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2.7 Discussão

2.7.2 A percepção da situação

2.7.2.3 Considerações administrativas

Aspectos administrativos em geral - Durante o processamento das informações ficou evidente que as avaliações subjetivas sobre os aspectos administrativos de ambas as unidades sob estudo favoreceram mais os gestores da REBIO do que os do PEI, mas, em termos gerais, as avaliações sobre os diversos aspectos quase sempre concentraram seus resultados entre as melhores colocações. Por exemplo, mais de 42% da população amostrada concordaram que a presença administrativa na UC era adequada e a qualificou entre 7,5 e 10 pontos,numa escala de 0 a 10 (Tabela 33A). O mesmo aconteceu com as questões relativas à Fiscalização e Legislação, as quais foram avaliadas nessa mesma faixa de valores por 34% e 37% dos entrevistados, respectivamente (Tabelas 33B e 33C).

Esses resultados podem imaginar-se bastante condescendentes se compararmos com os anos de abandono, ou a falta de presença administrativa sofrida por ambas unidades. O intenso trabalho que as gestões respectivas têm produzido nos últimos dois três anos reverteram ao que se esperava ser uma baixa apreciação do trabalho de manejo especialmente quando em diversas ocasiões autoridades federais tem autuado e reprimido ações contra o patrimônio natural. Os bons resultados da avaliação desses três elementos da administração permitem imaginar que a atuação dos gestores tem sido diferenciada das campanhas repressivas iniciadas por outros órgãos de fiscalização atuantes em cada estado. Também refletem a resposta à boa vontade mostrada pelos gestores em administrar os conflitos, sem entrar diretamente em confronto com os moradores locais.

Em relação aos aspectos de “ecologia” (ou saúde ambiental das UCs) “indenização fundiária” e de “efetividade do Plano de Manejo”, os resultados seguiram beneficiando os gestores, com exceção do item “Indenização fundiária”.

Os resultados definidos para os aspectos de saúde ambiental das UCs parecem induzir a conclusão de que não há uma completa noção do que acontece com cada uma das unidades em matéria de ecologia. Aproximadamente 70% dos entrevistados qualificam com mais de 5 pontos, na escala de 0 a 10, o estado de saúde ecológica das suas UCs (Tabela 34A), sem perceber que ambas unidades se encontram na berlinda de grandes transformações ambientais que podem prejudicar profundamente o equilíbrio das áreas que consideram e tanto apreciam. Metade da população acredita que as áreas se encontram em perfeito estado.

Já em matéria de instrumentos de planejamento, os entrevistados dividem suas opiniões mais regularmente entre a ineficácia e a efetividade do Plano de Manejo para resolver todos os problemas que identificam como importantes para as UCs respectivas. Segundo a Tabela 34C, 56% da população amostrada conseguem identificar as dificuldades naturais que o Plano de Manejo terá para resolver tais problemas; enquanto que o restante acha entre possível e muito possível essa tarefa do mencionado plano. Indistintamente do resultado, dependerá do gestor fazer com que essas percepções mudem para um lado ou outro da balança.

Os dados referentes à indenização fundiária permitem indicar que quase 40% dos entrevistados qualificaram com os menores valores, na faixa de 0 a 2,5 sua satisfação com essa missão administrativa (Tabela 34B). Esse resultado era de se esperar, uma vez que, durante 25 e 15 anos, respectivamente para a REBIO e o PEI, as populações têm esperado um posicionamento e a correspondente negociação das suas propriedades para definir seu futuro, após o decreto de utilidade pública de ambas UCs. Como esse foi um elemento apontado em quase todas as oportunidades de contato com as comunidades e imobiliza os investimentos econômicos, materiais e de trabalho dentro de cada grupo familiar, a própria inércia em discutir a fórmula mais adequada cria um clima de desconfiança e desconforto, refletido na avaliação. Como este é um aspecto chave do estudo que aqui analisa o modelo de gestão adotado, dentro dos princípios que orientam as categorias de proteção integral, os resultados sugerem que sejam aplicadas, com urgência, as propostas de regularização fundiária, tanto as negociadas, como as de transição. Com elas, se espera diminuir o abismo entre os que defendem a abertura destas categorias ao uso sustentável dos seus recursos e aos que

continuam advogando pela proposta original de áreas, sem a atuação humana direta sobre os ambientes naturais protegidos com restrição.

A preferência sobre a exploração livre ou não das UCs - O fato de a maioria da população amostrada responder negativamente à premissa das UCs de proteção integral de não serem exploradas livremente, induz aqueles que possuem uma relação de subsistência vinculada aos recursos naturais protegidos pelas respectivas categorias a não desejarem que se lhes impeça seguir realizando suas atividades extrativas, mesmo que pensem que suas vidas estão melhores com a área protegida por lei (Tabela 35). Em outras palavras, a área deve ser conservada para que eles sigam subsistindo delas. Em alguns casos, como em Piratuba, são os de fora os que prejudicam o equilíbrio dos ambientes protegidos.

Neste caso, as unidades e sua conservação são compreendidas como positivas, sempre e quando sejam garantidos os direitos, adquiridos, pelos anos de residência no local, de explorar seus recursos. Enquanto o gestor lhes conceder esse direito, tanto aos que residem dentro, como aos que residem no entorno, e, enquanto a situação fundiária não for definida e outras alternativas de subsistência e de desenvolvimento forem apresentadas, a proteção das UCs é conveniente, sempre e quando continuarem a realizar suas atividades produtivas (caça, pesca, produção animal, extração de frutos, etc).

Essa situação tem provocado concessões por parte dos gestores, em forma de “termos de compromissos”, os quais tentam ordenar, indefinidamente, a exploração dos recursos mais comuns ao estilo comunitário local. Essa política funciona como um paliativo às pressões que exercem as comunidades sobre as áreas protegidas, paliativo esse que libera, momentaneamente os gestores, de problemas maiores com as populações envolvidas, mas que não resolve definitivamente o conflito conceitual entre categoria e objetivos de manejo.

Um outro aspecto interessante para a definição de estratégias que equacionam os conflitos de manejo e de subsistência das comunidades residentes ou próximas a elas, é o daqueles quase 40% da população estudada que acreditam que a vida seria melhor com a existência da unidade e que ela não deveria ser explorada livremente. Este é um grupo humano de certo valor, que permitiria iniciar processos de diminuição das

pressões sobre os recursos naturais das UCs, uma vez que parecem não depender diretamente de tais recursos para sua sobrevivência. Certamente esse grupo reduz o número de candidatos a serem beneficiados, na maioria das vezes, por políticas que se estabelecem à totalidade dos grupos, mais por medidas de desconhecimento dos grupos, do que de eqüidade social. Este grupo, somado aos quase 6% dos que não sabem responder em nenhum dos casos ou alternativas, podem ser aliados e reduzir os esforços sobre os que dependem especificamente das UCs.

A punição legal ou administrativa como elemento de juízo - No caso dos que foram punidos, alguma vez, pelas autoridades e gestores encarregados de fiscalizar as normativas ambientais e legais na região, já foi identificado que a maior proporção desse grupo se encontra entre os que vivem na região do entorno das UCs e entre os que possuem mais de 5 anos nessa condição (Figuras 19 e 20 e Tabela 37). Essa informação pode aceitar a possibilidade de defender a atitude dos residentes de UCs sobre os que moram no seus respectivos entornos. O único problema dessa aceitação é que é possível que os casos de punição escondam a freqüência com que: a) os gestores orientam os residentes em relação às normas, comparado com a dificuldade de orientar uma população maior e mais dispersa, do entorno; e b) o número de vezes e oportunidades disponíveis pelos residentes de se beneficiarem dos recursos da UC sem necessidade de chamar a atenção das autoridades. Seja como for, o trabalho de fiscalização e aplicação da legislação é dificultado quando se sabe que há possibilidade de uso dos recursos em áreas de proteção integral.

Compreensão do conceito de área protegida – Este último aspecto permite induzir que um dos principais elementos que complicam o manejo das UCs, na região sob análise, pode estar relacionado com o desconhecimento que normalmente apresentam as populações dessas áreas protegidas. Na tabela 38 ficou registrado que apenas 13% das pessoas entrevistadas mostraram certeza de conhecer o que significava o conceito de Unidade de Conservação, indicando que, apesar dos anos de convívio com a unidade, e de vivenciar os obstáculos que devem ser enfrentados para a constante subsistência dessas famílias, a região protegida pouco significa para eles, em termos legais, fato que dificultou a visão convergente entre afetados e gestores. Tal abismo entre visões, obviamente que reduz as chances de sucesso no relativo a estabelecer

um processo que, por um lado ofereça alternativas para essas comunidades dentro da condição de área de proteção integral, e, por outro, que consolide um manejo, ou uma gestão, de acordo com os objetivos da figura jurídica decretada.

Essa condição de desconhecimento do que significa uma UC, unida à contínua e frágil organização e estrutura administrativa dos seus gestores, indica um problema que possivelmente não é um caso específico das unidades sob estudo, mas típico de outras regiões do país. No entanto, neste caso, o conceito e defesa dos objetivos de áreas de proteção integral não poderão ser compreendidos entre comunidades que têm profundos interesses nos recursos naturais dessas áreas e ainda não recebem propostas alternativas aos seus estilos de vida.