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As pronúncias locais

No documento Língua Latina (páginas 35-38)

As pronúncias influenciadas por outras línguas locais acabaram por gerar va- riações regionais no modo como o latim é pronunciado. Por exemplo, na chama- da pronúncia tradicional portuguesa, pronunciam-se as palavras latinas quase como se estivesse usando o sistema de pronúncia do português.

Algumas características são, por exemplo:

Os ditongos “ae” e “oe” são pronunciados [é], assim como na pronúncia 

eclesiástica.

Os grafemas “j” e “v” são pronunciados como consoantes, e não como se- 

mivogais. Assim, a forma Iupiter é pronunciada [Júpiter], como em portu- guês, e a forma uita se pronuncia [vita], como no português “vitalidade”. O “t” antes de “i” e não precedido das consoantes “s”, “t” e “x” é pronunciado 

[ss]. Portanto, iustitia lê-se [justíssia].

e tradicional portuguesa, para que se saiba que pode haver variação no modo como se pronuncia o latim. No entanto, pelos motivos listados ao longo deste capítulo, sugere-se que o aprendiz de latim tente pronunciar as palavras do modo mais próximo ao que teria sido o modo como os romanos pronunciavam o latim em Roma por volta dos séculos I a.C. e I d.C., ou seja, usando a pronúncia chamada de restaurada ou reconstituída.

Texto complementar

O seguinte texto trata das teorias dos autores antigos sobre as letras e seus sons. O trecho destacado em negrito serve como exemplo de testemunho de tentativas de descrição dos sons das letras pelos autores antigos.

(WEEDWOOD, 2002, p. 43-46)

Gregos e romanos compartilhavam concepções semelhantes da natureza da littera (grego: grámma), a menor unidade da fala (vox; grego: phoné). Havia duas visões distintas, frequentemente expostas lado a lado. De acordo com uma, a littera era o símbolo escrito, a representação do som da fala (latim: ele-

mentum; grego: stoikheïon). Essa visão, a precursora da moderna dicotomia

letra-som, foi menos importante na Antiguidade (e, de fato, até por volta de 1800) do que a segunda visão, mais complexa. Estoicos e romanos descre- viam a littera como uma entidade com três propriedades: seu nome (nomen), sua forma ou aspecto escrito (figura) e seu som ou valor (potestas). Essa visão mais flexível, suscetível de extensão e refinamento num grau muito maior que a crua oposição entre letra e som, foi a base para uma série de aborda- gens multifacetadas e infinitamente variadas da littera por parte dos estu- diosos antigos e, mais ainda, dos medievais.

Potestas era a propriedade da littera cujo domínio mais se aproximava do

moderno campo da fonética. Platão, Aristóteles e os latinos classificam as

litterae do seguinte modo:

Vogais

Litterae

Consoantes

Mudas Semivogais

(A categoria das “semivogais” incluía o que modernamente chamamos de continuantes: Donato inclui F, L, M, N, R, S, X sob essa rubrica.)

Só uns poucos estudiosos sentiram a necessidade de ir mais fundo na fo- nética articulatória. Entre eles estavam Dionísio de Halicarnasso (em ativida- de entre 30 e 8 a.C.), cuja notável descrição da articulação dos sons do grego ficou desconhecida do Ocidente latino até sua primeira edição em 1508 pelo grande impressor veneziano Aldo Manúcio, e o metricista Terenciano Mauro (século II), cujo relato em versos dos sons e metros latinos foi pouco lido antes do Renascimento. Na prática, as vinhetas de uma linha oferecidas por Marciano Capela (século V) em sua enciclopédia alegórica, O Casamento

de Filologia e Mercúrio (III, 261), foram as únicas descrições articulatórias dos

sons do latim disponíveis para a maioria dos estudiosos medievais. Caracte-

rizações do tipo “o D surge do ataque da língua perto dos dentes superiores” ou “o L soa docemente com língua e palato” ou “Apio Cláudio detestava o Z porque imita os dentes de um cadáver” ainda eram citadas no século XVI. Somente

depois de se familiarizarem com as descrições articulatórias muito mais de- talhadas, que eram lugar-comum nas gramáticas medievais do hebraico e do árabe, é que os cristãos do Renascimento começaram a se interessar pela fonética articulatória.

Em contrapartida, as propriedades do nomen e da figura despertavam um interesse mais ativo e criativo entre os estudiosos medievais. Coleções de alfabetos exóticos – grego, hebraico, “caldeu”, gótico, runas, ogamos, vários códigos e cifras – circulavam amplamente, bem como breves tratados sobre a invenção de várias escritas. Uma antiga forma de taquigrafia, as notas tiro- nianas, era praticada em alguns centros monásticos nos séculos IX e X, en- quanto em outros os escribas adicionavam subscrições em latim translitera- do em caracteres gregos. Um notável pequeno tratado do século VII ou VIII, atribuído a certo Sergílio[...], descreve o movimento da pena ao formar cada letra e dá o nome de cada gesto em latim, grego e hebraico: “Quais são os nomes dos três gestos da letra A nas três línguas sagradas? Em hebraico, abst

ebst ubst. Como são chamados em grego? Albs elbs ulbs. E em latim? Duas

linhas oblíquas e uma reta traçada entre elas”.

Mas o que interessava aos autores medievais não era a littera como uma unidade de fala fisicamente visível ou audível e, sim, muito mais, sua possível importância na iluminação dos aspectos superiores da ordem do mundo. Um autor do século VII, Virgílio Gramático, explicava: “Tal como o homem

consiste de corpo, alma e uma espécie de fogo celeste, assim a littera é cons- tituída de corpo – isto é, sua forma, sua função e sua pronúncia (suas juntas e membros, por assim dizer) – e tem sua alma em seu sentido, e seu espírito em sua relação com as coisas superiores”. Outros autores aplicavam interpre- tações tipológicas e alegóricas a vários aspectos da littera, no mais das vezes à sua forma. Seu som era de menor importância: era a parte terrena da litte-

ra, seu “corpo”. Só lentamente, à medida que a Idade Média se encerrava, é

que os pensadores ocidentais começaram a voltar seu interesse para a parte física da fala, tal como passaram a levar mais a sério as manifestações físicas do mundo natural. O ímpeto para tal iniciativa não veio de dentro da própria tradição ocidental, mas de fora dela: primeiro, durante o Renascimento, do mundo semita; mais tarde, por volta de 1800, da Índia.

No documento Língua Latina (páginas 35-38)