administração dessas áreas protegidas que permita um manejo dos seus recursos naturais em harmonia com os objetivos de conservação originalmente estabelecido e esperado pela Sociedade”.

Em 2001, um grupo de consultores e representantes de entidades que trabalham estreitamente com a gestão de UCs de Proteção Integral, se reuniu para estudar as experiências com projetos e manejo das áreas de entorno de cinco parques nacionais, dois parques estaduais e duas reservas biológicas, no intuito de analisar metodologias e práticas relevantes à conservação e uso sustentável da biodiversidade, como uma forma de fundamentar futuras ações e programas que, desenvolvidos em áreas do entorno dessas categorias, pudessem ser capazes de envolver as comunidades locais, gerar emprego e renda para elas e proteger as UCs, simultaneamente (SOARES; BENSUSAN; FERREIRA-NETO, 2004). Os resultados desse encontro inspiraram

alguns dos assuntos discutidos neste trabalho, mas vale sublinhar que neles estão apresentadas algumas das dificuldades e sugestões que integram a equação: conservação e desenvolvimento social, todas derivadas da sinergia entre a situação fundiária das UCs, sustentatibilidade social e econômica das populações próximas a elas, a influência sobre as políticas públicas e a articulação interinstitucional que é requerida nesses casos, entre outros.

Um relatório ainda mais recente, realizado pelo próprio Estado, aponta que as UCs brasileiras não receberam do Orçamento Ministerial mais de 3% entre 2000 e 2005 (IBAMA, 2006). É provável que esta situação crítica de liderança institucional e de manejo das UCs no Brasil seja provocada por um círculo vicioso, no qual a falta de uma esclarecida opinião pública sobre as nobres funções das áreas protegidas acelera a falta de uma política pública consistente de manejo e proteção, que, por sua vez, diminui a influência sobre o poder público oficial, o qual subestima os recursos financeiros necessários para essas áreas. Este é um assunto que também foi apontado por Amend e Amend (1992) e identificado com o rótulo de “falta de apoio institucional”, entre todos os problemas apresentados pelos parques nacionais latino-americanos.

Mais recente ainda são as informações disponíveis nos depoimentos de dois funcionários do MMA - Ministério do Meio Ambiente, um deles do IBAMA, que mostram números algumas vezes contraditórios. Brant (2007), depois de descrever o complexo processo que criou as instituições que administraram as UCs em toda sua história (Ver Tabela 1).

Brant ainda aponta para o reduzido número de funcionários do IBAMA que se dedica especificamente a trabalhar em Unidades de Conservação. De um total de 6.260 funcionários, somente 1.310 são exclusivos das UCs e devem administrar mais de 70 milhões de ha. Se comparada com outros países, a diferença é significativa, uma vez que os Estados Unidos, com a metade da área protegida, possui 15.515 funcionários fixos e mais de 5.000 em caráter temporário.

Tabela 1 – Cronologia de criação das entidades oficiais responsáveis pelas áreas protegidas do Brasil

Entidade Gestora das Áreas Protegidas no Brasil Ano de Criação

Serviço Florestal l – SF 1921

Primeiro Parque Nacional – Itatiaia 1937

Direção de Recursos Naturais Renováveis – DRNR 1962 Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF 1967

Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA 1973

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – IBAMA 1989 Instituto Chico Mendes – MP 366 (ainda em processo) 2007

Fonte: Brant (2007)

Um outro representante do MMA aponta um crescimento de 338% na superfície sob proteção especial nos últimos 22 anos, passando de 16 milhões de hectares em 1985 para 70 milhões em 2007 (MERCADANTE, 2007). Esse crescimento de aproximadamente 2% do território para 8% do país, sob proteção federal, não acompanhou crescimento significativo ou proporcional em relação a recursos humanos, infra-estrutura ou de ordem financeira própria, antes, pelo contrário, passou a depender ainda mais de fontes externas. Um exemplo disso são as cifras lançadas pelo próprio Mercadante, quando menciona que, dos R$330 milhões anuais que precisariam as unidades federais, apenas 50%, mais ou menos, são recursos orçamentários e o restante proveniente de compensação ambiental e doações internacionais, observando que esses recursos orçamentários próprios são destinados para o pagamento de pessoa (funcionários).

Está previsto adicionar ainda mais 10 milhões de hectares em curto prazo, confirmando, assim, que é mais fácil decretar unidades de conservação do que implantá-las e manejá-las. Para o momento em que se realizou a pesquisa de campo no Estado do Amapá, o IBAMA, através do programa ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia, encontrava-se e ainda encontra-se engajado numa estratégia de manejo integrado para auxiliar o desenvolvimento econômico e social dessas comunidades como uma forma de proteger a integridade ecológica da REBIO a curto, médio e longo prazo.

Já em outra área, quando o assunto trata de uso público, o problema parece encaminhar-se para a preocupação de justificar economicamente a existência das áreas protegidas. Esse é o caso apresentado pelos trabalhos de Magro (2002, 2003) que apontam para a preocupação das ações políticas de uso público para obrigar uma reorientação da função principal das áreas protegidas rumo à valoração econômica das atividades recreativas e turísticas como parte de um eixo que tenta descobrir fórmulas de sustentabilidade econômica para as UCs nacionais.

Da mesma maneira, o estado não consegue se organizar para “abrir” adequadamente as portas das suas unidades e prefere buscar saídas terceirizadas para o manejo desses conflitos. Segundo um artigo publicado na Revista Turismo (www.revistaturismo.com), pouco mais de 42% dos parques nacionais do Brasil encontram-se fechados para uso público, justo essa categoria que constitui por definição as amostras paisagísticas e biológicas mais representativas de um país. Este é apenas mais um indício apoiado na tese de Dourojeanni (2002), que defende que a falta de interesse público no manejo dos parques está enraizada no fato de que tais

áreas não são acessíveis ao cidadão comum. Voltando a fazer referência à posição ministerial, está lançada a proposta de um

programa que deverá implantar uma série de medidas para preparar os Parques Nacionais para a visitação pública, prevendo que essa ação possa passar dos quase 3 milhões de visitantes-ano para os 10 milhões até 2010 (MERCADANTE, 2007). De novo, triplicar o número de visitantes em apenas 3 anos levanta a dúvida em relação ao processo, sua preparação, seu planejamento, sobre o grau de envolvimento e o compromisso que isso significa por parte de quem receberá essa onda de visitantes em tão curto período de tempo, sobre quem construirá a infra-estrutura e sobre a preparação efetiva de comunidades e funcionários responsáveis pela recepção. Há aqui um sinal de terceirização em massa que transfere responsabilidades públicas para o setor privado, fugindo um pouco da missão institucional de manejar a coisa pública sem fins lucrativos e apoiado por instrumentos legais como o Decreto No 4.340, de 22 de Agosto de 2002. (BRASIL, 2006a).