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CAPÍTULO 1: ALGUMAS NOTAS SOBRE A TEORIA DO AMADURECIMENTO NA

2.5 A construção da confiança

A teoria do amadurecimento nos ensina que todos os bebês e crianças necessitam de cuidados contínuos e seguros, pois caso contrário, não amadurecem de forma apropriada. Nos estágios posteriores, quando o bebê caminha da dependência absoluta rumo à independência, espera-se que ele, o bebê, já tenha reunido várias experiências que uma maternagem suficientemente boa pode proporcionar. Com isso, o bebê que virá a ser uma criança, posteriormente um adolescente e depois adulto e consequentemente idoso, precisa chegar nessas etapas posteriores com certa dose de crença, “crença nas pessoas e no mundo” (WINNICOTT, 1969; 199326 p. 144). Neste estágio inicial, porém, as crenças nas pessoas e a confiança, ainda estão em processo de construção.

A construção da confiança começa desde cedo em casa com os cuidados maternos, estes não provém de livros, palestras ou coisa parecida. Há mães e pais que ficam tão absorvidos em suas tarefas rotineiras que não podem realizar para as crianças aquilo o que os bebês precisam. Mas a criança sabe muita coisa sobre o funcionamento do lar ou se os pais estão sempre juntos, se houver calor, ou se houver muito frio, ou se o alimento não chega na hora prevista. Com certo grau de comportamento dos pais, os bebês e as crianças são capazes de suportar certa tensão com relação aos pais, pois é certo que é um bom sinal que os pais de uma forma ou de outra estejam lá mostrando seus sentimentos e que estão vivos.

É compreensivo que o crescimento da criança é mais facilmente realizado se ela tiver pais com relacionamento mútuo e consequentemente um lar tranquilo e prazeroso para se viver. Pois será desse mundo interpessoal dos pais que a criança vai simbolizar a estabilidade do lar. Winnicott acrescenta que aqui não se trata de pais perfeitos com uma conduta impecável, ao contrário, os pais precisam de êxitos e fracassos para lidar com seus filhos. Nesse sentido, pais que são suficientemente bons precisam ser coerentes “e, assim previsíveis para os nossos filhos, devemos ser nós mesmos” (idem, p. 146).

O que os pais realmente precisam saber para cuidar de seus filhos? Winnicott aponta duas características importantes. A primeira está relacionada com o processo de

25 Artigo escrito em Dezembro de 1969.

crescimento da criança e que pertence somente à criança; e a outra está relacionada com o suprimento ambiental e que é predominantemente da responsabilidade dos pais. “Ninguém tem de fazer uma criança faminta, irada, feliz, triste, afetuosa, boa ou travessa” (idem, p. 141), essas coisas simplesmente acontecem, uma vez que para os pais isso tenha ficado realmente óbvio, e além do mais os pais sabem que seu bebê tem uma tendência inegável para “viver, respirar, comer, beber e crescer” (idem, p. 142). Portanto, fica clara a primeira característica dos bebês que são as tendências inatas que os bebês possuem.

A segunda característica é o ambiente. O primeiro ambiente que a mãe oferece para seu bebê é “ela mesma, sua pessoa, a sua natureza” (idem, p. 143). Isso inclui tudo o que está à volta da mãe, o seu cheiro, seus ruídos, a atmosfera que a acompanha e obviamente o pai do bebê ou até mais pessoas caso houver, por exemplo, uma tia, ou outras crianças pertencentes a este lar. Isso tudo faz parte do lar que o bebê aos poucos vai descobrindo e se dando conta. Há que ter a interação dessas duas características para que o amadurecimento do bebê prossiga o curso natural.

Winnicott nomeia de suprimento ambiental aquilo que vai possibilitar o desenvolvimento da criança no que se refere aos processos internos de crescimento, ou esse suprimento ambiental poderá impedir o desenvolvimento / amadurecimento desta criança. E a palavra chave para o suprimento ambiental é a “SUHYLVLELOLGDGH· (idem, p. 148).

A mãe, nesse sentido, tem o papel fundamental de ser previsível para o seu bebê, isto é, ela tem que proteger seu bebê de imprevisibilidades e inclusive de imprevisibilidade dela, da própria mãe. Aqui, se torna imprescindível a presença da mãe. O que a mãe precisa é manter a criança abraçada e não deixá-la apavorada caso, por exemplo, um avião passe bem sorrateiramente em cima da casa onde o bebê se encontra. Nesse momento, o bebê ou a criança logo saberá que a mãe estando presente mal nenhum vai lhe acontecer, caso o avião caia. Então ela poderá voltar a brincar de novo. Caso a mãe não estivesse ali para abraçá-la e acalentá-la, o barulho do avião estrondoso passando por cima da casa poderia ocasionar um dano irreparável, segundo Winnicott. O fracasso ou o sucesso do suprimento ambiental é que vai determinar a confiabilidade da criança, pois é aqui que a confiança se faz necessária. O bebê quer realmente ter por perto a presença da mãe que por protegê-la dos imprevistos se torna confiável.

Se a mãe, por exemplo, permanecer ausente por um período de tempo mais que o bebê ou a criança pode suportar, pode vir a desencadear reações adversas. Winnicott cita

como exemplo o stress. Nesse sentido, uma separação excessivamente longa da mãe, pode alterar a personalidade da criança que foi ocasionada pela interferência ambiental, originando um rompimento na continuidade de ser relacionada aos distúrbios de caráter que não poderá ser corrigido, segundo Winnicott. Para o autor, funciona assim:

Havia um suprimento ambiental suficientemente bom em termos de previsibilidade, de acordo com a capacidade de previsão da criança, e depois sobreveio uma inconfiabilidade que rompeu automaticamente a continuidade do processo de desenvolvimento da criança. Depois disso, a criança tem uma lacuna na linha entre o agora e as raízes do passado. Tem de haver um recomeço. Muitos desses recomeços resultam no fracasso na criança do sentimento do eu sou, este sou eu, eu existo, sou eu quem ama e quem odeia,

sou eu quem as pessoas veem e que eu vejo no rosto de outro quando ela vem, ou no espelho. Os processos de crescimento tornam-se distorcidos

porque a integridade da criança foi quebrada (WINNICOTT, 1969; 1993 p. 149-50).

A quebra da continuidade de ser do bebê resulta do fracasso do suprimento

ambiental. Esse rompimento ou deficiência da quebra da continuidade de ser pode ser descrito

em termos de inconfiabilidade, destruição da confiança, interferência da imprevisibilidade e a sucessão de um padrão definitivo ou repetitivo de intrusões na linha da continuidade de ser do bebê.