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A estrutura racional da organização militar

No documento DISSERTAÇÃO_(O) Braço forte, (A) Mão amiga (páginas 121-128)

3.2 Sobre a organização militar

3.2.2 A estrutura racional da organização militar

A estrutura racional da organização militar opera simultaneamente a divisão do trabalho de forma vertical e horizontal, na medida em que cada departamento está posicionado numa escala hierárquica de acordo com a cadeia de comando militar e seus diversos níveis de gerência. Há um componente gravitacional em que as ordens e informações tendem a fluir de cima para baixo, conforme os escalões militares. Cada escalão, por sua vez, é comandado por um militar que ocupa uma posição na escala hierárquica dos diversos postos e graduações (ver Anexo 2).

Seguindo o organograma do Exército (ver Anexo 1), têm-se a seguinte disposição: (i) Comando do Exército, comandado por um General-de-Exército nomeado pelo presidente da república; (ii) Órgãos de assessoramento superior, ocupado por oficiais generais e superiores que estão diretamente ligados ao comando do Exército; (iii) Órgãos de direção geral, representado pelo Estado- Maior do Exército que também é comandado por um General-de-Exército e coordena as atividades meio e fim da organização; (iv) Órgãos de direção setorial, comandados também por Generais-de-Exército e seus respectivos (v) Órgãos de apoio, comandados por generais de divisão e de brigada. Até aqui, tem-se o que a(o)s militares chamam de “atividades-meio”, ou seja, atividades de caráter administrativo que visam dar suporte e apoio técnico as chamadas “atividades-fim” que são a base da organização e compõem a (vi) Força

terrestre com seus Comandos militares de área (e.g. CMA), conduzidos por generais de Exército; Regiões Militares (e.g. 8ª RM), conduzidas por generais de divisão; Brigadas Militares (e.g. 5ª Bda Inf Bld), por generais de brigadas; Batalhões, Grupos e Regimentos (e.g. 1º Btl Inf Mtz), comandados por um Coronel ou Tenente Coronel; Companhias, Baterias e Esquadrões (e.g. 1ª Bia), comandados por um Major (quando isolada) ou capitão (quando inserida num batalhão, grupo ou regimento); Pelotões e Seções (e.g. 1º Pel), comandados por um 1º ou 2º Tenente; e finalmente o Grupo de combate, peça ou carro (e.g. 2º GC), comandado por um sargento. Esses níveis de comando relacionam-se conforme a figura 3.1., abaixo:

Figura 3.1 – Níveis de subordinação da Força Terrestre (Atividade-fim)

Fonte: dados secundários da pesquisa.

Os níveis de subordinação apresentados na figura 3.1 sinalizam para uma organização em formato piramidal, em que a base tende a ser muito maior que o topo. No entanto, essa estrutura apresenta-se de forma diferente nos Órgãos de apoio, por exemplo, cuja estrutura, muitas vezes, foge da tradicional

Comando Militar 1

Divisão 1 Divisão 2 Divisão 3

Brigada 3 Brigada 1 Brigada 2

Batalhão 1 Batalhão 2 Batalhão 3

Companhia 1 Companhia 2 Companhia 3

Pelotão 1 Pelotão 3 Pelotão 3

e assume um caráter similar ao matricial63. Isto é, os níveis de gerência não são

verticalizados e o componente gravitacional tende a ser difuso na medida em que as ordens e informações circulam também de forma horizontal devido à natureza das atividades desses órgãos. Como é o caso dos Colégios Militares (CMs), que possuem uma estrutura organizacional diferente da apresentada pela figura 3.1. Ou seja, o fato de a organização ser voltada para área de ensino (atividade-meio no contexto do Exército, mas atividade-fim no contexto do Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP)), ela se estrutura da seguinte forma: (i) Comando do CM, exercido por um Coronel ou Tenente Coronel com curso de Estado- Maior64; (ii) Divisão Administrativa, gerida por um oficial superior sem curso de

Estado-Maior, cujas atribuições envolvem o apoio administrativo, logístico e de segurança do CM; (iii) Divisão de Ensino, gerida por oficial superior sem curso de Estado-Maior mas com cursos na área de Magistério Militar, cujas atribuições estão voltadas às seções de ensino e a toda organização pedagógica do colégio; e (iv) Corpo de Alunos, comandado também por um oficial superior sem curso de Estado-Maior, cuja atribuição é basicamente o controle social dos alunos e a manutenção dos padrões de disciplina e educação cívico-militar. Não há, portanto, uma subordinação entre as três divisões, mas, sim, uma complementaridade. De forma simplificada, na figura 3.2, abaixo, apresenta-se essa estrutura organizacional.

63 A estrutura matricial de organização sugere uma relação hierárquica não verticalizada

e mais flexível no que tange aos níveis de subordinação que se relacionam de forma também horizontal agilizando a comunicação e facilitando os processos.

64 O curso de Estado-Maior é um tipo de qualificação militar que habilita o oficial a

exercer o comando de grandes unidades. Além disso, é pré-requisito obrigatório para o acesso ao posto de general. A posse deste curso (ver Anexo 12) proporciona certa distinção aos que o possuem. Mais a frente falaremos dele.

Figura 3.2 – Organograma dos Colégios Militares

Fonte: adaptado do Regulamento dos Colégios Militares (R-69)

Como se pode ver na figura 3.2, os níveis de gerência são complementares na medida em que uma divisão trabalha de forma paralela a outra e a(o)s militares que são lotados na divisão administrativa prestam serviço e ocupam posições na divisão de ensino e vice-versa (conforme as setas indicativas no organograma), tendo, muitas vezes, uma dupla subordinação65.

65 Um exemplo ilustrativo dessa dupla subordinação é quando um militar trabalha como

auxiliar na Sec Ens E (divisão de ensino), mas organicamente pertence à CCSv (divisão administrativa). Ou quando uma oficial que está escalada para segurança do CM, respondendo a divisão administrativa, mas organicamente pertence à uma seção de

Nesse sentido, as ordens escoam de forma horizontal e, muitas vezes, por conta dessa horizontalidade, ocorrem conflitos entre a área de ensino e a área administrativa que são mediados pelo comando do CM que tem precedência sobre as duas divisões.

Embora a estrutura organizacional dos CMs difiram das unidades de tropa (força terrestre), a autoridade militar segue um mesmo princípio em todo o Exército. Isto é, deriva da posição hierárquica do indivíduo na organização. São os chamados postos e graduações, que são posições ocupadas, respectivamente, por oficiais e praças (conforme Anexo 2). São obtidos por meio de concurso público, convocação para o serviço ativo, incorporação militar ou pelas sucessivas promoções durante a carreira, tendo cada posto/graduação funções

específicas conforme as competências de cada cargo66. Essas posições são

reconhecíveis no dia-a-dia por meio da farda que traz consigo as insígnias de cada posto/graduação (conforme os Anexos de 4 a 9 e 22), pois são símbolos físicos que representam a autoridade de quem os ostenta. A autoridade está intimamente ligada à hierarquia militar, que divide verticalmente as posições de mando e obediência, conferindo a cada nível hierárquico o exercício do poder sobre os subordinados por meio das normas militares. Essas, por sua vez, apresentam-se por meio de estatutos, códigos, regulamentos, instruções reguladoras e normas gerais de ação, que dispõem sobre a divisão vertical e horizontal do trabalho militar, bem como delimitam as atribuições de cada posto/graduação e as respectivas sanções disciplinares para o não-cumprimento de tais funções.

ensino. Assim, a unidade de comando – que é bem delimitada na estrutura da Força Terrestre (figura 3.1) – não é exeqüível nesta estrutura organizacional, conferindo-lhe uma característica especifica e – do ponto de vista hierárquico – mais flexível.

66 Mais a frente trataremos detalhadamente da hierarquia e da disciplina, aqui nos

Além disso, as normas militares, juntamente com as sanções morais que ocorrem no plano simbólico, visam à manutenção de padrões obtidos durante a socialização militar. Isto é, asseguram que os corpos permaneçam dóceis67. As

principais normas utilizadas no cotidiano militar são: (i) Estatuto dos Militares (E-1), que trata dos direitos e deveres da(o)s militares, da hierarquia e disciplina, da honra e pundonor militar e das condições de exercício das diversas funções na organização; (ii) Regulamento de Administração do Exército (RAE), que trata das funções administrativas no âmbito do Exército, bem como os procedimentos burocráticos em cada nível hierárquico; (iii) Regulamento Interno de Serviços Gerais (RISG), que dispõe sobre as funções militares e as atribuições de cada militar; (iii) Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas (RCHSRCMFFAA, mais conhecido por RCont), que regula todo o cerimonial militar em solenidades e também no dia-a-dia das relações entre a(o)s militares; (iv) Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), que estabelece o sistema de punições e recompensas por meio de cláusulas impeditivas que visam a restringir determinados comportamentos indesejáveis à organização; no caso específico dos CMs, há o (v) Regulamento dos Colégios Militares (R-69), está limitada ao exercício das funções estabelecidas pela e para a organização; e, finalmente, cada unidade possui regras que são específicas daquela realidade organizacional que são chamadas de (vi) Normas Gerais de Ação (NGA), que tratam desde os horários das atividades na organização até os procedimentos de defesa da unidade, por ocasião de invasão externa ou mobilização do pessoal interno.

Outra característica específica dessa estrutura racional diz respeito à profissão militar. Quanto à profissionalização da(o)s militares, existem três

67 O processo de socialização militar será tratado em detalhes no próximo capítulo. Nesta

clivagens fundamentais68: a primeira é entre oficiais e praças. Historicamente os

diversos níveis hierárquicos modificaram-se, ganharam novas designações e até desapareceram durante as re-organizações que o Exército passou, mas em nenhum momento essa divisão foi modificada, porque ela é base do binômio comando-obediência. A segunda clivagem que marca a profissão militar é entre militares combatentes e técnicos, ou seja, atividade-fim e atividade-meio. Embora os combatentes exerçam também funções administrativas (e são aceitos nelas), os segundos estão racional e simbolicamente impedidos de comandar operações de combate. Parte disso advém da especialização de cada segmento. Pois, na primeira clivagem, sugere-se que a formação do oficial e da praça os prepara-os para funções específicas em que o primeiro é capaz de realizar as funções do segundo, mas não o contrário. Na segunda clivagem, essa lógica se repete e os combatentes novamente estariam habilitados às funções-meio, ao passo que os técnicos não dispõem a priori de liderança militar para as ações de combate. A terceira clivagem é entre militares de carreira e temporários, ou seja, mesmo estando num mesmo nível hierárquico (oficial ou praça) e numa mesma especialidade (combatente e técnico), ambos diferenciam-se no que tange ao comprometimento com a função e à formação militar que receberam. Isto é, ao passo que a(o)s militares de carreira têm a possibilidade de se aposentarem na organização e ainda concorrerem a todas as promoções possíveis dentro de cada carreira69, a(o)s militares temporários limitam-se a um prazo pré-

68 Tais clivagens serão a base da discussão apresentada no próximo capitulo. Aqui são

apresentadas apenas para ilustrar suas características racionais (especialidade, disposição, direito a aposentadoria, etc.)

69 Três carreiras acontecem paralelamente no EB: a carreira de oficial, que inicia nas

escolas de formação (AMAN, IME, etc.) e assegura uma ascensão hierárquica conforme os limites de cada especialização (combatente e técnico) abrangendo desde os postos de oficial subalterno (Asp, Ten) até os postos de oficial general (Gen Bda, Gen Div, etc.). A carreira de sargento, que inicia também nas escolas de formação (EsSA, EsIE, etc.) e assegura promoções que vão da graduação de 3º Sgt até o posto de Capitão. Finalmente há a carreira de soldado. Isto é, militares que ingressam no EB para prestação do SM e

estabelecido de contrato e, por isso, tendem a se envolver menos com a organização. Além disso, a(o)s militares de carreira trazem consigo a formação profissional adquirida nas escolas de formação, especialização e aperfeiçoamento (ver Anexo 12 e 13) que são privativos desse segmento, ao passo que os temporários trazem, muitas vezes, apenas a formação civil e os estágios de adaptação feitos nas unidades de tropa do Exército.

Finalmente, em todos os casos (oficial/praça, combatente/técnico, carreira/temporário) há uma uniformidade quanto aos direitos e deveres de cada nível hierárquico, o que sugere remuneração, autoridade e responsabilidade equivalentes ao posto ou graduação da(o) militar. Ou seja, independem de quem ocupa, pois se baseiam na função. O próximo item retomará algumas questões aqui tratadas, mas do ponto de vista simbólico, demonstrando como a estrutura racional se apóia na estrutura simbólica e vice-versa.

No documento DISSERTAÇÃO_(O) Braço forte, (A) Mão amiga (páginas 121-128)