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Agonia impensável e a falha ambiental

CAPÍTULO 3: AGONIAS IMPENSÁVEIS

3.4. Agonia impensável e a falha ambiental

As agonias impensáveis estão associadas às falhas da mãe no cuidado com o seu bebê. Já foi falado que o cuidado materno suficientemente bom é de extrema importância para a continuidade de ser pessoal do bebê. Ao contrário, pode gerar interrupção e até mesmo aniquilamento do ser do bebê, uma vez que para Winnicott “a ansiedade nesses estágios

iniciais do relacionamento paterno-infantil se relaciona com a ameaça de aniquilamento” ( WINNICOTT, 1960; 1983, p. 47).

As questões que foram trazidas para esse estudo estão relacionadas à época muito primitiva do desenvolvimento do bebê, e a mãe só será suficientemente boa caso se identifique com seu filho, podendo lhe proporcionar no decorrer do amadurecimento uma

continuidade de ser. Continuidade de ser significa saúde, para Winnicott (1988/1990, p. 148):

Se tomarmos como analogia uma bolha, podemos dizer que quando a pressão externa está adaptada à pressão interna, a bolha pode seguir existindo. Se estivéssemos falando de um bebê humano, diríamos sendo [being]. Se, por outro lado, a pressão no exterior da bolha for maior ou menor que aquela em seu interior, a bolha passará a reagir à intrusão [reaction to impingement]. Ela se modifica como reação a uma mudança no ambiente, e não a partir de um impulso próprio. Em termos do animal humano, isto significa uma interrupção no ser [interruption of being], substituída pela reação à intrusão (WINNICOTT, 1988/1990, p. 148).

O que Winnicott quer dizer é que se a mãe for suficientemente boa, isto é, se a mãe estiver adaptada às necessidades do bebê, esta não deixará que intrusões atinjam o seu bebê, dessa maneira, a bolha pode continuar existindo. A mãe que é suficientemente boa protege seu filho para que não ocorram agonias impensáveis.

As agonias impensáveis estão relacionadas ao aniquilamento do ser, ou seja, à interrupção da continuidade de existência pessoal do bebê. Elas surgem como um padrão de defesa organizada contra as intrusões produzidas por deficiência do cuidado materno em estágio de máxima dependência. Essas intrusões, afirma Winnicott “constituem aniquilamento, e são evidentemente associadas a sofrimentos de qualidade e intensidade psicótica” (WINNICOTT, 1960; 1983 p. 51).

As defesas organizadas contra esse tipo de agonia ocorrem por causa de “anormalidades ambientais” (1959- 64; 1983 p. 124). E é claro que essas defesas não precisam estar organizadas nesse momento do amadurecimento do bebê se o cuidado da mãe for suficientemente bom. Sobre isso, pontua Winnicott, “estas defesas não tem de estar organizadas se nos estágios mais precoces de dependência quase absoluta a provisão ambiental suficientemente boa existir de fato” (Idem, p. 124).

Um grande destaque é conferido ao ambiente suficientemente bom e a sua capacidade de se identificar com o seu bebê e de lhe prover um ambiente confiável e

previsível. Quando a mãe não pode lhe proporcionar todo o cuidado possível, abre-se espaço para as agonias impensáveis.

Diferentes tipos de agonias podem surgir nessa fase de quase dependência absoluta, e estão diretamente relacionados ao segurar (Holding) manejar (Handling) e a apresentação de objetos (object-presenting). Nota-se que essas tarefas que já foram descritas no capítulo anterior, são necessárias para a integração no tempo e no espaço, o alojamento da psique no corpo e a apresentação de objetos. Quando há falhas sucessivas da mãe em desempenhar essas tarefas, surgem as agonias impensáveis. Podemos perceber o quanto essas tarefas sustentam a continuidade de ser do bebê.

Em seu texto “O relacionamento inicial entre uma mãe e seu bebê” (1960), Winnicott traz uma lista da relação dessas tarefas associadas às agonias impensáveis. Um

Holding bem sucedido, segundo o autor, é satisfatório e é uma porção básica de cuidado. Já o Holding deficiente produz extrema aflição na criança, sendo fonte:

1. Da sensação de despedaçamento; da sensação de estar caindo num poço sem fundo, de um sentimento de que a realidade exterior não pode ser usada para o reconforto interno, e de outras ansiedades que são geralmente classificadas como ‘psicóticas’.

2. A manipulação facilita a formação de uma parceria psicossomática na criança. Isso contribui para a formação do sentido do “real”, por oposição a “irreal”. A manipulação deficiente trabalha contra o desenvolvimento do tônus muscular e da chamada “coordenação”, e também contra a capacidade de a criança gozar a experiência do funcionamento corporal, e de SER. 3. Da apresentação de objetos ou “realização” (isto é, o tornar real o impulso criativo da criança), dar início à capacidade do bebê de relacionar-se com objetos. As falhas nesse cuidado bloqueiam ainda mais o desenvolvimento da capacidade da criança de sentir-se real em sua relação com o mundo dos objetos e dos fenômenos (WINNICOTT, 1960; 2001 p. 27).

O amadurecimento, em poucas palavras, pode ser definido por uma função da herança de um processo de maturação e da acumulação de experiências de vida, porém o

amadurecimento só pode acontecer em vista de um “ambiente SURSLFLDGRU·(Idem, p. 27) que

nesse início é absoluta e a seguir se tornará relativo, e caminhará rumo à independência. No estágio que está sendo levado em conta aqui é considerável pensar num bebê que depende absolutamente de um ambiente facilitador, que o sustente, manipule e que dê capacidades para que o bebê se relacione com objetos. O bebê é por si só muito imaturo e está sempre, nessa fase, a pique de sofrer uma agonia impensável. Essa agonia impensável pode ser evitada pelos cuidados da mãe. O cuidado pode ser definido pela capacidade da mãe “de

se por no lugar do bebê e saber o que ele necessita no cuidado geral de seu corpo e, por consequência, de sua pessoa. O amor, nesse estágio, pode apenas ser demonstrado em termos de cuidados corporais” (WINNICOTT, 1962; 1983 p. 56).

Do fracasso dos modos utilizados para cuidar do bebê, surgem alguns tipos de sentimentos associados às agonias impensáveis, são eles:

1- Ser feito em pedaços. 2- Cair para sempre.

3- Completo isolamento, devido à inexistência de qualquer forma de comunicação.

4- Disjunção entre psique e soma (WINNICOTT, 1999, p. 88).

Nota-se, dessa maneira, que essas são as falhas subjacentes relacionadas ao fracasso ambiental em não fornecer um cuidado satisfatório para o bebê. As agonias impensáveis são traumas localizados no estágio inicial do amadurecimento emocional do bebê. Entende-se por trauma aqui nessa fase, o colapso na área da confiabilidade materna e, consequentemente, a quebra da continuidade de existência do bebê. Dessa maneira, podem ser reconhecidas por agonias impensáveis as ansiedades psicóticas que pertencem clinicamente à esquizofrenia ou ao aparecimento de algum elemento esquizoide. A ineficiência materna produz, segundo Winnicott:

1- As distorções da organização do ego que constituem as bases das caraterísticas esquizoides.

2- E, à defesa específica do cuidado de si mesmo, ou ao desenvolvimento de um self que cuida de si próprio, e à organização de um aspecto falso da personalidade (falso no sentido que revela um derivado não do indivíduo, mas de um aspecto materno no acoplamento mãe-filho). Esta é a defesa cujo êxito pode se constituir em uma nova ameaça à base do self, embora designada para escondê-lo e protegê-lo (WINNICOTT, 1962; 1983, p. 57).

A consequência de uma maternagem defeituosa pode ser tremendamente devastadora para o ego do bebê, originando as organizações defensivas para não sofrer uma nova agonia impensável.

Capítulo 4. Organizações defensivas: Esquizofrenia infantil ou autismo;