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Um evento mencionado muitas vezes na literatura conservacionista é aquele que testemunha que foi com o Parque Nacional de Itatiaia que o Brasil deu início ao projeto de proteger significativas amostras do seu patrimônio natural. Mesmo que tenha sido em 1937, a iniciativa foi tardia, pois, segundo Corrêa (2007), foram 65 anos após Yellowstone e ainda teve, misteriosamente seus limites reduzidos, além de os motivos da sua proteção terem, também, guardado alguns segredos. No entanto, foi apenas nas últimas duas décadas que o Brasil acusou um significativo incremento no número de unidades de conservação no seu sistema.

Até 1989, os parques e reservas federais foram criados pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e pela Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). Em 1989, SEMA e IBDF foram unidos para formar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)... Em 1976, o IBDF adotou um modelo biogeográfico para estabelecer as unidades de conservação na Amazônia, baseado na representação de regiões fitogeográficas... Atualmente, existem 478 unidades de conservação federais e estaduais de proteção integral, que totalizam 37.019.697 ha, e 436 áreas de uso sustentável em 74.592.691 ha... Ainda que o Brasil tenha criado um grande número de áreas protegidas nas duas últimas décadas, permanecem grandes desafios, não só para sua administração e manejo, mas também para proteger os próprios parques, já que o Brasil continua com seus ambiciosos programas de desenvolvimento para a energia, a infra-estrutura, a indústria e a agricultura. (RYLANDS; BRANDON, 2006)

Foi mencionado que, em 2000, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC foi legalmente estabelecido objetivando unificar as áreas em todos os seus níveis hierárquicos administrativos. Ainda complementam o sistema as áreas particulares, as RPPNs – Reservas Particulares do Patrimônio Natural e as já conhecidas Terras Indígenas, ambas amplamente reconhecidas como iniciativas válidas para a proteção geral da biodiversidade e como áreas protegidas diferenciadas das UCs do SNUC.

Fica evidente existir hoje uma tendência nacional na implantação de uma política para o estabelecimento de áreas protegidas que parece favorecer a criação de UCs de uso direto, ou popularmente conhecido como sustentável, uma possível saída às pressões sociais existentes sobre os recursos naturais no Brasil.

Atualmente, estão em andamento três iniciativas para determinar a localização de novas unidades de conservação: (1) recomendação de proteção da maioria das 900 áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, identificadas nos workshops regionais (1998-2000); (2) estabelecimento de corredores de biodiversidade com parques e reservas como elementos chave; e (3) a criação de unidades de conservação nas 23 ecorregiões amazônicas, identificadas pelo WWF-Brasil (Programa ARPA) (RYLANDS; BRANDON, 2006).

Com quase o dobro em superfície de unidades de proteção integral e, considerando que foram criadas em aproximadamente 15 anos, as unidades de uso sustentável como as Reservas Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável estão sendo chamadas a se constituírem no maior desafio para o atual modelo de gestão que aí está instalado, pois, certamente, vão requerer muito mais pessoal, infra-estrutura, fiscalização, monitoramento e capacitação para seu manejo e proteção.

Isso nos leva a citar a preocupação de Peres (2006) quando aponta a Amazônia brasileira como uma das regiões ou biomas que “enfrenta as maiores ameaças e apresenta as maiores oportunidades dos nossos tempos para a conservação da biodiversidade tropical”. O autor considera que a preservação e a continuidade desse complexo e frágil sistema serão garantidas, em longo prazo, pela proteção integral e pelo desenvolvimento sustentável das reservas florestais. O especial dessa situação é que ele sugere que tais reservas estejam “incrustadas em uma matriz florestal benigna e extensa o suficientemente para dar sustento a um conjunto completo de espécies e aos processos ecológicos, em uma escala de paisagem”. Basta saber se o Estado brasileiro poderá conter a tendência desordenada de ocupação desse vasto território, estimulada pela expansão da fronteira agrícola sobre terras devolutas.

Por outro lado, não se pode pretender manejar todas as áreas protegidas como se fosse uma variação das reservas extrativistas, seja porque é uma forma moderna de gestão (novo paradigma), seja porque é social e politicamente conveniente. É preciso reconhecer e necessário proteger áreas sem intervenção humana e até longe das influências das suas atividades. Suas vantagens, muitas delas indiretas, são superiores a qualquer estratégia de intervenção econômica e não podem ser vistas como áreas devolutas que desperdiçam a oportunidade de transferir benefícios ao ser humano.

Terborgh e Shaick (2002), Dourojeanni (2002) e Delgado (1987) defendem a idéia de que os benefícios indiretos de muitas áreas naturais justificam sua proteção sem

nenhuma intervenção; estas áreas e a própria natureza, além de não necessitarem provar seu valor econômico, já distribuem seus benefícios e serviços ambientais sem quase, ou nenhum custo para a sociedade, o que, em sua opinião, implica uma contribuição incalculável para o desenvolvimento da agricultura e da indústria, para o abastecimento de água, proteção contra a erosão, manutenção dos estoques e fluxos genéticos, para o turismo e a integridade das paisagens, sem contar o seu papel essencial para o mundo científico e da segurança em questões de reservas minerais, culturais, educacionais e estratégicas de defesa nacional.

Estes argumentos obrigam a debater uma das mais antigas dificuldades produzidas pelos modelos de gestão anteriores, como é o caso da categoria de manejo que possa ter recebido uma determinada área. Em outras palavras, o debate de mudança de paradigmas que procura um modelo “brasileiro” para conciliar conservação da biodiversidade e presença humana parece encontrar nas categorias de proteção integral uma dificuldade, o que tem levado ao decreto de inúmeras áreas protegidas mais flexíveis a esse respeito, tal o caso de Áreas de Proteção Ambiental – APAs; Reservas Extrativistas – RESEX; Reservas de Desenvolvimento Sustentáveis – RDS, até as de caráter privado, como as RPPN, Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Seja como for, está lançada na mesa de discussões a sorte de milhões de hectares de áreas a serem protegidas. Haverá de se encontrar um modelo de gestão que permita, por um lado, ganhar tempo para garantir a integridade dos sistemas naturais, os quais, nas atuais circunstâncias, adquirem imenso valor para a humanidade e seus países constituintes. Por outro lado, é prioritário que se encontrem formas mais eficientes para diminuir a pressão sobre essas áreas, ao mesmo tempo em que se descubram saídas dignas de desenvolvimento humano para todos aqueles que estejam próximos a essas ilhas naturais de recursos naturais.