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Língua Latina

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Academic year: 2021

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(1)Latina. Latina. LÍNGUA. LÍNGUA. LÍNGUA. Latina Rodrigo Tadeu Gonçalves. Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-1146-9.

(2) LÍNGUA. Latina Rodrigo Tadeu Gonçalves. 2010 2ª edição.

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(4) Rodrigo Tadeu Gonçalves. Doutor e Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Letras-Português, Inglês e Latim pela UFPR..

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(6) Sumário História do latim e as línguas neolatinas | 11 A hipótese do indo-europeu | 12 Fases e variedades da língua latina | 15 A passagem do latim para as línguas românicas modernas | 18 A latinização | 19. Fonologia e prosódia do latim | 27 A questão da duração das vogais | 28 O alfabeto latino | 29 O acento de intensidade | 32 As pronúncias do latim | 33. Estrutura da língua latina comparada com a da língua portuguesa | 41 A estrutura da língua portuguesa | 41 A estrutura da língua latina | 43 Comparação entre as duas línguas | 48. Sistema nominal latino: primeira e segunda declinações, adjetivos de primeira classe e preposições | 59 As declinações nominais | 59 Primeira declinação | 61 Segunda declinação | 62 Adjetivos de primeira classe | 64 Preposições | 66.

(7) Sistema nominal latino: terceira declinação e adjetivos de segunda classe | 75 Terceira declinação | 75 Adjetivos de segunda classe | 80. Graus dos adjetivos e formação de advérbios | 95 A formação do comparativo dos adjetivos | 95 A formação do superlativo dos adjetivos | 97 Comparativos e superlativos irregulares | 99 Advérbios regulares | 99. A estrutura do verbo latino | 109 Características morfológicas dos verbos em latim | 109 Primeira conjugação verbal | 114. Aprofundamento da morfologia verbal latina | 127 Terceira conjugação verbal | 127 Quarta conjugação verbal | 129 Conjugação mista | 131 Verbos irregulares | 134.

(8) A voz passiva e os verbos depoentes | 153 Voz passiva | 153 Verbos depoentes | 160. Os pronomes em latim | 173 Pronomes pessoais | 173 Pronomes possessivos | 174 Pronomes interrogativos e indefinidos | 175 Pronomes demonstrativos | 176 Pronomes relativos | 179. Conjunções: coordenação e subordinação | 195 Conjunções | 195. Os numerais, o calendário romano, a quarta e quinta declinações | 217 Os numerais | 217 O calendário romano | 219 A quarta e quinta declinações nominais | 223. Anotações | 233.

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(10) Apresentação É muito difícil não reconhecer a importância da língua latina para todos os estudiosos e profissionais de áreas relacionadas com a língua portuguesa, dada a relação de descendência histórica direta entre elas. Assim, ainda que incipiente, a inclusão do estudo do latim nos currículos dos cursos de Letras é fundamental. Este livro se propõe a apresentar questões importantes da língua latina para alunos de graduação em letras. Portanto, o ensino do latim pretendido aqui é instrumental, voltado para uma compreensão da nossa língua. Em especial, pensamos, o contato com a língua da qual a nossa deriva diretamente deve aumentar a capacidade de refletirmos sobre estruturas linguísticas e sobre a concepção que temos da nossa própria língua, tanto no sentido histórico quanto no sentido sistemático, nos termos da diacronia e da sincronia saussureanas. Dessa forma, não pretendemos, por razões de escopo do material e do papel que essa disciplina exerce em uma licenciatura em letras-Português, oferecer um ensino extremamente complexo e aprofundado de todas as formas possíveis da gramática latina, nem pretendemos levar os aprendizes aos caminhos dos textos originais de forma milagrosa. Mas sim, por outro lado, em uma tentativa metodologicamente reflexiva e crítica, pretendemos abrir o caminho ao aluno interessado, para que, a partir daqui e das referências apresentadas, continue seus estudos a fim de se apoderar dos tesouros do conhecimento, do pensamento, da literatura, da religião e da filosofia ocidentais aos quais o domínio pleno da língua latina conduz. Isso não quer dizer, no entanto, que não tentaremos incentivar os alunos ao acesso, desde o primeiro momento, aos textos autênticos do vasto corpus da literatura latina, pois com glossários explicativos e adaptações mínimas, apresentaremos alguns excertos como base dos exercícios, para que, por meio de metodologia moderna no ensino da habilidade de leitura, possamos ajudar os alunos a se tornarem leitores capazes de compreender uma língua como o latim em sua base estrutural tão diversa da nossa. Por esse mesmo motivo, como o ensino da língua latina (que não tem mais falantes nativos vivos) só pode ser pensado de modo plausível visando a habilidade de leitura (e não as de escrita, produção e compreensão oral), será necessário trabalhar com exemplos não autênticos e que fogem aos moldes da literatura latina canônica. Faremos tudo, esperamos, de maneira dosada e sem distorcer o que deveria ter sido de fato a língua de Roma..

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(12) História do latim e as línguas neolatinas O latim era a língua falada na região central da Itália, chamada de Lácio, durante o primeiro milênio antes de Cristo e que, juntamente com o Império Romano, estendeu-se por grande parte da Europa, pelo norte da África e por diversas regiões da Ásia, até se transformar, através do curso natural das línguas, em dialetos incompreensíveis entre si, que acabaram dando origem a línguas como o nosso português, o francês, o catalão, o espanhol, o italiano, o romeno, o provençal, entre outras. O latim que aprendemos hoje corresponde à variante literária do período que, de maneira geral, compreende os séculos I a.C e I d. C. Esse período é muito importante para a história do Ocidente, pois foi nele que grandes autores escreveram obras literárias que ajudaram a moldar as bases culturais, políticas, sociais, filosóficas e religiosas da Europa e, consequentemente, do mundo ocidental. Dentre esses autores, podemos destacar o mantuano Públio Virgílio Maro1, que, entre outras obras, escreveu a Eneida no final do século I a.C. Nessa obra, Virgílio narra, em doze livros de cerca de 700 a 1 000 versos cada, as origens históricas e mitológicas da grandiosa Roma governada, no seu tempo, pelo imperador Augusto2, que, após longas décadas de guerras civis, havia sido declarado imperador em Roma, e criaria um período de paz e prosperidade para a capital de um império que, se já vinha se expandindo enormemente ao longo dos séculos precedentes, avançaria seus domínios para lugares tão distantes quanto as Ilhas Britânicas, a costa do norte da África (incluindo o Egito), e vários territórios do atual Oriente Médio, até as bordas do Mar Negro. Na Eneida de Virgílio, o surgimento de Roma está ligado às raízes mitológicas europeias, pois Enéias, o herói do poema, fugindo como um dos poucos sobreviventes da Guerra de Troia3, recebe a missão de buscar uma nova terra para fundar uma cidade que viria a ser a capital do mundo. 1 2. Virgílio nasceu no ano 70 a. C., perto de Mântua, na Gália Cisalpina, e morreu no ano 19 a.C.. De nome Gaio Júlio César Otaviano, Augusto recebeu esse título quando se tornou o primeiro imperador de Roma. Nasceu em 63 a.C. e morreu no ano 14 da nossa era. Sob seu império, cessam quase cem anos de guerras civis entre os romanos, em especial, a mais importante, travada entre seu tio, Júlio César, e Pompeu. 3 Os gregos sitiaram a cidadela de Troia por cerca de dez anos e finalmente a destruíram porque o belo Páris, filho de Príamo, rei de Troia, raptara a belíssima princesa Helena, esposa do chefe grego Menelau. Dentre os gregos, destacavam-se o engenhoso Odisseu, protagonista da Odisseia do poeta grego Homero, e o furioso Aquiles, tema do outro poema épico homérico, a Ilíada. Também durante a Guerra de Troia, encontramos o ardil do cavalo de madeira cheio de soldados, o famoso “presente de grego”..

(13) História do latim e as línguas neolatinas. Os destinos e os deuses então guiam Enéias por terras distantes, até que ele chega na foz do Rio Tibre, por volta do século VIII a.C., perto das famosas sete colinas que hoje ficam em Roma. Lá, seu filho Ascânio dá origem a uma linhagem de reis que misturam sua ascendência com as dos povos locais, que incluíam etruscos, faliscos, oscos, sabinos, entre outros, e que, com seus descendentes Rômulo e Remo, fundam a cidade de Roma. Acompanhemos as palavras que Enéias ouve de seu pai, Anquises, quando desce aos infernos para encontrar-se com ele e conhecer o futuro glorioso de Roma: Outros, é certo, hão de o bronze animado amolgar com a mão destra, ninguém o nega; do mármore duro arrancar vultos vivos. Nos tribunais falar bem, apontar com o seu rádio as distâncias na azul abóbada e os astros marcar quando a leste despontam. Mas tu, romano, aprimora-te na governança dos povos. Essas serão tuas artes; e mais: leis impor e costumes, poupar submissos e a espinha dobrar dos rebeldes e tercos.4. A partir dos relatos míticos da fundação de Roma, as conquistas dos romanos – um povo belicoso e austero – fizeram grande parte do mundo conhecido tornar-se falante de latim. Com a fusão do Império Romano com a Igreja, nos primeiros séculos da era cristã, a religião, a cultura, a literatura, a filosofia e a administração pública levaram a língua de Roma, ao longo da Antiguidade e da Idade Média, para grande parte da Europa. Assim, se falamos português hoje, é porque a região onde hoje fica Portugal fez parte desse processo de recepção da cultura dos conquistadores romanos, e a língua latina lá falada foi aos poucos se diferenciando do latim falado pelas outras regiões, até que já não fosse a mesma língua. Somos, de certa forma, herdeiros linguísticos da empreitada do mítico Enéias e, por isso, é muito importante aprendermos ao menos um pouco dessa língua que constitui um dos pilares fundamentais da cultura ocidental.. A hipótese do indo-europeu Ao longo principalmente do século XVIII, estudiosos europeus interessados em várias línguas e culturas começaram a perceber similaridades muito claras entre palavras de línguas que já se sabia serem aparentadas, como o grego e o latim, e línguas de regiões muito afastadas da Europa Ocidental, como o sânscrito, língua sagrada da antiga civilização dos vedas, da Índia. Perplexos, os pes4. Tradução de Carlos Alberto Nunes para os versos 847 a 853 do Livro VI da Eneida. Em latim: Excudent alii spirantia mollius aera, / credo equidem, vivos ducent de marmore voltus, / orabunt causas melius, caelique meatus / describent radio, et surgentia sidera dicent: / tu regere imperio populos, Romane, memento; / hae tibi erunt artes; pacisque imponere morem, / parcere subiectis, et debellare superbos.. 12.

(14) História do latim e as línguas neolatinas. quisadores começaram a perceber relações entre essas línguas e a maioria das línguas faladas na Europa, e foram mapeando semelhanças que levaram à hipótese de que todas essas línguas teriam derivado de algum ancestral comum. Em 1786, sir William Jones, magistrado do Império Britânico que fora enviado para a Índia, pronunciou em um discurso na Sociedade Asiática aquilo que seria o pontapé inicial da ciência linguística que viria a se desenvolver ao longo do século XIX: a linguística histórico-comparativa. Eis o famoso trecho do discurso: O sânscrito, sem levar em conta a sua antiguidade, possui uma estrutura maravilhosa: é mais perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais extraordinariamente refinado que ambos. Mantém, todavia, com essas duas línguas tão grande afinidade, tanto nas raízes verbais quanto nas formas gramaticais, que não é possível tratar-se do produto do acaso. É tão forte essa afinidade que qualquer filólogo que examine o sânscrito, o grego e o latim não pode deixar de acreditar que os três provieram de uma fonte comum, a qual talvez já não exista. Razão idêntica, embora menos evidente, há para supor que o gótico e o celta tiveram a mesma origem que o sânscrito. (ROBINS, 1983, p. 107). Essa nova ciência buscava compreender a sistematicidade das relações históricas entre as línguas, que passaram a ser chamadas de indo-europeias. Elas foram assim chamadas porque os pesquisadores acreditavam que não só o latim, o grego e o sânscrito, mas também a maioria das línguas europeias e muitas asiáticas, como o inglês, o alemão, o russo, o persa, o hindi, o francês, e tantas outras, derivavam de uma mesma língua-mãe, o protoindo-europeu. Essa protolíngua5 da Europa e de grande parte da Ásia teria sido falada há cerca de sete mil anos por um povo de origem ainda relativamente misteriosa, que, em virtude da necessidade de migrações em massa, levou sua língua e costumes (como seus hábitos agrícolas, o uso de cavalos e de instrumentos de guerra, e sua sociedade patriarcal) por diversas regiões em ondas migratórias que deixaram o grupo original fragmentado em grupos menores, sem contato uns com os outros. Assim, as regiões que, em períodos e locais diferentes, receberam grupos de nômades indo-europeus, desenvolveram seus dialetos de maneiras diferentes, gerando ramos dialetais que foram se diferenciando e formando línguas distintas. Dessa forma, temos o ramo indo-iraniano, do qual fazem parte línguas como o persa, o sânscrito e o bengalês; o ramo eslávico, do qual fazem parte línguas como o russo, o búlgaro, o servo-croata, o polonês; o ramo germânico, do qual fazem parte línguas como o alemão, o inglês, o islandês, o norueguês, o holandês; o ramo helênico, do qual fazem parte, entre outras, o grego antigo e o grego moderno; o ramo céltico, do qual fazem parte línguas como o gaulês, o gaélico escocês e irlandês, o galês, entre outras; o ramo anatólico, do qual fazem parte línguas de locais bastante distantes da Europa, como o tocário, falado numa região da Ásia Central, hoje pertencente à China, e, por fim, o ramo itálico, do qual fazem parte o latim, o osco e o umbro, por exemplo. 5. Chamam-se protolínguas as línguas originárias de todo um ramo de uma família linguística ou da família inteira. Assim, a família das línguas indo-europeias tem a sua protolíngua, o indo-europeu, enquanto que dentro dessa família várias outras são protolínguas, como o protogermânico, o protoeslavo e assim por diante.. 13.

(15) História do latim e as línguas neolatinas. Protoindo-Europeu Itálico. Helênico. latim. Céltico. Balto-Eslávico. Índico. grego clássico. [Romance]. lituano. (Novo Testamento). italiano. gaélico escocês gaélico irlandês. grego moderno. espanhol. Armênico. Germânico. sânscrito. grego koiné. francês. Albanês. galês. português. hindi. búlgaro bengalês. russo polonês ucraniano. Germânico Setentrional. Germânico Ocidental. romeno. Germânico Oriental. nórdico antigo inglês frísio. holandês alemão. gótico. islandês dinamarquês sueco norueguês. Assim como nos outros ramos, línguas mais antigas deram origens a línguas mais novas com base em processos de dialetação semelhantes aos que levaram o protoindo-europeu a vários lugares diferentes e que o transformaram em várias línguas diferentes. Do mesmo modo que do gótico antigo nós temos hoje o alemão e o inglês modernos, do latim antigo nós temos hoje um sub-ramo, chamado de ramo das línguas neolatinas ou românicas, composto por línguas como o português, o francês, o italiano, o espanhol, entre outras. Vejamos um quadro com algumas palavras em várias línguas indo-europeias: pai. mãe. irmão. lobo. Latim. pater. mater. frater. lupus. Grego. pater. meter. phrater. lykos. Sânscrito. pitar. matar. bhratar. vrkas. Espanhol. padre. madre. hermano. lobo. Francês. père. mère. frère. loup. Inglês moderno. father. mother. brother. wolf. Inglês antigo. faeder. modor. brothor. wulf. Alemão. Vater. Mutter. Bruder. Wolf. Português. 14.

(16) História do latim e as línguas neolatinas. Fases e variedades da língua latina Estudamos o latim por meio de seus registros escritos, que são dos mais variados, como inscrições em muros, monumentos fúnebres, documentos transcritos e copiados em várias épocas, citações de textos mais antigos em textos de autores mais recentes, entre outras fontes. Assim, há documentos de vários períodos, e há, obviamente, escassez maior de registros escritos de estágios mais antigos da língua. A história do latim que faremos aqui é, portanto, bastante resumida e de caráter didático.. Latim arcaico Supõe-se que o latim tenha sido falado na região do Lácio por volta do século XI a.C., mas os primeiros registros da língua escrita encontrados datam do século VII ou VI a.C. Mais tarde, por volta do século III a.C., começam a ser produzidos textos literários em latim, em grande parte por meio de um processo de assimilação da cultura e literatura gregas do período. Roma, já uma potência, conquistava territórios de vários fundos culturais diferentes e, em pouco tempo, por volta do século II a.C., o Mar Mediterrâneo já era praticamente dominado pelos romanos. O ambiente cultural efervescente, constituído pelo contato de várias culturas, produziu em Roma o início de uma literatura que, de certa forma, surgiu como adaptação, para o público falante de latim, de textos épicos e dramáticos da tradição grega. É desse período, por exemplo, a suposta primeira obra da literatura latina, uma tradução da Odisseia de Homero feita pelo escravo grego Lívio Andrônico para propósitos educacionais. Lívio, capaz de ler e escrever em grego, trazido para Roma como escravo, tornou-se responsável pela educação dos filhos de seu senhor e, pela escassez de material, traduz o poema homérico para poder ensinar as letras às crianças em Roma. Assim surge a literatura latina. Nesse período, ainda, outros autores produziram textos mais ou menos adaptados da tradição grega, como as comédias de Plauto e Terêncio, de gosto popular, que seguem a tradição da Comédia Nova6 grega e as tragédias (em grande parte perdidas) de Névio e Ênio, por exemplo. Névio e Ênio, seguindo o caminho aberto por Lívio, também escrevem os primeiros textos épicos em latim, dos quais, infelizmente, restaram apenas fragmentos. 6 A Comédia Nova grega surge no período da virada do século IV para o III a.C., e baseia-se em tramas familiares, convencionais, com personagens caricaturais, como o velho imbecil, seu filho sem responsabilidades e, em geral, apaixonado por uma moça que não pode se casar com ele, o escravo sagaz do velho que ajuda o filho em suas desventuras etc. O principal autor grego dessa tradição é Menandro.. 15.

(17) História do latim e as línguas neolatinas. Latim clássico Convencionou-se chamar de latim clássico o estilo literário da língua ao longo do primeiro século a.C. até o início do primeiro século da era cristã. São desse período a prosa elaborada do político, filósofo e orador Cícero, a poesia lírica e a épica nacional de Virgílio, com As Bucólicas e a sua Eneida, e a lírica amorosa de Catulo, Propércio, Tibulo, Horácio e Ovídio. Em geral, o latim que ensinamos hoje em dia é a língua literária desse período, tanto por causa da beleza do estilo cuidadosamente trabalhado desses autores quanto pelo fato de que grande parte do corpus mais substancial dos textos clássicos é literário, o que nos deixou sem muito acesso aos outros registros linguísticos do período.. Latim culto O latim culto era a variedade falada pela classe culta de Roma. Esse dialeto era a base do latim clássico, a variante literária. O latim culto deveria ser muito mais rígido quanto às normas gramaticais que estudamos hoje como sendo a gramática do latim, mas certamente muito menos estilizado que a língua literária, o chamado latim clássico. Documentos escritos nessa variedade linguística são menos comuns, mas é possível encontrar esse tipo de registro, por exemplo, em cartas de autores antigos, como as de Cícero para seu irmão ou as de Sêneca para sua mãe, nas quais a estilização e o trabalho estético consciente com a linguagem são menos intensos, ainda que presentes.. Latim vulgar A variedade do latim chamada de latim vulgar é a língua das massas, dos analfabetos, do povo em geral. Os registros dessa língua são mais difíceis de se encontrar, mas dão testemunhos muito interessantes da evolução do latim. As inscrições encontradas em muros, em banheiros públicos, e até mesmo em obras literárias que tentavam retratar a variedade linguística (como o romance chamado Satyricon, de Petrônio, autor do século I d.C., que apresenta longas passagens que tentam representar a língua do povo de Roma) nos mostram uma língua viva, muito frequentemente aberta às mudanças que ocorrem naturalmente nas línguas. Um texto extremamente interessante é o chamado Appendix Probi, anônimo, provavelmente datado do século III a.C., que se constitui simplesmente de uma 16.

(18) História do latim e as línguas neolatinas. lista na forma de “X non Y”, que funcionaria para que as pessoas dissessem ou escrevessem X ao invés da forma realmente usada, Y. Nessa lista, temos, por exemplo, a seguinte linha: auris non oricla. Essa linha nos diz muita coisa sobre como as pessoas falavam e sobre como a língua seguia seu curso de mudança natural. A forma auris, em latim culto, que significa “orelha”, na fala popular, possivelmente recebia o sufixo diminutivo -cula, resultando em auricula7 – “orelhinha”. Daí para a forma oricla, que deveria ser evitada, temos a mudança do ditongo au para simplesmente o, e a queda da vogal u entre c e l. Ao estudarmos a passagem do latim para o português, vemos que é sistemática e regular essa mesma mudança de ditongos a vogais plenas, essas quedas de vogais, e, além disso, vemos que frequentemente formas como -cla resultam em “-lha” e que vogais como i podem se “transformar” em e. Assim, “orelha” em português descende diretamente de auris ou de oricla? Parece claro que, ao menos nesse caso, a instrução do Appendix não funcionou, pois, mais de 20 séculos depois, sobrevive a forma “errada”! Curiosamente, como vimos, oricla já era uma forma diminutiva, então, etimologicamente, quando dizemos “orelha”, remetemo-nos historicamente ao jeito de dizer “orelhinha” em latim.. Latim tardio Após o período do latim clássico, o latim continuou sendo usado como língua do Império Romano, que cresceu cada vez mais e, posteriormente, o latim tornou-se a língua oficial da Igreja Católica ocidental. Assim, ao longo de muitos séculos, o latim foi usado como língua universal para relações internacionais, para administração do Império e da Igreja e, ao longo da Antiguidade e da Idade Média, tudo que fosse importante era escrito em latim. Aos poucos, as comunidades foram desenvolvendo seus dialetos de forma que se afastassem mais e mais do latim, dando origem a línguas diferentes. Mas a língua escrita continuava a seguir, na medida do possível, os padrões do latim culto, de forma que temos muito material escrito em latim “culto” por falantes nativos de outras línguas ou de outras variedades do latim. Como exemplo, temos desde a tradução latina dos textos bíblicos, a Vulgata, vertida por São Jerônimo para o latim nos fins do século IV, até os documentos portugueses de administração e legislação do século XI, passando pela filosofia medieval e renascentista. Encontramos, escritas em latim, até mesmo teses e monografias 7 De onde vem, por exemplo, “auricular” em português? Essa é uma palavra que foi emprestada do latim muito tempo depois de a forma “orelha” já estar em uso pelos falantes de português. Esse tipo de empréstimo é considerado “erudito”, pois os falantes voltam ao latim para recuperar formas que, quando depois acolhidas pela língua, vivem lado a lado com as formas populares que já existiam. Os exemplos são muitos, como a forma popular “maduro” e a forma erudita “maturidade”, vindos do latim maturus, a forma popular “pai” e as formas eruditas como “patronímico”, ambos do latim pater, patris.. 17.

(19) História do latim e as línguas neolatinas. de universidades no século XX, como a monografia de Karl Marx sobre a filosofia do grego Epicuro. É evidente que o latim, ao longo de tantos séculos de usos tão variados, foi sofrendo alterações substanciais, de forma que as variedades linguísticas resultantes foram se tornando incompreensíveis entre si, resultando, no curso dos séculos, em línguas diferentes, as chamadas línguas românicas.. A passagem do latim para as línguas românicas modernas Como vimos anteriormente, o latim é a língua da qual surgem as chamadas línguas românicas, grupo que inclui não só o nosso português, mas também línguas importantes como o francês, o espanhol, o italiano, e línguas menores e menos conhecidas como o galego (falado na região da Galícia), na Espanha, o provençal (idioma quase extinto falado em algumas regiões de fronteira da Itália com a França), o catalão (língua oficial de Andorra e falado na Catalunha na Espanha), o romeno (língua oficial da Romênia), entre outras. Como sabemos, além do latim, que foi a língua de um dos maiores impérios que o mundo já viu durante tantos séculos e da administração religiosa, da produção científica e filosófica de grande parte da Europa por tanto tempo, as línguas diretamente derivadas dele também encontraram seu caminho ao redor do mundo. O português, como sabemos, é falado não só no Brasil e em Portugal, mas também em Angola, Cabo Verde, Macau, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor Leste, São Tomé e Príncipe, entre outros países asiáticos e africanos pelos quais os portugueses passaram nos séculos XV e XVI, quando navegaram ao redor do mundo. Os espanhóis, de modo similar, levaram seu idioma a grande parte das Américas, o que explica o nome América Latina. O francês, também falado no Canadá, Suíça, Luxemburgo, Congo, Haiti, Senegal e em vários outros países, ajuda a dar uma ideia da importância das línguas românicas ou neolatinas ao redor do globo. Além disso, mas não somente por esse fato, grande parte do vocabulário do inglês (que, embora seja uma língua indo-europeia, faz parte de outro ramo, o das línguas germânicas) é de origem latina, via empréstimos do francês, ocorridos durante o período em que a Inglaterra foi dominada pelos Normandos, por volta dos séculos XI e XII. Assim, a expansão de um vocabulário de origem 18.

(20) História do latim e as línguas neolatinas. latina ao longo das línguas mais importantes do mundo na atualidade faz com que grande parte do núcleo comum dessas línguas seja aparentado, facilitando a nós, falantes de uma língua latina, o reconhecimento de muitas palavras das outras línguas europeias importantes.. A latinização Tendo sido exposta a importância das línguas neolatinas no contexto mundial, passemos ao estudo de como o latim veio a se transformar nessas outras línguas. Durante o período em que o Império Romano mantinha uma administração política centralizada, as conquistas de territórios significavam a instalação de um governo local, que deveria utilizar-se do latim para fins gerenciais. Não só isso, mas também os povos dominados, por motivos diversos, acabavam falantes do latim, ou como língua materna ou como segunda língua. As línguas locais, mais ou menos aparentadas do latim, acabavam influenciando a língua latina usada na região e, com o passar do tempo, conforme os dialetos latinos das províncias iam se consolidando, eles iam tomando características individualizadas, e aos poucos esses dialetos se constituíam como línguas autônomas. A seguinte passagem explica esse processo chamado latinização: Latinização ou romanização é a assimilação cultural e linguística dos povos incorporados ao universo da civilização latina. O fato de tantos povos de língua, raça e cultura diferentes terem adotado a língua e, pelo menos em parte, a civilização dos vencedores é um fenômeno único na história da humanidade. Essa aceitação, porém, não se deveu a imposições diretas. As conquistas romanas tinham caráter político e econômico; não houve por parte de Roma pretensão de impor aos conquistados sua língua ou sua religião; ao contrário, considerava o uso da língua latina como uma honra. Se os drúidas foram perseguidos na Gália, isso aconteceu porque a utilização de vítimas humanas nos sacrifícios feria o direito romano, ao qual se dava grande valor e importância. O Novo Testamento mostra que os romanos não eliminavam instituições políticas, religiosas ou jurídicas, obviamente desde que não conflitantes, dos povos incorporados: o povo judeu manteve a religião, o sinédrio, o sumo sacerdote, os levitas e os saduceus; a casa real de Herodes continuou a existir. Deviam pagar os impostos, enquanto as legiões cuidavam da segurança e ao governador romano era reservada a palavra final em questões jurídicas específicas, como no caso da condenação à morte. (BASSETO, 2005, p. 103). Esse processo não é nada simples. Por exemplo, embora o latim tenha sido usado nas Ilhas Britânicas, uma das últimas províncias a serem conquistadas (o que se deu por volta do século I d.C.) ao longo do período de queda do Império Romano8, as províncias mais afastadas e aquelas onde havia menor centralização do poder e unidade cultural não mantiveram o latim como língua “oficial”. Isso explica porque territórios mais próximos de Roma, como as terras onde hoje 8. A queda do Império Romano atinge seu ápice quando o Império Romano Ocidental deixa de ter um centro político no século V, em virtude das invasões bárbaras.. 19.

(21) História do latim e as línguas neolatinas. temos França, Espanha, Portugal e Itália, mantiveram-se falando latim, enquanto províncias como a Bretanha acabaram por continuar a falar as línguas locais, e isso aconteceu em grande parte do resto da Europa e das outras regiões ao redor do Mar Mediterrâneo, da Ásia Menor, entre outros. Por isso, os ingleses, os egípcios, os escandinavos e tantos outros hoje em dia não falam uma língua neolatina. Nos locais em que a língua latina foi falada por mais tempo, mesmo com o enfraquecimento e posterior queda do domínio do império, os dialetos foram se diferenciando cada vez mais dos dialetos das outras regiões falantes do latim. Aos poucos, falantes do latim da Ibéria já não conseguiam entender plenamente falantes da península Itálica, por exemplo. Como vimos anteriormente, havia uma diferença substancial entre o dialeto da classe urbana culta de Roma, base da língua literária que conhecemos como latim clássico, e o chamado latim vulgar, língua falada pelas classes mais baixas, em geral analfabetas. Esse latim vulgar, provavelmente muito diferente de região para região, por ser a língua viva que fervilhava nos mercados, que era falada pelos estrangeiros, pelos escravos de outros lugares, pelos trabalhadores, pelos soldados de baixa patente em tantos lugares diferentes, deve ter sofrido mudanças mais rapidamente que o dialeto urbano culto de Roma. Com o passar dos séculos, esse latim vivo das províncias foi o que serviu de base para as transformações posteriores que resultaram nas línguas neolatinas. Vejamos alguns exemplos de semelhanças nos vocabulários das línguas românicas ou neolatinas: Nomes de algumas cores Português. Francês. Espanhol. Italiano. Latim. branco. blanc. blanco. bianco. album. negro. noir. negro. nero. niger, nigra, nigrum. verde. vert. verde. verde. viridis. Nomes dos números de um a dez 1 Latim. 2. 3. unus duo. tres. quattuor quinque sex. septem octo novem decem. dos. tres. cuatro. cinco. seis. siete. ocho nueve. diez. dos. tres. quatre. cinc. sis. set. vuit. deu. Espanhol uno Catalão 20. un. 4. 5. 6. 7. 8. 9. nou. 10.

(22) História do latim e as línguas neolatinas. Galego. un. Português um. dous tres. catro. cinco. seis. sete. oito. nove. dez. dois. quatro. cinco. seis. sete. oito. nove. dez. três. Francês. un. deux trois quatre. cinq. six. sept. huit. neuf. dix. Italiano. uno. due. tre. quattro. cinque. sei. sette. otto. nove. dieci. Romeno. unu. doi. trei. patru. cinci. şase. şapte. opt. noua. zece. Texto complementar O seguinte texto corresponde a um trecho da Eneida de Virgílio, na tradução do paraense Carlos Alberto Nunes. O trecho conta o início da história do Cavalo de Troia, e consiste no início do Canto II do poema. Nele, o protagonista Enéias narra à sua amante, Dido, a rainha de Cartago, como foi esse episódio da Guerra de Troia, na qual ele lutou e da qual ele saiu como sobrevivente e com a missão de encontrar a terra prometida, a Nova Troia, que viria a ser Roma. Prontos à escuta calaram-se todos, dispostos a ouvi-lo. O pai Enéias, então, exordiou do seu leito elevado: Mandas, rainha, contar-te o sofrer indizível dos nossos, como os aquivos1 a grande potência dos teucros2 destruíram, reino infeliz, espantosa catástrofe que eu vi de perto, e de que fui grande parte. Quem fora capaz de conter-se sem chorar muito, mirmídone ou dólope ou cabo de Aquiles? A úmida noite do céu já descamba, e as estrelas, caindo devagarinho no poente, os mortais ao repouso convidam. Mas, se realmente desejas ouvir esses tristes eventos, breve relato do lance postremo3 da Guerra de Troia, bem que a lembrança de tantos horrores me deixe angustiado, principiarei. – Pela guerra alquebrados, dos Fados4 repulsos em tantos anos corridos, os cabos de guerra da Grécia com a ajuda da arte de Palas5 construíram na praia um cavalo alto como uma montanha, de bojo com tábuas de abeto. 1 2 3 4 5. Gregos. Troianos. Último. Os Fados são os destinos, os desígnios que fogem até mesmo à vontade dos deuses. A deusa da sabedoria, Palas Atena.. 21.

(23) História do latim e as línguas neolatinas. Voto de pronto regresso era a máquina, todos diziam. Nessa medonha caverna, tirados por sorte, os guerreiros de mais valor ingressaram, num ápice enchendo as entranhas daquele monstro, com armas e gente escolhida de guerra. Tênedo, ilha famosa se encontra defronte de Troia, rica no tempo em que o império de Príamo ainda existia, ora uma enseada de pouco valor ou nenhum para as naves. Prestes mudaram-se os dânaos; na praia deserta se ocultam. Nós os supúnhamos longe, a caminho da rica Micenas. Com isso a Têucria respira mais leve no luto penoso. Abrem-se as portas; alegram-se os troas de ver mais de espaço o acampamento dos dórios, as praias desertas agora: O ponto era este dos dólopes; eis onde Aquiles se achava; surtos na terra, os navios; o campo em que as hostes lutavam. Muitos pasmavam de ver o presente ominoso da deusa, a imensidão do cavalo. Timetes, primeiro de todos, aconselhou derrubarmos o muro e direto o postarmos na cidadela, ou por dolo isso fosse ou dos Fados previsto. Cápis, porém, e outros mais de melhor parecer insistiam para que ao mar atirássemos logo a armadilha dos dânaos, fogo deitássemos nela ou que ao menos o ventre do monstro fosse explorado ou sondadas as vísceras sem mais reservas. Assim, o vulgo inconstante oscilava entre vários alvitres. Nisso, Laocoonte ardoroso, seguido de enorme cortejo, da sobranceira almeidina desceu para a praia, e de longe mesmo gritou: – Cidadãos infelizes, que insânia vos cega? Imaginais porventura que os gregos já foram de volta, ou que seus dons sejam limpos? A Ulisses, então, a tal ponto desconheceis? Ou esconde esta máquina muitos guerreiros, ou fabricada ela foi para dano de nossas muralhas, e devassar nossas casas ou do alto cair na cidade. Qualquer insídia contém. Não confieis no cavalo, troianos! Seja o que for, temo os dânaos, até quando trazem presentes. Disse, e arrojou com pujança viril um venábulo dos grandes contra os costados e o ventre abaulado do monstro da praia, no qual se encrava, a tremer; sacudida com o baque, a caverna solta um gemido, abaladas no fundo as entranhas do monstro. Oh! Se não fosse a vontade dos deuses e a nossa cegueira, 22.

(24) História do latim e as línguas neolatinas. com o ferro, então, deixaríamos frustra a malícia dos gregos, e em pé, ó Troia, estarias, o paço luxuoso de Príamo. (Eneida, II, 1-56). Dicas de estudo Sugerimos dois filmes e uma série que tratam da cultura romana e que nos ajudam a visualizar a vida cotidiana dos povos antigos, além de nos dar informações importantes sobre os costumes das pessoas daquela época:  Gladiador, dirigido por Ridley Scott.  A Paixão de Cristo, dirigido por Mel Gibson.  Roma, de John Milius, William Macdonald e Bruno Heller.. Atividades 1. Analise as indicações do Appendix Probi abaixo e discuta em que medida ainda hoje cometemos os mesmos “erros” e por quê. a) umbilicus non imbilicus. b) uiridis non uirdis. c) formica non furmica.. 23.

(25) História do latim e as línguas neolatinas. 2. Explique a chamada hipótese do indo-europeu.. Referências ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática Latina. Porto: Porto Editora, 2003. BASSETO, Bruno Fregni. Elementos de Filologia Românica: história externa das línguas. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2005. v. 1. CARDOSO, Zélia de Almeida. Iniciação ao Latim. São Paulo: Ática, 1993. (Série Princípios). JONES, Peter V.; SIDWELL, Keith C. Reading Latin: grammar, vocabulary and exercises. Cambridge: Cambridge University Press, 1986a. ______; ______. Reading Latin: text. Cambridge: Cambridge University Press, 1986b. PEREIRA, Maria Helena M. da R. Romana: Antologia da cultura latina. 3. ed. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1994. (Org. e trad. do latim). ______. Estudos de História da Cultura Clássica II: cultura romana. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. 24.

(26) História do latim e as línguas neolatinas. PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina. Tradução de: SILVA, Agostinho da. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. REZENDE, Antônio Martinez de. Latina Essentia: preparação ao latim. Belo Horizonte: UFMG, 2003. REZENDE, A. M.; BIANCHET, Sandra Gualberto. Dicionário do Latim Essencial. Belo Horizonte: Crisálida: Tessitura, 2005. ROBINS, R. H. Pequena História da Linguística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983. RÓNAI, Paulo. Gradus Primus: curso básico de latim. São Paulo: Cultrix, 2006. TORRINHA, F. Dicionário Latino-Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1993. VIRGÍLIO. Eneida. Tradução de: NUNES, Carlos Alberto. Brasília: Ed. UnB; São Paulo: A Montanha, 1983.. Gabarito 1. a) Ainda hoje, alguns falantes utilizam-se da forma “imbigo” ao invés da forma “umbigo”, o que constitui um “erro” desde a época dos falantes de latim. b) Sobre “uiridis”, os falantes já naquela época produziam “uirdis”, que veio a dar o nosso “verde” em português, indicando um ponto de passagem do latim para o português. c) A forma “furmica” ao invés de “formica” indica um “erro” tão comum para os falantes de latim quanto para os falantes de português, ou seja, a troca de um “o” por uma vogal mais alta, o “u”. 2. A hipótese do indo-europeu é basicamente a hipótese de que a grande maioria das línguas europeias e algumas da Ásia derivam de uma língua ancestral comum, chamada indo-europeu. Os pesquisadores chegaram a ela comparando muitas línguas, como o latim, o grego e o sânscrito, a partir do final do século XVIII e especialmente durante o século XIX.. 25.

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(28) Fonologia e prosódia do latim Este capítulo pretende capacitar os alunos a pronunciar o latim de acordo com o que se considera a maneira mais correta, segundo estudos baseados em várias evidências. Algumas delas são os erros cometidos por falantes de latim menos cultos em inscrições (por exemplo, quando um falante de português escreve “caza” ao invés de “casa”, sabemos que é porque o som do grafema1 “s”, quando em posição intervocálica, e o do “z” são iguais), os testemunhos de gramáticos antigos (quando tentavam descrever articulatoriamente o som de cada letra2) e o modo como certos grafemas são pronunciados em diversas línguas derivadas do latim. Portanto, é aceitável que haja consenso no modo como se pronuncia o latim hoje e uma sistematização (inclusive se mais próxima do modo como os falantes do latim no período clássico falavam) do modo como se pronuncia uma língua que já não possui mais falantes, é extremamente desejável e importante. Por exemplo, podemos superar barreiras internacionais quando pensamos em estudos que envolvam o latim e podemos nos comunicar com estudiosos do latim no mundo todo e sermos entendidos. Como outro exemplo da importância da tentativa de padronizar a pronúncia do latim, se a reconstituição da pronúncia do latim clássico é realmente acurada, poderemos nos treinar para pronunciar a literatura escrita em latim de maneira correta, o que nos permitirá admirar uma dimensão extremamente importante da literatura do período, que envolvia ritmo e duração de vogais. A pronúncia que usaremos, portanto, é a chamada pronúncia reconstituída ou restaurada do latim, que é resultante de evidências como as descritas acima. Há ainda pelo menos duas outras maneiras de pronunciar o latim que são importantes e comuns. Uma delas, mais ampla em nível internacional, é a chamada pronúncia eclesiástica. A pronúncia eclesiástica é mais comum entre estudiosos do latim ligados à religião e apresenta 1 Tentaremos não cometer confusões terminológicas sérias como atribuir um “som” a uma “letra”. Na verdade, as letras são símbolos gráficos (unidades chamadas “grafemas”) que representam “fonemas”, ou unidades mínimas de som de uma dada língua. Ainda que estejamos lidando com uma língua chamada de “morta”, porque não há mais falantes nativos vivos dela, com os avanços da linguística é possível falar em “grafemas” e “fonemas” para o latim. Ainda que não estejamos empregando os símbolos do Alfabeto Fonético Internacional (International Phonetic Alphabet – IPA), usaremos algumas notações caras aos estudos linguísticos, como os sinais “[ ]” para indicar pronúncia aproximada (neste livro, sempre de modo impressionístico, dadas as características do latim, língua já sem falantes nativos). 2 Conforme se pode ver no texto complementar, ao final deste capítulo..

(29) Fonologia e prosódia do latim. algumas diferenças com relação à pronúncia reconstituída, como veremos. Uma outra maneira de pronunciar o latim é mais regional, e, no caso do Brasil e de Portugal, é chamada de pronúncia tradicional (ou portuguesa). Na verdade, as pronúncias tradicionais locais são pronúncias do latim influenciadas pela fonologia da língua local. Assim, além da pronúncia tradicional portuguesa, encontramos uma pronúncia tradicional do latim influenciada pelo inglês, outra pelo alemão e assim por diante. Os motivos que nos levam a adotar a pronúncia reconstituída nesse material são de diversas ordens:  Como exposto anteriormente, os argumentos para a reconstituição da pronúncia do latim que chamamos de pronúncia restaurada ou reconstituída são baseados em várias evidências, muitas delas baseadas em diversos dados, como os erros de ortografia dos falantes nativos do latim de épocas antigas, os testemunhos de gramáticos antigos sobre como eram pronunciadas as letras e a evolução da pronúncia das diversas línguas derivadas do latim, as línguas românicas.  Se as evidências são de natureza variada, é plausível que a pronúncia reconstituída seja mais próxima do que se considera que fosse a pronúncia do latim pela classe culta no período clássico. Isso inclui o fato de que a construção poética na literatura latina se baseava fortemente no som das palavras e, assim, pronunciando o latim de forma mais próxima como se deveria pronunciar, apreciamos a literatura latina mais plenamente.  Uma pronúncia adotada em vários lugares do mundo e sem vieses ideológicos (como o religioso ou o nacionalista) é mais apropriada para estudos também não enviesados.. A questão da duração das vogais São cinco as vogais em latim: a, e, i, o, u (o y também é considerado vogal, porém é usado basicamente em palavras estrangeiras, como as gregas). No entanto, cada vogal poderia ser pronunciada de forma longa ou breve. Comumente, representam-se as vogais longas com o sinal diacrítico mácron ( ¯ ) e as vogais breves com o sinal diacrítico braquia ( ˘ ) sobre as vogais. Assim, temos as vogais longas ā, ē, ī, ō e ū, e as vogais breves ă, ĕ, ĭ, ŏ e ŭ. 28.

(30) Fonologia e prosódia do latim. De acordo com os testemunhos da métrica clássica e dos gramáticos antigos, a duração de uma vogal dizia respeito ao tempo relativo de produção de cada vogal. Cada vogal longa corresponderia ao tempo de duração da pronúncia de duas breves. Dessa forma, um ā corresponderia à pronúncia seguida de dois ă ( ¯ = ˘˘ ). A pronúncia adequada de vogais breves e longas em latim era extremamente importante, uma vez que palavras de mesma grafia pronunciadas com diferença apenas na duração de uma vogal poderiam significar coisas totalmente diferentes. Por exemplo, hĭc significa “este”, enquanto que hīc significa “aqui”; ĕst é a forma de terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “ser” latino, enquanto que ēst é a forma de terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “comer” latino. Por isso, ainda que não pronunciemos todas as vogais longas e breves como os falantes de latim as pronunciavam, já que, em português, a duração de vogais não é fonologicamente distintiva como era em latim , nesse material tentaremos marcar como longa ou breve toda vogal que, para fins de reconhecimento e distinção de formas linguísticas, seja necessariamente breve ou longa.. O alfabeto latino O alfabeto latino teve origem no alfabeto usado pelos gregos. Em períodos mais antigos, o latim era escrito apenas com letras maiúsculas, sem sinais de pontuação. Hoje, costuma-se usar pontuação e letras minúsculas, mesmo em início de sentenças. Maiúsculas são usadas apenas em nomes próprios. O alfabeto latino é praticamente igual ao alfabeto usado hoje por nós, falantes de português, exceto pelo fato de que a letra U/u exercia as funções do que hoje são as letras V/v e U/u e a letra I/i do que hoje são o I/i e o J/j. Vejamos as letras individualmente: A a – lê-se como o nosso “a” aberto, não nasal, como em “amor”, “casa”. B b – como o nosso “b” em “boca”. C c – na pronúncia reconstituída, o “c” sempre se lê como uma consoante oclusiva3 [k], e nunca como uma fricativa [s]. Assim, Cicero lê-se sempre “kíkero”, e não “síssero”. 3 Uma consoante oclusiva é uma consoante que, para ser produzida, requer que haja fechamento completo da passagem do ar pela boca e soltura posterior. São oclusivas, por exemplo, as consoantes [d, t, p, b, k], entre outras, enquanto as fricativas são consoantes que requerem passagem constante do ar pela boca, com alguma constrição (que nunca é completa) em algum local, como com a língua perto dos dentes superiores, o que produz os sons [s] e [z], ou com os dentes superiores no lábio inferior, que produz os sons [f ] e [v].. 29.

(31) Fonologia e prosódia do latim. D d – como o nosso “d” em “dedo”. A regra que transforma o “d” antes de “i” em alguns dialetos do português em [dj] não se aplica em latim. E e – o “e” breve (ĕ) lê-se como o “e” aberto em português, como em “pé”. O “e” longo (ē) lê-se como o “e” fechado em português, como em “cabelo”. F f – como o nosso “f” em “flor”. G g – assim como o “c”, o “g” em latim era sempre oclusivo, como em “gato”. Assim, genus deveria ser lido como [guênus] em português, e não como [jênus]. H h – o “h” latino era sempre uma consoante fricativa aspirada e, portanto, era sempre pronunciado. Assim, o “h” em hodie deveria ser pronunciado como uma consoante, aspirado na garganta, e não como o “h” em “hoje”, que não é pronunciado. O “h” era pronunciado aspirado mesmo quando logo após consoantes oclusivas, como em philosophia (lido com um “p” seguido da soltura do ar entre os lábios antes da produção da vogal), e thalamus (com a soltura do ar antes da vogal depois da pronúncia do “t”), por exemplo. I i – essa letra em latim representava tanto o “i” vocálico quanto o “i” semivocálico (que aparece imediatamente antes ou depois de uma outra vogal, funcionando como uma ditongação da vogal – um exemplo em português é o “i” em “pai”, que não é pronunciado como uma vogal plena, e sim como uma semivogal, ou seja, algo intermediário entre a vogal “i” e a consoante “j”). Assim, o “i” latino se pronuncia como o “i” em “ilha” (vogal) ou como o “i” em “ioiô” (semivogal). Posteriormente, o “i” semivocálico latino transformou-se no “j” do português. Assim, de Iuppiter em latim temos “Júpiter” em português. Não havia em latim o som que representamos pela consoante J/j em português, embora alguns dicionários e edições de textos latinos apresentem a semivogal latina grafada como J/j e a vogal grafada como I/i, por questões didáticas. K k – assim como o “k” em português, o “k” latino era usado em palavras emprestadas de outras línguas, em especial do grego. Assim, o “k” em kalendas se pronuncia como o “c” em “calendário”. L l – como o “l” em “lua”. M m – antes de vogal e em posição intervocálica, como em “mel”. Em fim de palavra, ocorria nasalização da vogal anterior, assim como em “amaram”.4 4 Há controvérsias entre os teóricos sobre se o “m” final representava apenas a nasalização da vogal anterior ou se era pronunciado como consoante oclusiva bilabial nasal, ou seja, com o fechamento completo dos lábios e a produção de um “m” como o de “minha”. Sigo aqui a teoria de que o “m” final nasaliza a vogal anterior em virtude de que, em métrica latina, uma sílaba final de uma palavra pode sofrer o processo chamado de “crase” quando termina em vogal + “m” e a palavra seguinte inicia-se por vogal, o que indica que o “m” possivelmente não era consonantal em final de palavra. Outra evidência a favor dessa posição é que palavras com “n” final não se encaixam nessa regra de crase na métrica.. 30.

(32) Fonologia e prosódia do latim. N n – antes de vogal e em posição intervocálica, como em “nariz”. Em fim de palavra, diferentemente do “m”, o “n” era pronunciado como consoante plena, e não como nasalização da vogal. Por exemplo, o “n” sublinhado em nomen est é pronunciado da mesma forma que o “n” sublinhado em “benefício”. O o – assim como o “e”, o “o” breve (ŏ) era pronunciado como o “o” aberto em “ódio” e o “o” longo (ō) era pronunciado como o “o” fechado em “orelha”. P p – como o “p” em “pipoca”. Q q – o “q” em latim era sempre seguido da semivogal “u”, de forma que sempre era pronunciado como o [kw] de “aquário” [akwário], e nunca como o [k] de “quente” [kente]. R r – o “r” latino nunca era pronunciado como o “r” aspirado fricativo de “rua” [hua], e era sempre pronunciado como o “r” em “era” ou, ainda, como o “r” vibrante de alguns dialetos do Sul do Brasil, que é como se fosse uma sequência rápida de vários “r” como o de “era”. S s – como o “s” em “silêncio”. O “s” latino nunca era pronunciado sonorizado como o “s” de “casa”, mesmo quando em final de palavra. Não ocorre em latim o processo de sonorização que ocorre em português. Em português, o “s” em final de palavra antes de outra palavra que comece com vogal ou com consoante sonora sofre sonorização, e assim a pronúncia de “casas”, por exemplo, tem [s] ou [z] pronunciados no final, a depender do que vem depois. Dessa forma, temos [kazas] em “casas quadradas” e [kazaz] em “casas azuis” ou “casas vermelhas”. T t – como o “t” em “tatu”. A regra que transforma o “t” antes de “i” em alguns dialetos do português em [tch] não se aplica em latim. U u – essa letra em latim representava tanto o “u” vocálico quanto o “u” semivocálico (que aparece imediatamente antes ou depois de uma outra vogal, funcionando como uma ditongação da vogal – um exemplo em português é o “u” em “mau” [maw], que não é pronunciado como uma vogal plena, e sim como uma semivogal, ou seja, algo intermediário entre a vogal “u” e a consoante “v”; outro exemplo é o som do “w” em “kiwi”). Assim, o “u” latino se pronuncia como o “u” em “uva” (vogal) ou como o u em “auê” (semivogal). Posteriormente, o “u” semivocálico latino transformou-se no “v” do português. Assim, de uita em latim temos “vida” em português. Não havia, em latim , o som que representamos pela consoante V/v em português, embora alguns dicionários e edições de textos latinos apresentem a semivogal latina grafada como V/v e a vogal grafada como U/u por questões didáticas. X x – sempre como o encontro [ks] em português, assim como no estrangeirismo “ecstasy”, e nunca como em “êxtase”. 31.

(33) Fonologia e prosódia do latim. Y y – como o “ü” francês ou alemão, ou seja, trata-se de uma vogal como “i”, mas pronunciada com os lábios arredondados para produzir um “u”. Estrangeirismos como “Müller” exemplificam o som dessa vogal, de origem grega no alfabeto latino. Z z – Assim como o “x”, o “z” era pronunciado como consoante dupla, e devia ser lido como [dz]. Os ditongos em latim são apenas os seguintes:  ae (também grafado æ) como o ditongo “ai” no português “pai”.  oe (também grafado œ) como o ditongo “oi” no português “foi”.  ei como o ditongo “ei” no português “andei”.  ui como o ditongo “ui” no português “fui”.  au como o ditongo “au” no português “mau”.  eu como o ditongo “eu” no português “cresceu”.. O acento de intensidade O latim, além de marcar todas as vogais como longas ou breves, mantinha em seu sistema prosódico a marca de intensidade das sílabas relativamente independente do sistema de duração. A marcação de intensidade de sílabas cria o fenômeno chamado acento. Trata-se de acento do ponto de vista da produção das sílabas mais fortes (tônicas) ou mais fracas (átonas), e não do ponto de vista da marcação gráfica de acentos (graves, agudos e circunflexo, por exemplo). Em latim, não havia palavras cujo acento principal caía na última sílaba (oxítonas), a não ser que a palavra consistisse de apenas uma sílaba. Todas as outras palavras tinham acento tônico principal ou na penúltima ou na antepenúltima sílaba, a depender dos seguintes fatores:  se a penúltima sílaba for longa, recebe o acento principal (a palavra é paroxítona).  se a penúltima sílaba for breve, o acento não recai sobre ela, e o acento principal cai sobre a antepenúltima sílaba (a palavra é proparoxítona). 32.

(34) Fonologia e prosódia do latim. Reconheceremos uma sílaba longa das seguintes maneiras:  a vogal principal é naturalmente longa (marcada com o sinal de mácron; ex.: habēre);  a sílaba contém um ditongo (ex.: prōēlium);  uma vogal é seguida por duas consoantes5 ou por consoante dupla “x” ou “z” (ex.: āctus). Por isso, saber se uma vogal é longa ou breve é bastante importante, e marcaremos a vogal longa neste livro sempre que ela for importante para o reconhecimento do padrão acentual da palavra. Bons dicionários de latim marcam as vogais longas e breves de todas as palavras.. As pronúncias do latim Existem várias maneiras de pronunciar o latim. Como neste livro adotaremos a pronúncia reconstruída ou reconstituída, é importante saber que adeptos de outras formas acabam pronunciando ligeiramente diferente da que adotaremos aqui. Vejamos quais são as formas mais comuns de se pronunciar “o latim”.. Pronúncia reconstituída Como vimos nas seções anteriores, a pronúncia reconstituída é aquela que tenta resgatar o modo como os romanos cultos do período clássico pronunciavam a sua língua. As evidências para a reconstituição da pronúncia original do latim são, por exemplo, erros de ortografia de falantes menos cultos (escrever “caza” ao invés de “casa” indica, em português, que pronunciamos o “s” e o “z” nesses contextos da mesma forma – assim acontecia com exemplos em latim que servem para que se possa reconstituir a pronúncia do latim), testemunhos de gramáticos antigos sobre a pronúncia das letras, regras do sistema poético latino, entre outros. Trata-se da pronúncia que tenta, com a maior quantidade de dados empíricos que for possível coletar, reproduzir a exata forma como os falantes nativos de latim pronunciavam seu idioma.. 5. O grupo formado por consoante seguida de “r” ou “l”, as chamadas líquidas, não conta como consoante dupla para essa regra.. 33.

(35) Fonologia e prosódia do latim. Pronúncia eclesiástica O latim foi pronunciado por muito tempo com forte influência da língua-mãe da região onde era falado. Assim, o italiano influenciou fortemente a pronúncia do latim na Itália, sede da Igreja Católica. Os ritos tradicionais da Igreja acabaram adotando a pronúncia italiana do latim, o que fez com que houvesse grande influência dessa pronúncia ao redor do mundo, em especial no que concerne às relações entre latim e Igreja Católica. A essa pronúncia com forte influência do italiano chamamos eclesiástica do latim. Algumas características da pronúncia eclesiástica são:  Os ditongos “ae” e “oe” são sempre pronunciados como um “e” aberto (como em pé). Assim, feminae, que na pronúncia reconstituída se pronuncia com um ditongo [ai] no final, na pronúncia eclesiástica se pronuncia [feminé], com acento principal em “fe”.  A letra “c” não é pronunciada sempre como se fosse um “k”, como na pronúncia reconstituída, e sim como o “tch” de “tchê” antes de “e” e “i”. Assim, na pronúncia eclesiástica, Cicero pronuncia-se “tchítchero”, e não “kíkero”.. As pronúncias locais As pronúncias influenciadas por outras línguas locais acabaram por gerar variações regionais no modo como o latim é pronunciado. Por exemplo, na chamada pronúncia tradicional portuguesa, pronunciam-se as palavras latinas quase como se estivesse usando o sistema de pronúncia do português. Algumas características são, por exemplo:  Os ditongos “ae” e “oe” são pronunciados [é], assim como na pronúncia eclesiástica.  Os grafemas “j” e “v” são pronunciados como consoantes, e não como semivogais. Assim, a forma Iupiter é pronunciada [Júpiter], como em português, e a forma uita se pronuncia [vita], como no português “vitalidade”.  O “t” antes de “i” e não precedido das consoantes “s”, “t” e “x” é pronunciado [ss]. Portanto, iustitia lê-se [justíssia]. Listamos aqui apenas algumas das características das pronúncias eclesiástica 34.

(36) Fonologia e prosódia do latim. e tradicional portuguesa, para que se saiba que pode haver variação no modo como se pronuncia o latim. No entanto, pelos motivos listados ao longo deste capítulo, sugere-se que o aprendiz de latim tente pronunciar as palavras do modo mais próximo ao que teria sido o modo como os romanos pronunciavam o latim em Roma por volta dos séculos I a.C. e I d.C., ou seja, usando a pronúncia chamada de restaurada ou reconstituída.. Texto complementar O seguinte texto trata das teorias dos autores antigos sobre as letras e seus sons. O trecho destacado em negrito serve como exemplo de testemunho de tentativas de descrição dos sons das letras pelos autores antigos. (WEEDWOOD, 2002, p. 43-46). Gregos e romanos compartilhavam concepções semelhantes da natureza da littera (grego: grámma), a menor unidade da fala (vox; grego: phoné). Havia duas visões distintas, frequentemente expostas lado a lado. De acordo com uma, a littera era o símbolo escrito, a representação do som da fala (latim: elementum; grego: stoikheïon). Essa visão, a precursora da moderna dicotomia letra-som, foi menos importante na Antiguidade (e, de fato, até por volta de 1800) do que a segunda visão, mais complexa. Estoicos e romanos descreviam a littera como uma entidade com três propriedades: seu nome (nomen), sua forma ou aspecto escrito (figura) e seu som ou valor (potestas). Essa visão mais flexível, suscetível de extensão e refinamento num grau muito maior que a crua oposição entre letra e som, foi a base para uma série de abordagens multifacetadas e infinitamente variadas da littera por parte dos estudiosos antigos e, mais ainda, dos medievais. Potestas era a propriedade da littera cujo domínio mais se aproximava do moderno campo da fonética. Platão, Aristóteles e os latinos classificam as litterae do seguinte modo: Vogais Litterae. Semivogais Consoantes Mudas 35.

(37) Fonologia e prosódia do latim. (A categoria das “semivogais” incluía o que modernamente chamamos de continuantes: Donato inclui F, L, M, N, R, S, X sob essa rubrica.) Só uns poucos estudiosos sentiram a necessidade de ir mais fundo na fonética articulatória. Entre eles estavam Dionísio de Halicarnasso (em atividade entre 30 e 8 a.C.), cuja notável descrição da articulação dos sons do grego ficou desconhecida do Ocidente latino até sua primeira edição em 1508 pelo grande impressor veneziano Aldo Manúcio, e o metricista Terenciano Mauro (século II), cujo relato em versos dos sons e metros latinos foi pouco lido antes do Renascimento. Na prática, as vinhetas de uma linha oferecidas por Marciano Capela (século V) em sua enciclopédia alegórica, O Casamento de Filologia e Mercúrio (III, 261), foram as únicas descrições articulatórias dos sons do latim disponíveis para a maioria dos estudiosos medievais. Caracterizações do tipo “o D surge do ataque da língua perto dos dentes superiores” ou “o L soa docemente com língua e palato” ou “Apio Cláudio detestava o Z porque imita os dentes de um cadáver” ainda eram citadas no século XVI. Somente depois de se familiarizarem com as descrições articulatórias muito mais detalhadas, que eram lugar-comum nas gramáticas medievais do hebraico e do árabe, é que os cristãos do Renascimento começaram a se interessar pela fonética articulatória. Em contrapartida, as propriedades do nomen e da figura despertavam um interesse mais ativo e criativo entre os estudiosos medievais. Coleções de alfabetos exóticos – grego, hebraico, “caldeu”, gótico, runas, ogamos, vários códigos e cifras – circulavam amplamente, bem como breves tratados sobre a invenção de várias escritas. Uma antiga forma de taquigrafia, as notas tironianas, era praticada em alguns centros monásticos nos séculos IX e X, enquanto em outros os escribas adicionavam subscrições em latim transliterado em caracteres gregos. Um notável pequeno tratado do século VII ou VIII, atribuído a certo Sergílio[...], descreve o movimento da pena ao formar cada letra e dá o nome de cada gesto em latim, grego e hebraico: “Quais são os nomes dos três gestos da letra A nas três línguas sagradas? Em hebraico, abst ebst ubst. Como são chamados em grego? Albs elbs ulbs. E em latim? Duas linhas oblíquas e uma reta traçada entre elas”. Mas o que interessava aos autores medievais não era a littera como uma unidade de fala fisicamente visível ou audível e, sim, muito mais, sua possível importância na iluminação dos aspectos superiores da ordem do mundo. Um autor do século VII, Virgílio Gramático, explicava: “Tal como o homem 36.

Referências

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