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A etiologia da esquizofrenia infantil em termos de fracasso adaptativo

CAPÍTULO 4. ORGANIZAÇÕES DEFENSIVAS: ESQUIZOFRENIA INFANTIL OU

4.2. A etiologia da esquizofrenia infantil em termos de fracasso adaptativo

Winnicott classifica o autismo como uma esquizofrenia da infância inicial ou da

infância posterior. De todo modo, a etiologia aponta para os processos inatos do

desenvolvimento emocional do indivíduo no meio ambiente dado. O autismo é uma perturbação na delicada interação dos fatores individuais e ambientais, conforme eles operam nos primeiros estágios do crescimento e amadurecimento humano.

O autor considera que a causa do autismo tem por evidências a ideia de que os pais, ou um dos pais, na verdade causaram o transtorno através de alguma falha ou distorção do meio ambiente médio esperável. E mais do que isso, o autismo na visão do psicanalista britânico “é fundamentalmente um problema de desenvolvimento emocional e de que o autismo não é uma doença” (WINNICOTT, 1966; 1997, p. 181).

Em um de seus vários casos clínicos (WINNICOTT, 1966; 1997, p. 181-2), o autor cita o caso do menino Ronald de oito anos de idade. A mãe (era artista) sofreu várias complicações durante o parto, o nascimento ocorreu em um país subdesenvolvido. No processo do parto, o médico veio a quebrar o cóccix da mãe. A mãe ficou impossibilitada de amamentar por conta de icterícia. Aos dois meses, segundo o autor, essa mãe bateu nesse bebê com uma palmada. Desde o início esse bebê apresentou desenvolvimento lento.

Até os dois anos de idade, o menino Ronald falava poucas palavras. Havia também certa fraqueza nos membros de seu corpo. Os músculos, por vezes, eram fracos. Seu tônus muscular permaneceu insuficiente. Independente do clima, o menino usava roupas repetitivas. Winnicott considera esse tipo de quadro anormal com a realidade externa e também com a sua personalização. Em outro aspecto, Winnicott afirma que Ronald sempre demonstrou capacidade intelectual acima da média (falso self - conceito que será abordado no próximo item). Lia livros que não tinham a ver com a sua idade. E desde muito cedo, ele já diferenciava as cores, azul do branco e assim por diante.

Diante desse quadro (resumidamente), Winnicott exemplifica os vários fatores sobre a etiologia do autismo:

1- A mãe tinha um interesse próprio muito especial, e seu primeiro filho precisou competir com sua pintura. Quando a gravidez, o parto e depois a criança a desapontaram e não conseguiram despertar sua preocupação materna, ela não só ficou confusa como também não pôde evitar o ressentimento por ele ser um obstáculo à sua carreira como artista. O pai logo se associou a esta perplexidade e desapontamento.

2- A perturbação do nascimento pode ou não ter afetado a criança, e talvez tenha afetado seu cérebro. Não obstante, o resultado não foi deficiência mental, mas uma inteligência desigual, e uma preocupação emocional especializada.

3- O fracasso da relação mãe-bebê inicial resultou num situação em que podemos dizer que os pais tinham de pensar o tempo todo no que fazer, em vez de sentir isso intuitivamente (WINNICOTT, 1966; 1997, p. 183).

O autismo, nesse sentido, surge de certas dificuldades de coisas que o bebê está começando a experienciar e que não dependem apenas só das tendências herdadas, depende e muito também do que é proporcionado pela mãe. Nesse caso, o fracasso pronuncia um desastre específico para o bebê, uma vez que, no início esse bebê precisa da atenção completa da mãe. Se a mãe pode proporcionar isso ao seu bebê, então fica estabelecida a saúde mental dessa criança. A base para a saúde mental é, portanto, a continuação de um padrão de cuidados oferecidos pela mãe e que contém elementos essenciais do manejo (Handling) e do segurar (Holding). Para o autor, de um modo geral:

O que conta é a qualidade dos cuidados iniciais. É este aspecto da provisão ambiental que se destaca mais numa revisão geral dos transtornos do desenvolvimento da criança, entre os quais se inclui o autismo (WINNICOTT, 1966; 1997, p. 188).

Quando a mãe ou os pais estabelecem um contato humano com seus bebês, contato físico (manejo), fica constituída a base para muitas coisas, como por exemplo, todo o processo que leva a integração do bebê para que este se torne autônomo; a capacidade do bebê de chegar a um acordo com o próprio corpo, que finalmente leva a uma existência psicossomática (a base do eu verdadeiro) e que leva a um tônus muscular firme; e por último, os passos iniciais do bebê nas relações objetais, que leva a capacidade de adotar objetos simbólicos e à existência de uma área entre o bebê e as pessoas, no qual o brincar é significativo.

Tudo isso faz parte do processo de amadurecimento de qualquer ser humano, porém o ponto importante aqui é que nada no desenvolvimento deste bebê pode acontecer

sem alguma coisa vinda de outro ser humano, que satisfaça o bebê exatamente no momento de sua necessidade.

Dentre tantos outros casos que poderíamos citar aqui, existe um padrão em todos os casos de autismo, segundo o autor, “tudo o que podemos dizer é que na criança autista a especialização é monótona por ser como o embalar-se e o bater a cabeça, uma atividade compulsiva que no pior dos casos parece desprovida de fantasia” (idem, p. 184).

Em um aspecto geral e classificatório, o autismo pode ser compreendido da seguinte maneira, segundo Winnicott:

1- O autismo é uma organização de defesa altamente sofisticada. O que nós vemos é a invulnerabilidade. Foi acontecendo um aumento gradual da invulnerabilidade e, no caso de uma criança autista estabilizada, é o meio ambiente, e não a criança, que sofre. As pessoas no meio ambiente podem sofrer imensamente.

2- A criança leva consigo a memória (perdida) da ansiedade impensável, e a doença é uma estrutura mental complexa, uma garantia contra a recorrência das condições da ansiedade impensável.

3- Este tipo muito primitivo de ansiedade só acontece em estados de extrema dependência e confiança, isto é, antes de ter sido estabelecida uma clara distinção entre o eu central EU SOU e o mundo repudiado que é separado ou externo.

4- Quando o transtorno se desenvolve muito cedo, talvez realmente não haja quase nada lá para ser defendido, exceto alguma coisa de um self que continha a memória corporal da ansiedade que está completamente além da capacidade de manejo do bebê. Os mecanismos mentais do manejo ainda não foram estabelecidos (WINNICOTT, 1967; 1997, p. 195).

Agora, caso a mãe ofereça um cuidado ambiental satisfatório e adequado, haverá um restabelecimento da vulnerabilidade do bebê, e então:

1- Se for feita uma provisão ambiental que tende a restaurar o status quo anterior, e um longo período de confiabilidade parece deixar a criança confiante, então o resultado surpreendente é um retorno da vulnerabilidade. 2- Do meu ponto de vista, a característica essencial (dentre a vasta soma de

características) é a capacidade da mãe (ou da substituta da mãe) de se

adaptar às necessidades do bebê através de sua capacidade sadia de se identificar com o bebê (sem, evidentemente, perder sua própria identidade).

Com esta capacidade a mãe pode, por exemplo, sustentar (hold) seu bebê, e sem ela só poderá fazer isso de uma maneira que perturba o processo de vida do bebê.

3- Parece necessário acrescentar a isso o conceito de ódio inconsciente (reprimido) da mãe em relação à criança. Os pais amam e odeiam naturalmente seus bebês, em graus variados. Isso não faz mal. Em todas as idades, e especialmente no primeiríssimo período da infância, o efeito do desejo de morte reprimido em relação ao bebê é prejudicial e está além da capacidade de manejo do bebê (WINNICOTT, 1967; 1997, p. 195-6).