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Falsa autodefesa (o falso si mesmo patológico)

CAPÍTULO 4. ORGANIZAÇÕES DEFENSIVAS: ESQUIZOFRENIA INFANTIL OU

4.3. Falsa autodefesa (o falso si mesmo patológico)

Temos dois pontos importantes referentes ao conceito de falso self. O primeiro ponto é que o conceito de falso self traz embutida a ideia do self verdadeiro. E o segundo ponto, na doença, “a divisão é uma questão de cisão na mente, que pode chegar a variar em

profundidade; a mais profunda é chamada de esquizofrenia” (WINNICOTT, 196434

; 2011, p. 55). Vamos analisar primeiro, o falso self e a mente e em seguida será analisado o falso self que esconde o self verdadeiro.

4.3.1. A mente e o falso self

Para Winnicott, quando um falso self se torna organizado em uma pessoa que tem um grande potencial intelectual, há uma forte tendência para a mente se tornar o lugar do falso

self. E segundo o autor, a partir daí se desenvolve uma dissociação entre a atividade

intelectual e a existência psicossomática. Ao contrário, quando se trata da pessoa sadia, a mente não é algo para ser usado para se escapar do viver psicossomático.

No artigo “A mente e sua relação com o psicossoma” (1949), Winnicott afirma que a mente de um indivíduo é uma especialização da parte psíquica do psicossoma. No que tange os estudos sobre o desenvolvimento emocional do ser humano, a mente “será frequentemente percebida como desenvolvendo uma falsa entidade, e uma falsa localização” (WINNICOTT, 1949; 2000 p. 333).

O desenvolvimento emocional do indivíduo, no início, implica em um continuar a

ser. Nesse sentido, o que está em jogo nesse momento é o desenvolvimento do psicossoma

que prossegue normalmente na linha do amadurecimento emocional, uma vez que “o psicossoma é o único lugar possível a partir do qual viver” (idem, p. 337). Porém, vale lembrar que o desenvolvimento do psicossoma só é levado a cabo, caso a linha da

34 Rascunho inacabado de uma palestra proferida no All Souls Colege, Oxford, para “Crime- Um Desafio”, um grupo da Universidade de Oxford, 29 de janeiro de 1964. Tudo começa em casa. Martins Fontes. 5 ed. 2011.

continuidade de ser do bebê não seja perturbado. Em outras palavras, para o desenvolvimento do psicossoma ser saudável é necessário um ambiente suficientemente bom.

O ambiente suficientemente bom é aquele que se adapta às necessidades do recém-criado psicossoma, que é o bebê que acabou de nascer. Quando um ambiente é ruim, significa que deixou de se adaptar, por isso se torna ruim, e mais, esse ambiente agora se torna uma intrusão ao psicossoma, isto é, ao bebê que terá de reagir. Essa reação, para o autor, “perturba a continuidade do seguir vivendo do novo indivíduo” (idem, p. 334).

Uma função importante da mente é o funcionamento variável do psicossoma que está sempre às voltas com as ameaças da continuidade de ser que acompanha cada falha na adaptação ativa da mãe. De acordo com a teoria da mente de Winnicott, a mente tem uma raiz, “talvez sua raiz mais importante, na necessidade que o indivíduo tem, no cerne mesmo se seu eu, de um ambiente perfeito” (idem, p. 335).

Para o autor, a raiz da psicose está relacionada diretamente pela deficiência ambiental. E por causa desse comportamento não adaptativo do meio ambiente é que pode acontecer uma hiperatividade do funcionamento mental. Nesse sentido, entre um comportamento errático da mãe e o crescimento excessivo do funcionamento mental para dar conta das falhas ambientais é que surge uma oposição entre a mente e o psicossoma. Nessa divergência entre mente e psicossoma, “o pensamento do indivíduo assume o poder e passa a cuidar do psicossoma, enquanto na saúde é o ambiente que se encarrega de fazê-lo” (idem, p. 336).

Em uma relação saudável do bebê com o ambiente, a mente não usurpa as funções do ambiente. Posteriormente, caso o bebê venha a ter um bom início, isto é, a integrar as tarefas competentes a fase da dependência absoluta, ele será capaz de cuidar do seu eu pertencente, pois o bebê terá um eu para cuidar. Aqui, vale lembrar, que ainda não existe um eu integrado.

O que acontece quando a mente “rouba” as funções do ambiente? uma das consequências, para o autor, são os “estados confusionais, e (em um grau máximo) a deficiência mental que não deriva de defeitos no tecido cerebral” (idem, p. 336). Em um grau extremo, o funcionamento mental passa a existir por si mesmo, ou seja, fazendo o papel da mãe e tornando-a desnecessária. E isso é um perigo, pois pode ocorrer um falso crescimento pessoal pautado na base da submissão, trata-se antes de tudo, de um estado de coisas

desconfortáveis para o bebê que Winnicott postula como certa sedução da psique, “para transformar-se nessa mente, rompendo o relacionamento íntimo que anteriormente existia entre ela e o soma. Disto resulta uma psique-mente, um fenômeno patológico” (idem, p. 336). O que pode acontecer depois dos estados de confusões é que as reações às intrusões ambientais são catalogadas e essa catalogação significa que, durante o processo de nascimento, o bebê não apenas memoriza cada reação que perturba a sua continuidade ser, mas aparentemente memoriza na ordem correta. O funcionamento mental o qual Winnicott descreve pode ser chamado de memorização ou catalogação, e a princípio, esse tipo de funcionamento mental “revela-se como uma sobrecarga para o psicossoma, ou seja, para a continuidade do ser humano individual que constitui o EU” (idem, p. 338). Winnicott assevera que esse tipo de funcionamento mental não é viável para nenhum ser humano porque consiste em catalogar e esse catalogar age como um corpo estranho e sempre estará associado a falhas ambientais que não se adaptaram ativamente às necessidades do bebê, e que se tornaram, dessa maneira, “impossíveis de compreender ou prever” (idem, p. 338). No que se refere ao papel do indivíduo que, segundo ao autor,

Acaba por sentir-se responsável pelo ambiente ruim o qual, na verdade, não lhe cabe responsabilidade alguma, e do qual ele poderia (se apenas soubesse disso) legitimamente acusar o mundo que perturbou a continuidade de seu processo inato de desenvolvimento antes que o psicossoma estivesse suficientemente organizado para poder amar ou odiar. Em vez de odiar as falhas do ambiente, o indivíduo se desorganiza devido a elas, pois o processo transcorreu antes que houvesse ódio (WINNICOTT, 1949; 2000, p. 338).

Nesse mesmo artigo, Winnicott enumerou sete observações a respeito de sua teoria da mente e sua relação com o psicossoma. Pra melhor compreensão estão expostas logo abaixo:

1- O verdadeiro eu e o continuar a ser têm como base, na saúde, o desenvolvimento do psicossoma;

2- A atividade mental é um caso especial do funcionamento do psicossoma; 3- O funcionamento intacto do cérebro é a base para a existência a partir da

psique, e também da atividade mental;

4- A mente não se localiza em lugar algum, e não existe algo que se possa chamar de ‘mente’;

5- É possível descrever duas diferentes bases para o funcionamento mental normal: a) a conversão do ambiente suficientemente bom num ambiente perfeito (adaptado), permitindo um mínimo de reações à intrusão, e um máximo de desenvolvimento natural (contínuo) do eu; b) a catalogação das intrusões (trauma do nascimento etc.) para assimilação num estágio posterior do desenvolvimento;

6- É preciso notar que o desenvolvimento do psicossoma é universal e que suas proximidades são inerentes, enquanto que o desenvolvimento mental depende até certo ponto de fatores variáveis, tais como as características de certos fatores ambientais, os incidentes aleatórios do parto e o manejo do nascimento logo após o nascimento etc;

7- É lógico contrapor soma e psique, e, portanto contrapor o desenvolvimento emocional ao desenvolvimento corporal do indivíduo. Não é lógico, porém, opor o mental ao físico, pois não são da mesma ordem. Os fenômenos mentais são complicações de importância variável na continuidade do ser do psicossoma, na medida em que contribuam para formar o eu individual (WINNICOTT, 1949; 2000, p. 345- 346).

Após a análise detalhada da teoria da mente e sua relação com o psicossoma, pode-se compreender que quando ocorre a anormalidade da mente que se transforma em falso

self, temos, a partir daí, duas características predominantes: o falso self organizado oculta o self verdadeiro, uma vez que sobrepuja o papel da mente roubando-lhe as tarefas inerentes ao

ambiente facilitador. E a segunda característica é que o indivíduo para resolver os problemas da ordem emocional, se utiliza do intelecto (mente), resultando em um quadro clínico mais complicado.