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Capítulo III – O docente do ensino superior

1. A evolução do Ensino Superior

A história do ensino superior em Portugal remonta a muitos anos atrás, na medida em que o processo criação da Universidade Portuguesa é desencadeado a 12 de Novembro de 1288, a partir da célebre reunião de 27 eclesiásticos em Montemor-o- Novo.Este viria a ser concretizado com a Carta de D. Dinis em 1 de Março de 1290 e mais tarde com a Bula de Nicolau IV em 9 de Agosto do mesmo ano (Amante, 2007).

Até 1911, a história do ensino superior em Portugal confunde-se com a história da criação da própria universidade no mundo, em que Coimbra, a sua primeira universidade, foi criada logo após as pioneiras de Bolonha, Paris, Oxford e Salamanca (Ehrensperger, 2009). Assim, grande parte da história do ensino superior em Portugal traduz a presença, durante vários séculos, de uma única universidade, pois a segunda, a Universidade de Évora foi criada quase trezentos anos depois e as outras, apenas no século XX (Ehrensperger, 2009).

Os estatutos da Universidade em Portugal foram elaborados em 1653mantendo-se inalterados até1772, data da primeira verdadeira reforma, levada a cabo pelo Marquês de Pombal que manda elaborar os Novos Estatutos da Universidade (Amante, 2007).

No final do século XIX e início do século XX, emerge uma nova necessidade de reestruturação da Universidade e do ensino em geral que se traduz numa reforma significativa que ocorre através do decreto-lei de 24 de Dezembro de 1901 – “Bases para a Reorganização da Universidade de Coimbra”, seguida de uma reorganização do Curso Superior de Letras e, de outro decreto-lei, de 1907, que introduzia a autonomia (económica e pedagógica) dos institutos de instrução superior, referindo-se, neste caso aos existentes naquele momento: a Universidade de Coimbra, a Escola Politécnica de Lisboa, a Academia Politécnica do Porto, as Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e do Porto e o Curso Superior de Letras (Ehrensperger, 2009).

De acordo com Magalhães (2004) as reformas ocorridas durante a Primeira República não se restringiram à criação de novas instituições, mas também se alargaram às remodelações de diversos planos de curso quer a nível superior quer a nível médio. A nova constituição universitária, decorrente da reforma de 1911, confere à Universidade uma natureza exclusivamente pública e um âmbito nacional e atribui-lhe finalidades de promover o ensino, a investigação científica e a prestação de serviços à comunidade.

Contudo, apenas nos anos 70, com a reforma do Ensino Superior do Ministro Veiga Simão, se iniciam alterações significativas ao nível do ensino superior, nomeadamente no que respeita à sua expansão e diversificação. O Decreto-lei nº

87 402/73, de 11 de Agosto, cria três novas Universidades, um Instituto Universitário e uma rede regionalizada de Institutos Politécnicos e de Escolas Normais Superiores, nascendo assim, formalmente em Portugal, o ensino superior não universitário (Amante, 2007).

O ensino superior politécnico, subsequente do ensino superior de curta duração, foi assim criado pela reforma Veiga Simão (com a Lei n.º 5/73, de 25 de Julho e o Decreto-Lei n.º 402/73, de 11 de Agosto), tendo sido consagrado em definitivo com a alteração da designação de “ensino superior de curta duração” para “ensino superior politécnico”, a partir do Decreto-Lei n.º513-T/79, de 26 de Dezembro, com “dignidade idêntica ao universitário” e com objetivos de formação superior específicos. Contudo, segundo Urbano (2011a, 2011b) a duração e o estatuto dos cursos oferecidos pelo ensino politécnico constituiu, desde logo, a grande diferença face ao universitário, com a predominância de oferta de bacharelatos apresentada pelo primeiro.

Um novo momento de mudança ocorre após o período revolucionário (1974-76), que afetou substantivamente o ensino superior devido à instabilidade instalada e à forte contestação estudantil que se sentiu no seio das universidades. Assim, a partir de 1976, o ensino superior em Portugal apresenta um forte desenvolvimento, quer ao nível do número de alunos, quer ao nível do número de instituições universitárias e politécnicas (Ehrensperger, 2009). É a partir dessa data que se vai dar início ao verdadeiro processo de expansão e diversificação do ensino superior, tomando-se definitivamente consciência da sua necessidade para o desenvolvimento do país (Amante, 2007). Nesse sentido, um conjunto vasto de medidas são apresentadas, nomeadamente:

- O lançamento de um novo modelo de Ensino Superior Politécnico como forma de expansão institucional do Ensino Superior;

- A enorme diversificação dos seus cursos que traduz a expansão quantitativa na generalidade das instituições universitárias;

- O aparecimento de um forte segmento de Ensino Universitário privado;

- A consolidação do desenvolvimento das novas universidades criadas em 1973 e aparecimento de outras universidades;

- O lançamento de ações de formação pós graduada;

- O gradual alargamento da autonomia universitária nas suas diversas vertentes; - A generalização das restrições do acesso ao ensino superior através da adoção de um regime de numerus clausus;

88 - A maior internacionalização do ensino universitário e de todas as suas instituições, por força da integração europeia e da participação institucional nos programas comunitários para o ensino superior (Amante, 2007).

Portugal adere à Comunidade Económica Europeia em 1986 e neste período reconhece-se que o baixo nível educacional apresentado pelo país se traduz num obstáculo ao seu posicionamento no seio da referida comunidade. No mesmo ano é publicada a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 48/86, de 14 de Outubro) que estabelece a ligação do ensino superior, tanto universitário como politécnico, com o desenvolvimento económico, sustentado pelo objetivo de formar profissionais para o desenvolvimento da sociedade portuguesa (Urbano, 2011a, 2011b).

Assim, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 48/86, de 14 de Outubro)

O ensino universitário visa assegurar uma sólida preparação científica e cultural e proporcionar uma formação técnica que habilite para o exercício de atividades profissionais e culturais e fomente o desenvolvimento das capacidades de conceção, de inovação e de análise crítica (art. 11, n.º 3, p. 3071).

O ensino politécnico, orientado por uma constante perspetiva de investigação aplicada e de desenvolvimento, dirigido à compreensão e solução de problemas concretos, visa proporcionar uma sólida formação cultural e técnica de nível superior, desenvolver a capacidade de inovação e de análise crítica e ministrar conhecimentos científicos de índole teórica e prática e as suas aplicações com vista ao exercício de atividades profissionais (art. 11, n.º 4, p. 3071).

Em 1989 é removido o carácter eliminatório dos exames de acesso ao ensino superior que passavam a ser apenas classificatórios e sem a exigência de uma nota mínima, o que promoveu um crescimento muito rápido na procura e forte expansão do sector privado (Amante, 2007; Ehrensperger, 2009). No mesmo ano foram ainda elaborados os Estatutos do Ensino Superior Particular e Cooperativo, oficializados pelo Decreto-lei nº 271/89 de 19 de Agosto. Neste sentido, verifica-se um aumento significativo no número de alunos no ensino superior, passando de cerca de 157 mil alunos para cerca de 373 mil alunos no ano de 1999/2000 e é também a partir dessa década que o número de alunas no ensino superior ultrapassa o número de alunos (PORDATA, 2013).

89 Atualmente o sistema de ensino superior em Portugal é diversificado, contemplando o ensino universitário e o ensino politécnico, público e privado, constituído por um vasto conjunto de instituições em todo o país, sendo que no ano de 2011/2012, de acordo com a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, do Ministério da Educação e Ciência, apresentava um total de cerca de 390 mil alunos (PORDATA, 2013).

No início do século XXI inicia-se na Europa uma nova era do ensino superior e Portugal não foge à regra. A autonomia institucional é consolidada e até desenvolvida, assumindo, a questão da qualidade, lugar central nos debates e objetivos governamentais ao nível do ensino superior (Magalhães, 2004), como tentativa de encontrar soluções para a crise do ensino superior que já vinha a ser discutida e para dar resposta às novas exigências da sociedade, quer a nível tecnológico, quer a nível social ou cultural (Amante, 2007). A constituição da União Europeia decorre desta conjuntura de luta pela qualidade de vida de todos os cidadãos, que através da Declaração de Sorbonne (25 de Maio de 1998) alarga os seus princípios para o domínio do ensino superior, patente na construção de um espaço europeu de ensino superior (Amante, 2007).

No seguimento desta primeira iniciativa surge em 19 de Junho de 1999 a Declaração de Bolonha assinada pelos Ministros da Educação dos 29 países europeus5 e que tem como principal objetivo o estabelecimento até 2010 do Espaço Europeu de Ensino Superior, coerente, compatível, competitivo e atrativo para estudantes europeus e de países terceiros (Amante, 2007).

Assim, a adoção das medidas propostas para a reforma do Ensino Superior, no quadro do Processo de Bolonha, potenciaram a transformação das caraterísticas e fronteiras dos sistemas de Educação Superior um pouco por toda a Europa. As principais premissas apontadas na Declaração de Bolonha, entretanto alteradas no decorrer do Processo, e consignadas nos documentos resultantes das reuniões e dos acordos de Ministros e outros órgãos e instituições, segundo Mendes (2010) centram-se especialmente:

5 Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Confederação Suiça, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Látvia, Luxemburgo, Lituânia, Malta, Noruega, Países Baixos, República Eslovaca, República Checa, Polónia, Portugal, Reino Unido, Roménia e Suécia.

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- Na adoção de um sistema com graus académicos de fácil equivalência, através da implementação do Suplemento ao Diploma, para promover a empregabilidade dos cidadãos europeus e a competitividade internacional do Sistema Europeu de Ensino Superior; - Na adoção de um sistema baseado em três ciclos de estudos, consolidados na reorganização dos graus e diplomas atribuídos;

- No estabelecimento de um sistema de créditos baseado no sistema ECTS (European Credit Transfer and Accumulation System – Sistema Europeu de Transferência e Acumulação de Créditos);

- Na promoção da mobilidade de professores, estudantes, investigadores e administrativos pelos diferentes sistemas de Ensino Superior;

- Na promoção da cooperação europeia para a garantia da qualidade dos mecanismos, processos e resultados que com este novo modelo se visam implementar, por exemplo, através da disseminação de boas práticas e através do incentivo à construção de cenários que permitam a aceitação mútua de mecanismos de avaliação e acreditação/certificação; - Na promoção de dimensões Europeias no Ensino Superior, através da criação de módulos, cursos e currículos com conteúdos, orientação e organização “europeus” (p. 12).

A adesão ao Processo de Bolonha por parte de Portugal, obrigou a reformas nas instituições de ensino superior e a uma reflexão profunda em torno dos seus objetivos, finalidades e práticas, no sentido de estas conseguirem uma maior eficácia e modernização que possam dar resposta aos princípios acordados pelos Estados que assumiram este compromisso (Amante, 2007). Neste sentido, em 22 de Fevereiro de 2005 foi aprovado o Decreto-Lei n.º 42/2005, de 22 de Fevereiro que aprova os princípios reguladores dos instrumentos para a criação do espaço europeu de ensino superior.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 42/2005, de 22 de Fevereiro:

Nesta nova conceção, o estudante desempenha o papel central, quer na organização das unidades curriculares, cujas horas de contacto assumirão a diversidade de formas e metodologias de ensino mais adequadas, quer na avaliação e creditação, as quais considerarão a globalidade do trabalho de formação do aluno, incluindo as horas de contacto, as horas de projeto, as horas de trabalho de campo, o estudo individual e as atividades relacionadas com avaliação, abrindo-se também a atividades complementares com comprovado valor artístico, sociocultural ou desportivo (p. 1494).

De acordo com Amante (2007) os sistemas de ensino superior, na europa e particularmente o português incorreu na sua maior reforma de sempre. As instituições foram confrontadas com um espaço de tempo muito curto para se adaptarem a essa nova

91 realidade, cabendo ao Ministério da Ciência Tecnologia e do Ensino Superior (MCTES), criar as condições que permitissem tal adaptação.

Também ao nível da avaliação das instituições de ensino superior foram introduzidas alterações decorrentes dos objetivos definidos pelo Processo de Bolonha. Assim, até então, a avaliação centrava-se nos cursos pelo facto de ser, na altura, uma prática corrente em alguns países na Europa e por vir ao encontro das expectativas da opinião pública, em particular dos candidatos ao ensino superior, na medida em que os resultados da avaliação poderiam constituir aspetos importantes a ter em conta no momento da candidatura (Amante, 2007).

Posteriormente, o ensino superior começou a ser fortemente questionado, sendo notória a pressão sobre a Universidade para ajustar a investigação com a economia e para a valorização das áreas de formação mais próximas dos interesses do mercado de trabalho (Oliveira, 2011). Assim, a intrusão do mercado no sector público, em geral, e no ensino superior, em particular, coloca em causa o modo burocrático de estruturação e funcionamento das organizações públicas e proporciona a criação de ambientes de competição entre as universidades por alunos, por recursos financeiros e pelo acesso à informação, que estimulariam a busca da qualidade e da excelência.

É neste contexto de mudança que a Nova Gestão Pública (NGP) encontra as condições necessárias para se expandir em Portugal, que na área específica do ensino superior visa mudar a forma tradicional como os profissionais são regulados, na medida em que, desde a revolução democrática de 1974, a carreira académica é caracterizada por valores como emprego seguro, autonomia profissional e liberdade académica, razão pela qual a profissão académica era considerada uma profissão segura e com prestígio social. Assim, a mudança na natureza das relações entre as IES e o Estado, assim como o aparecimento de novos modelos de governação e gestão das IES, têm contribuído para restringir o poder dos académicos. Os valores académicos tradicionais competem agora com diversos valores e objetivos, os quais passam pela eficiência, pela racionalidade económica, pela utilidade, pela responsabilidade pública, empresariais e de qualidade (Amaral, 2008).

De acordo com Oliveira (2011) a utilização, por parte das IES, de académicos a trabalhar em “part-time” intensificou-se, contribuindo para um fosso cada vez maior entre este grupo e os académicos a tempo integral. A necessidade de aumentar o número de professores no ensino superior associou-se ao facto do número de estudantes ter aumentado substancialmente. Contudo, a contratualização a tempo parcial e a curto

92 prazo tornou-se numa política de gestão de recursos humanos cada vez mais usada na condução das instituições. E apesar de existe a possibilidade de passar de uma posição a tempo parcial para uma posição permanente, as oportunidades para o fazer são reduzidas, o que se traduz numa posição de relativa insegurança.

No seguimento destas novas políticas de gestão observa-se atualmente, nas instituições de ensino superior, uma presença mais acentuada de profissionais com estatutos diversificados. Por um lado, professores com estatuto tenure, i.e., “com status e reputação” que gozam de estatuto reforçado de trabalho e, por outro lado, professores que trabalham a tempo parcial e cujo status é incerto apesar de arcarem com as responsabilidades consideráveis no ensino. Para este último grupo, os constrangimentos na sua capacidade de desenvolver os seus próprios interesses académicos é seriamente limitado (Oliveira, 2011). Estes profissionais vivenciam ainda outros constrangimentos, nomeadamente, baixos salários, insegurança no trabalho, benefícios negligenciados e uma fraca possibilidade de integração na instituição onde trabalham.

Nos anos mais recentes o ensino superior, em Portugal, tem sido objeto de múltiplas mudanças. Entre as principais, é de referir que foi aprovado o Regime jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) através da Lei nº. 62/2007, de 10 de Setembro e que foram alterados, em 2009 e 2010, os normativos legais que regulavam a carreira académica no ensino superior (Decreto-lei nº. 205/2009, de 31 de Agosto; Decreto-lei nº. 207/2009, de 31 de Agosto; Lei nº. 8/2010, de 13 de Maio; Lei nº. 7/2010, de 13 de Maio), que datavam de há cerca de três décadas (Ferreira, Machado, & Gouveia, 2012).

Assim, a Lei nº. 62/2007 obrigou milhares de docentes a redigir novos estatutos das suas Universidades/Institutos Politécnicos, atualmente denominadas “Instituições do Ensino Superior” e das respetivas “Unidades Orgânicas”, implicando a participação de professores e alunos na gestão democrática das escolas (Pereira, 2010). Nesta linha de transições, a Universidade do Porto, a Universidade de Aveiro e o ISCTE optam por se transformar em fundações públicas com regime de direito privado. Já o Decreto-lei nº. 205/2009, de 31 de Agosto e a Lei nº. 8/2010, de 13 de Maio regulamento o Estatuto da Carreira Docente Universitária, e o Decreto-lei nº. 207/2009, de 31 de Agosto e a Lei nº. 7/2010, de 13 de Maio o Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico.

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