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CAPÍTULO 1: ALGUMAS NOTAS SOBRE A TEORIA DO AMADURECIMENTO NA

2.6 Comunicação silenciosa

Em seu artigo “A comunicação entre o bebê e a mãe e a mãe e o bebê: convergências e divergências (1968)”, Winnicott vai falar sobre a comunicação entre o bebê e a mãe. O autor introduz o texto dizendo que a palavra inconsciente não aparece no título. Para a teoria do amadurecimento emocional, na etapa que estamos estudando, isto é, na dependência absoluta, não existe consciente nem inconsciente para o bebê, exceto para a mãe. Nessa etapa do amadurecimento, o que há é apenas:

Um complexo anatômico e fisiológico, e, junto a isso, um potencial para o desenvolvimento de uma personalidade humana. Há uma tendência geral voltada para o crescimento físico, e uma tendência ao desenvolvimento da parte psíquica da integração psicossomática; há, tanto no campo físico quanto no psicológico, as tendências hereditárias, e estas, do lado da psique,

incluem as tendências que levam à integração ou à consumação da totalidade (WINNICOTT, 198727; 1999 p. 79).

A base da teoria do amadurecimento emocional é a continuidade, isto é, a linha da vida, que se inicia antes mesmo do nascimento concreto do bebê, segundo Winnicott. E para que o potencial hereditário possa vir a se manifestar no bebê, é necessário um meio ambiente facilitador com condições favoráveis e adequadas.

Na etapa de dependência absoluta a qual estamos falando é necessário compreender que o bebê ainda não estabeleceu uma divisão entre aquilo que é o EU e aquilo que não é o não EU, pois se considerarmos o contexto dos relacionamentos iniciais, o comportamento da mãe (meio ambiente facilitador) faz parte do bebê “da mesma forma que o comportamento de seus impulsos hereditários para a integração, para a autonomia e a relação com objetos, e para uma integração psicossomática satisfatória” (idem, p. 80).

Há no início, portanto, uma comunicação. Na verdade, precisa haver alguma forma de comunicação, pois mesmo que se tenha um potencial para o amadurecimento, as experiências do bebê, que ainda não é uma unidade, são muito precárias, isso leva ao o fato de no início a dependência ser absoluta, pois caso contrário, o desenvolvimento pode vir a retardar ou se deturpar, e nos extremos, pode vir a jamais se manifestar. O que Winnicott quer trazer nesse artigo é que existe um tipo de comunicação que ainda não é verbalizada, está na pré-verbalização entre a mãe e o bebê e vice-versa. Aqui, a verbalização perde qualquer significado.

Há uma crítica de Winnicott com relação à psicanálise tradicional quanto à verbalização ou a ideias de interpretações verbais. A verbalização só faz sentido em pacientes que não sejam esquizoides nem psicóticos. O que de fato o autor quer nos mostrar que no início das experiências do bebê, existe uma comunicação muito antes de qualquer verbalização ter adquirido significado. Para os pacientes que não se incluem nessa lista, o autor dá o nome de psiconeuróticos. E eles, já atravessaram inicialmente as experiências iniciais da vida e padecem de outras enfermidades. Os pacientes psiconeuróticos tiveram o privilégio de experimentarem conflitos pessoais interiores, o que não acontece com os esquizoides e psicóticos.

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WINNICOTT. (1999). "A comunicação entre o bebê e a mãe e entre a mãe e o bebê: convergências e divergências". In D. Winnicott (1999/1987a), Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1968d).

A psicanálise tradicional partiu de uma base de verbalização, e para Winnicott, os pacientes psiconeuróticos “são incomodados pelo esforço que precisam fazer para que o inconsciente reprimido permaneça reprimido, e durante as experiências simplificadas, amostras que eles próprios escolhem cuidadosamente dia após dia (claro que não de forma deliberada) para se defrontarem com a neurose de transferência, em permanente processo de mutação” (idem, p. 82).

Os fenômenos iniciais das pesquisas analíticas se manifestam da seguinte forma de acordo com as características primárias, segundo o autor. Primeiro, nas fases esquizoides pelas quais qualquer paciente pode passar e a segunda e a qual Winnicott se debruça nesse artigo que é “o estudo das experiências iniciais concretas de bebês que estão para nascer, que acabaram de nascer, que são segurados no colo após o nascimento, que recebem cuidados e com os quais nos comunicamos nas primeiras semanas e meses, muito antes da verbalização ter adquirido qualquer significado” (idem, p. 82).

A partir das experiências iniciais da vida de um bebê com relação à comunicação, um bebê só poderá vir a se tornar uma unidade em um meio ambiente humano. Um ser humano se faz necessário e nem a melhor das máquinas pode proporcionar um cuidado satisfatório dos quais o bebê necessita. Dessa maneira, podemos pensar por meio de Winnicott que os bebês humanos nasceram de mães suficientemente boas28 humanas, isto é, essas mães se adaptaram de maneira correta de acordo com as necessidades do bebê.

No geral, os bebês tiveram uma mãe suficientemente boa e puderam se realizar enquanto bebês. Entretanto, para o autor, infelizmente, há bebês que não puderam ter um ináicio com adaptação suficientemente boa da mãe e, portanto, “não podem se realizar nem mesmo como bebês. Os genes não são suficientes” (idem, p. 84).

Para o autor, há uma diferença fundamental entre a mãe e o bebê. A mãe, já foi bebê um dia e até já brincou de ser um bebê. Possui, nesse sentido, um aglomerado de experiências que está localizada em seu ser. Em várias outras situações, podemos perceber que a mãe já esteve em diversos modos de ser como um bebê, porque ela mesma já foi um. Todavia, o bebê que acabou de nascer, não é ainda nem uma unidade, quanto mais ser “uma mãe” e ter todas as experiências acumuladas de antemão. Para o bebê, segundo o autor, tudo está acontecendo pela primeira vez, isto é, “tudo é uma primeira experiência, inexistindo qualquer medida para julgamento ou comparação” (idem, p. 84).

Nesse sentido, para Winnicott há uma dicotomia na comunicação entre o bebê e a mãe na qual a mãe, em certa medida, pode retroceder às experiências infantis, até mesmo pela identificação primária que a mãe passa no período da preocupação materna primária. Porém, para o bebê isso não é plausível, pois para ele “é impossível apresentar a sofisticação característica de um adulto. Desta forma, a mãe pode ou não falar com seu bebê; a língua não tem importância” (idem, p. 84). Então, o que é comunicado quando a mãe se adapta às necessidades do bebê, para Winnicott, é o ato de segurar o bebê.

O conceito de segurar implica duas situações. A primeira é a mãe que segura e o bebê que é segurado pode atravessar rapidamente uma séria de fases do desenvolvimento nesse início da vida que são de extrema importância para que este bebê se torne uma pessoa inteira. O amadurecimento só poderá ocorrer no contexto da confiança “que decorre do fato de ele ser segurado e manipulado” (idem, p. 86).

A mãe suficientemente boa vai ao encontro das necessidades do bebê e permite que a trajetória de vida de seu bebê tenha início. Nesse sentido, a mãe também permite ao bebê vivenciar situações fragmentárias e harmoniosas. De suma importância, a partir da confiabilidade do bebê com a mãe, o bebê adquire um interior e um exterior, essa confiabilidade passa a se tornar então “uma crença, uma introjeção baseada na experiência de

confiabilidade (humana, e não mecanicamente perfeita)” (idem, p. 87).

A comunicação, nesse sentido, está no âmbito da confiabilidade do ambiente com relação ao bebê, isto é, a mãe se torna confiável não por ser uma máquina, mas por saber do que o bebê precisa no momento que ele faz a exigência do que deseja. Winnicott nomeia esse tipo de comunicação por comunicação silenciosa. Nesse sentido, o bebê não ouve ou fala da comunicação, mas apenas, sente o efeito da confiabilidade. É nesse ponto que o autor considera a diferença entra perfeição mecânica e amor humano.

A mãe confiável se adapta às necessidades do bebê, e no momento em que cuida dele, ela falha e logo em seguida como uma solução imediata essa mãe corrige as falhas. Estas falhas corrigidas são comunicadas ao bebê que sente uma sensação muito boa de que as coisas estão caminhando bem. Uma adaptação bem sucedida significa segurança e um sentimento de que o bebê está sendo amado. Para Winnicott, “são as inúmeras falhas, seguidas pelo tipo de cuidados que as corrigem, que acabam por constituir a comunicação do amor” (idem, p. 87).

Vale ressaltar, que as falhas relativas da vida cotidiana e que a mãe suficientemente boa corrige logo em seguida (minutos, horas) é diferente das falhas fundamentais da adaptação do ambiente que não foram corrigidas a tempo. Essas falhas básicas produzem no bebê uma ansiedade impensável (tema do terceiro capítulo). As falhas de adaptação não são comunicadas ao bebê, pois para o autor “não precisamos ensinar a um bebê que as coisas podem correr muito mal. Se correm mal e não são logo corrigidas, o bebê será afetado para sempre, seu desenvolvimento será deturpado, e a comunicação entrará em colapso” (idem, p. 88)

Os pacientes esquizoides e psicóticos padeceram da comunicação silenciosa no início da vida. Winnicott notou que essencialmente a partir da observação entre mães e bebês é que se pode aprender alguma coisa com relação às necessidades dos pacientes psicóticos ou de pacientes que atravessam fases psicóticas. É no primeiro estágio da vida que estão assentadas as bases da futura saúde mental do bebê. É aqui, portanto, no período da comunicação silenciosa que podemos observar os pormenores das falhas iniciais do ambiente facilitador. Winnicott afirma que:

Os êxitos se manifestam em termos do desenvolvimento pessoal que os recursos ambientais bem-sucedidos tornaram possível. Pois o que a mãe faz, quando o faz suficientemente bem, é facilitar os processos de desenvolvimento do bebê, tornando-lhe possível, até certo ponto, realizar o seu potencial hereditário (WINNICOTT, 1999, p. 90).