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Capítulo I – O stresse ocupacional

2. Conceções e abordagens teóricas sobre o stresse ocupacional

2.3. Fontes de stresse

2.5.1. O Modelo de Savoring de Bryant e Veroff

A par da vivência de experiências positivas e/ou negativas, o indivíduo tenta regular as suas emoções, gerindo as experiências negativas e potenciando as experiências positivas. Assim, frequentemente o ser humano procura experienciar afetos positivos inerentes a sentimentos agradáveis, tais como a procura de felicidade e de alegria, visando o prolongamento dos mesmos (Wood et al., 2003).

64 Estratégias de Savoring Processos de Savoring Experiências de Savoring

De acordo com Fredrickson (1998) o afeto positivo é agente promotor do pensamento criativo, da capacidade de resolver problemas, da capacidade de autorregulação, dos comportamentos pro-sociais e contribui para a saúde física.

No sentido de compreender melhor a forma como se os acontecimentos positivos são vivenciados, e decorrente dos modelos de coping e de regulação das emoções positivas, Bryant e Veroff (2007) propõem um novo modelo para a sua compreensão, o Modelo de Savoring que pode ser representado graficamente, em termos conceptual, da seguinte forma:

Figura 2. Representação gráfica do modelo conceptual do savoring de Bryant e Veroff (2007), traduzido para português por Carvalho, 2009

Na explicação da natureza do savoring, Bryant e Veroff (2007) utilizaram três termos conceptuais interrelacionados, cuja definição é importante para os especificar e distinguir clara e precisamente: as experiências de savoring, os processos de savoring e as estratégias de savoring (Figura 2). A um nível mais amplo, as experiências de

savoring representam a totalidade das sensações, perceções, pensamentos,

comportamentos e emoções de um indivíduo quando está desperto e aprecia um estímulo, um resultado ou acontecimento, em conjunto com as caraterísticas ambientais e situacionais que o envolvem. Num nível intermédio, o processo de savoring diz respeito a uma sequência de operações mentais ou físicas que ocorrem ao longo do tempo e que transformam um estímulo positivo, resultado ou acontecimento, em sentimentos positivos aos quais a pessoa dá atenção e dos quais desfruta. A um nível mais “micro”, as respostas ou estratégias de savoring dizem respeito aos comportamentos ou pensamentos concretos que uma pessoa adota perante um estímulo ou experiência positiva; estas respostas comportamentais ou cognitivas moderam o

Enfoque da Atenção

Tipo de Experiência

Centrado no

Mundo Centrado no self Reflexão Cognitiva Agradecimento (thanksgiving) Deleitamento (basking) Absorção Experiencial Admiração (marveling) Encantamento (luxuriating) Emoções Positivas

65 impacto dos acontecimentos positivos nas emoções positivas, ampliando ou diminuindo a sua intensidade, prolongando ou abreviando a duração dos sentimentos positivos (Bryant & Veroff, 2007).

O modelo apresentado por Bryant e Veroff (2007) baseia-se em dois modelos conceptuais, nomeadamente a Teoria do Nível Óptimo (Berlyne, 1966,cit. por Bryant & Veroff, 2007) e a Teoria Moderna da Expectativa-Valor (Eccles et al., 1983; Eccles & Wigfield, 2002). A primeira sustenta a compreensão dos processos dinâmicos que ocorrem enquanto o savoring acontece, ou seja, as pessoas tendem a apreciar e desfrutar os estímulos que são moderadamente discrepantes, até ao momento em que deixam de o ser, e a segunda permite perceber os processos dinâmicos quando o savoring é escolhido como um objetivo ainda não alcançado, ou seja, de entre vários comportamentos, a pessoa tende a escolher aquele que permitirá alcançar os seus objetivos e que está mais próximo dos seus valores/crenças. Para Bryant e Veroff (2007) os valores dizem respeito aos objetivos individuais perante o desempenho de uma atividade e podem ser conceptualizados como incentivos (do ponto de vista situacional) ou como motivos (do ponto de vista disposicional). As expectativas dizem respeito à perceção sobre a probabilidade de atingir um determinado objetivo.

Partindo desta ideia geral, Bryant e Veroff (2007) retiram para o seu modelo três ideias-chave para compreender o que é que está na base da decisão para dar atenção ao prazer de uma determinada experiência: a natureza e a força dos incentivos individuais; os seus motivos gerais para dar atenção aos prazeres; e as suas expectativas em relação ao sucesso do processo de savoring relativamente a uma experiência positivam.

O modelo de Bryant e Veroff (2007) baseia-se ainda na conceptualização de Lambie e Marcel (2002) sobre a consciência e a experiência das emoções, para explicar os vários processos e estratégias de savoring. Lambie e Marcel (2002) baseiam-se na distinção do foco de tenção em relação a uma experiência, que pode ser centrada no mundo ou no self. O enfoque no mundo diz respeito a qualquer parte do mundo (externo), ou seja, tudo o que não faz parte do self. O enfoque no self inclui a experiência centrada mundo interno, nomeadamente os pensamentos, os sentimentos, os comportamentos e, também as sensações físicas (Lambie e Marcel, 2002). Desta forma, para Bryant e Veroff (2007) os três conceitos apresentados no seu modelo surgem interrelacionados, na medida em que diferentes experiências de savoring desencadeiam diferentes processos de savoring, os quais incluem diferentes tipos de respostas de

66 No que se refere às experiências de savoring que se pode vivenciar, Bryant e Veroff (2007) referem que, para além das experiências sensoriais, se pode desfrutar de um estado psicológico, sem que exista uma relação clara do mesmo com um dos sentidos, podendo existir várias associações cognitivas quando se vivencia um acontecimento sensorial. Para além disto, também se pode apreciar algo sem nenhuma característica sensorial, como por exemplo, desfrutar da leitura de um romance, ou mesmo as experiências simultâneas vividas num encontro de família (Carvalho, 2009).

A intensidade com que é vivido o prazer de uma experiência positiva e a atenção em relação aos afetos positivos pode ser influenciada por diversos aspetos, de acordo com Bryant e Veroff (2007) nomeadamente, pela capacidade para reduzir o stresse da experiência e pela sua complexidade, no caso da intensidade, e pelo peso relativo das outras opções, pela atenção a novas situações, pela atenção a situações desafiantes, pela atenção a situações incertas, pela personalidade e pelas experiências doces/amargas, no que diz respeito à atenção em relação aos afetos positivos.

De acordo com Carvalho (2009) no processo de savoring, as pessoas centram a atenção na sua experiência subjetiva, o que permite que cada um considere a sua experiência como sendo mais do que os seus sentimentos impulsivos e sensações. Deste modo, a experiência de savoring pode ser sentida fora de nós mesmos (savoring centrado no mundo), o que pressupõe uma consciência dos sentimentos positivos que transcendem a experiência do self em que existe um sentido de comunicação com alguma coisa mais forte do que o self, mas também pode ser centrada em pensamentos, sentimentos ou sensações internas (savoring centrado no self) o que pressupõe a atenção focalizada no próprio, nomeadamente na personalidade, no comportamento, no talento e nos sentimentos positivos. (Bryant & Veroff, 2007).

No caso do savoring centrado no self, os estímulos positivos podem ser vistos como possuindo um poder magnético que atrai o observador e as pessoas experienciam as respostas emocionais positivas de forma involuntária e incontrolável e o controlo da experiência é externo em vez de ser interno (Carvalho & Marques Pinto, no prelo).

Bryant e Veroff (2007) sugerem que as pessoas tendem a dirigir a sua atenção para o mundo ou para o self como forma de otimizar as suas oportunidades e experiências de savoring. Assim, as vivências de savoring centradas no mundo e centradas no self não são mutuamente exclusivas, ou seja, na mesma experiência podem existir vivências de savoring centradas no self e no mundo simultaneamente, em momentos diferentes e também em relação a aspetos diferentes dessa mesma

67 experiência (Lambie & Marcel, 2002). Assim, os processos de savoring centrados no mundo e no self são os dois extremos de um continuum e descrevem a forma como se dirige a atenção para as experiências positivas (Carvalho, 2009).

De acordo com Carvalho (2009) quando se focaliza a atenção no mundo, tende-se a dar mais atenção às caraterísticas positivas dos objetos do que às respostas emocionais, ocorrendo maioritariamente no início e no fim da experiência de savoring, uma vez que se procura estimular ou manter a resposta emocional. Assim, qualquer sinal que sugira que a experiência de savoring está prestes a terminar tende a aumentar a atenção dada às caraterísticas positivas dos estímulos.

As experiências baseadas no self são mais dependentes do controlo pessoal, dirigindo as pessoas a sua atenção para dentro de si, de forma a intensificar ou manter as suas emoções positivas. Neste caso tende-se a dar mais ênfase ao esforço cognitivo para tentar otimizar o savoring centrado no self, em vez de manipular os objetos do ambiente (Bryant & Veroff, 2007).

Outro elemento fundamental do modelo de Bryant e Veroff (2007) diz respeito aos processos de savoring, que traduzem a necessidade de existir um tipo específico de consciência, identificada a partir das capacidades individuais para recontar a experiência positiva que foi desfrutada. Neste sentido, Bryant e Veroff (2007) definem quatro tipos de processos de savoring, nomeadamente, agradecimento (thanksgiving), admiração (marveling), deleitamento (basking) e encantamento (luxuriating), decorrentes do tipo de reflexão que uma pessoa faz sobre a experiência positiva, podendo ser uma reflexão cognitiva (aquelas que envolvem a elaboração mental) ou uma absorção experiencial (centram no comportamento sem reflexão cognitiva). Estes quatro processos de

savoring diferem ao nível da facilidade com que se conseguem manter ao longo do

tempo. Desta forma, é mais fácil prolongar a reflexão cognitiva do que a absorção experiencial, devido à habituação física (Carvalho & Marques Pinto, no prelo).

Os processos de savoring que dizem respeito ao agradecimento (thanksgiving) e ao deleitamento (basking) envolvem principalmente a reflexão cognitiva. Os processos de admiração (marveling) e encantamento (luxuriating) envolvem a absorção experiencial. O centro da atenção é colocado no self para o agradecimento e para a admiração e no mundo para o deleitamento (basking) e para o encantamento (luxuriating) (Bryant & Veroff, 2007).

O tempo em que ocorre a experiência afetiva em relação aos estímulos positivos também varia ao longo dos quatro processos de savoring. Assim, a admiração e o

68 encantamento (luxuriating) estão centrados no presente e nos estímulos positivos, ou no momento da ocorrência de um acontecimento, enquanto o agradecimento e o deleitamento (basking) ocorrem depois de um acontecimento positivo (Carvalho & Marques Pinto, no prelo).

Outro elemento fundamental no modelo de savoring é o conceito de crenças de

savoring, que traduz o facto de que o experienciar um acontecimento positivo não é sinónimo de que a pessoa se sinta capaz de desfrutar (savoring) esse mesmo acontecimento, ou seja, de promover, intensificar e prolongar o prazer por sua vontade (Bryant & Veroff, 2007). Assim, para além da capacidade para sentir prazer, o indivíduo tem que acreditar que tem capacidade para regular, manipular e manter determinado acontecimento.

Bryant (1989) refere que as crenças sobre as capacidades para desfrutar podem envolver pelo menos três orientações temporais distintas. Deste modo, antes da ocorrência (antecipação) de um acontecimento positivo, podemos antecipá-lo de forma a gerar sentimentos positivos no presente. Durante a ocorrência (momento) de um evento positivo, podemos intensificar ou prolongar os sentimentos positivos através de pensamentos e comportamento específicos. Depois do término (reminiscência) de um acontecimento positivo, podemos olhar para trás e prolongar os sentimentos positivos. Assim, Bryant (2003) refere que os referidos processos temporais proporcionam um sentimento de controlo sobre as emoções positivas, que se traduz em crenças mais fortes em relação à capacidade para desfrutar.

Para além disto, apesar de existir um número ilimitado de acontecimentos que podem ser desfrutados, Bryant e Veroff (2007) consideram que há um número limitado de respostas envolvidas no savoring, ou seja, de estratégias de savoring. A maior parte das vezes, estas estratégias são utilizadas automaticamente e só se toma consciência da sua existência quando já se está a usá-las e podem ser utilizadas várias estratégias ao mesmo tempo.