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A estrutura do verbo latino

No documento Língua Latina (páginas 110-115)

questão mais básica de como os verbos se classificam em paradigmas diferentes de acordo com a conjugação.

Os gramáticos latinos estabeleceram basicamente quatro paradigmas de conjugação verbal, com base nas diferenças entre os temas dos verbos em latim. Em português, as conjugações são três: em -a-, em -e- e em -i-, ou seja, a de verbos como “amar”, “comer” e “dormir”. Essas três conjugações estavam presen- tes em latim, mas havia ainda uma outra, a conjugação dos verbos com tema em consoante.

A tradição também estabeleceu uma subconjugação derivada da conjuga- ção consonantal, mas que tem muitas formas parecidas com as da conjugação de temas em -i-, que chamaremos aqui de conjugação mista.

Vejamos uma listagem das conjugações com o verbo básico que usaremos de exemplo:

Primeira conjugação

 – temas em -a-: am-o, ama-s, amau-i, amat-um,

amāre1 “amar”.

Segunda conjugação

 – temas em -e-: habe-o, habe-s, habu-i, habit-um,

habē-re “ter”.

Terceira conjugação

 – temas consonantais: dic-o, dic-i-s2, dix-i, dict-um,

dicĕ-re “dizer”.

Quarta conjugação

 – temas em -i-: audi-o, audi-s, audiu-i, audit-um, audī-

re “ouvir”.

Conjugação mista

 – temas consonantais: capi-o, capi-s, cep-i, capt-um, capĕ-

re “pegar, capturar”.

Dessas informações, facilmente encontráveis nos dicionários para qualquer verbo latino, o que deve ser aprendido antes de qualquer coisa é o modo de identificar a conjugação de um verbo. Os verbos em latim são enunciados pela primeira pessoa do singular do presente do indicativo, e não pelo infinitivo,

1 Daremos aqui a entrada do verbo nas seguintes formas: primeira pessoa do singular do presente do indicativo, segunda pessoa do singular do presente do indicativo, primeira pessoa do singular do perfeito do indicativo, supino/particípio perfeito e infinitivo presente. Com essas formas, como veremos adiante, seremos capazes de derivar todas as outras formas possíveis dos verbos latinos. Em geral, os dicionários apresentam os verbos com essas formas listadas, nessa ordem (eventualmente sem a segunda do singular). Os hífens servem apenas para fins didáticos, eles não são parte das palavras latinas.

como em português. No entanto, as primeiras pessoas singulares do presente do indicativo são construídas com uma desinência -o que às vezes mascara al- gumas características dos verbos e, para conhecermos com toda a certeza a con- jugação a que o verbo pertence, precisaremos conhecer também o infinitivo do referido verbo. Com esses dois elementos, não restarão dúvidas quanto a que conjugação um verbo pertence. Vejamos o quadro a seguir, que contém apenas a primeira pessoa do singular do presente do indicativo e o infinitivo presente dos verbos das cinco conjugações.

Primeira conjugação amo amāre amar

Segunda conjugação habeo habēre ter

Terceira conjugação dico dicĕre dizer

Quarta conjugação audio audīre ouvir

Conjugação mista capio capĕre capturar

As sílabas em negrito no infinitivo são as sílabas que recebem o acento prin- cipal. Como se pode perceber, o acento na penúltima é motivado pela vogal longa. Olhando com atenção, podemos perceber que a vogal longa aparece nas conjugações vocálicas, ou seja, na primeira, segunda e quarta. As vogais breves

-ĕ- dos infinitivos da terceira conjugação e da conjugação mista são vogais de

ligação entre o tema e a desinência -re, o que causa o deslocamento do acento principal para a antepenúltima. Assim, há uma separação clara entre conjuga- ções vocálicas e consonantais, que percebemos no infinitivo. Isso também nos mostra claramente que, embora muitas formas da quarta conjugação e da con- jugação mista pareçam iguais, isso acontece apenas por uma anomalia no siste- ma verbal, pois, na verdade, a conjugação mista é como uma parte da terceira conjugação, o que, mais uma vez, fica claro ao olharmos para o seu infinitivo. Outra questão, a princípio problemática, que se resolve no cruzamento do infi- nitivo com a primeira pessoa do singular do presente do indicativo, é a aparente igualdade de construção dos verbos da primeira e da terceira conjugação, que têm primeira pessoa em -o, sem vogal temática (am-o e dic-o, contra habe-o e

audi-o). Com o infinitivo, torna-se claro que amā-re e dicĕ-re fazem parte de con-

jugações diferentes. Portanto, o estudo cuidadoso do quadro anterior nos capa- citará a aprender inequivocamente a conjugação de qualquer verbo em latim.

Os tempos

O verbo latino flexiona-se em tempo (presente, passado e futuro) e em as- pecto (eventos concluídos ou pontuais, ou seja, perfectivos, e não concluídos ou durativos, ou seja, imperfectivos). Há uma separação entre formas verbais de aspectos imperfectivos e perfectivos, que resulta em um sistema verbal com os seguintes tempos principais:

Tempos principais da voz ativa –

infectum Tempos principais da voz ativa – perfectum

Presente amo, amat,

amamus... amo, ama,amamos (pretérito) Perfeito amaui, amauisti... amei,amaste

(pretérito) Imperfeito

amabam,

amabas,... amava,amavas (pretérito) Mais-que-

-perfeito

amaueram,

amaueras... amara,tinha amado

Futuro do presente

amabo,

amabit... amarei,amará Futuro do pretérito amauero, amaueris... terei amado, terás amado

Os três tempos do lado esquerdo do quadro são os chamados tempos do sistema verbal infectum em latim, pois são imperfectivos quanto ao aspecto e se formam com o radical verbal chamado radical do presente (ama-, habe-,

dic(ĕ)-, audi- e cap(ĕ)-), que conseguimos ao subtrair o -re do infinitivo presente.

Os tempos da metade direita do quadro são os chamados tempos do perfectum, pois são perfectivos quanto ao aspecto e são formados a partir do radical do perfeito (amau-, habu-, dix-, audiu- e cep-). O radical do perfeito é idiossincrático3,

ou seja, cada verbo apresenta o seu radical de perfeito, a princípio, sem regras predeterminadas para sua formação. Por isso o dicionário apresenta também o radical de perfeito na entrada de cada verbo. Todos os verbos possuem dois ra- dicais diferentes, um de infectum e um de perfectum, além de um terceiro, aquele que forma os particípios e alguns tempos verbais analíticos (formados por parti- cípio + verbo auxiliar), que é chamado de radical de supino (que também pode ser conseguido na entrada lexical dos verbos nos dicionários).

Agora, para podermos prosseguir é necessário falar das desinências núme-

ro-pessoais. Além dos três radicais básicos dos verbos, para podermos construir

qualquer forma de qualquer tempo, voz ou modo verbal, é preciso conhecer os possíveis conjuntos de desinências número-pessoais. O quadro a seguir sistema- tiza as desinências número-pessoais:

Número e pessoa Tempos do indicativo e

subjuntivo na voz ativa Tempos do indicativo e subjuntivo na voz passiva

Perfeito do indicativo

ativo

1.ª pessoa do singular -o ou -m -or ou -r -i

2.ª pessoa do singular -s -ris -isti

3.ª pessoa do singular -t -tur -it

1.ª pessoa do plural -mus -mur -imus

2.ª pessoa do plural -tis -mini -istis

3.ª pessoa do plural -nt -ntur -ērunt ou -ēre

Esse quadro resume praticamente todas as possibilidades de desinências número-pessoais dos verbos latinos. Há algumas formas de tempos passivos no perfectum que são construídas com o particípio perfeito ou futuro com um verbo “ser” flexionado como auxiliar. Veremos essas formas oportunamente. Ti- rando essas últimas, todos os tempos, vozes e modos latinos podem ser cons- truídos, bastando que saibamos qual radical deve ser usado (presente/infectum, perfeito/perfectum ou supino/particípio), qual dos três conjuntos de desinências número-pessoais deve ser usado, e que infixo modo-temporal deve ser colocado entre o radical e a desinência número-pessoal.

Quando os quadros das conjugações forem apresentados, preste aten- ção a esses três fatores da construção de cada tempo em cada modo e em cada voz, e você verá facilmente os mecanismos regulares de construção verbal atuando.

As vozes

Diferentemente do português, que constrói a voz passiva sempre com formas analíticas (particípio mais verbo auxiliar), o latim, em vários tempos, constrói a voz passiva sinteticamente, ou seja: através de desinências número-pessoais es- pecíficas de voz passiva. Falaremos mais sobre a voz passiva adiante, mas, apro- veitando o quadro de desinências número-pessoais apresentado anteriormente,

já é possível identificar, por exemplo, como seriam construídas as vozes passivas dos tempos principais:

Tempos principais da voz ativa –

infectum Tempos principais da voz passiva – infectum

Presente ativo amo, amat, amamus... amo, ama, amamos Presente passivo amor, amatur, amamur... sou amado, é amado, somos amados (pretérito) Imperfeito ativo amabam,

amabas,... amava,amavas Imperfeito (pretérito)

ativo

amabar,

amabaris... era amado,eras amado

Futuro do presente

ativo

amabo,

amabit... amarei,amará Futuro do presente

passivo

amabor,

amabitur... serei amado,será amado

Como se pode perceber pelas desinências em negrito, a voz passiva é for- mada basicamente pela mudança da desinência número-pessoal. Esse tipo de flexão de voz passiva se perdeu em português.

Os modos

Há em latim quatro modos: o indicativo, ligado à denotação de eventos tidos como factuais, “reais”; o subjuntivo, que carrega os significados básicos de ir- realidade, hipótese, desejo; o imperativo, modo responsável pelas ordens; e o infinitivo, a forma verbal sem tempo nem pessoa. Não haverá espaço para tra- tarmos dos modos individualmente, mas na apresentação das conjugações, que iniciaremos a seguir, haverá a indicação das formas de todos os modos.

No documento Língua Latina (páginas 110-115)